Diamante de Sangue: sobreviver em um mundo hostil

Que papel desempenhamos na sociedade de consumo? Estamos realmente cientes do preço que pagamos pelos nossos itens mais preciosos? O que sabemos sobre outras realidades? O filme 'Diamante de Sangue' abre o debate sobre essas questões.
Diamante de Sangue: sobreviver em um mundo hostil
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

O que as joias mais preciosas realmente escondem? O que realmente estamos fazendo ao adquiri-las? Estas são algumas das perguntas que fazemos a nós mesmos após assistir ao filme Diamante de Sangue (Edward Zwick, 2006). Um filme cheio de emoções, violência, aventura, e com um componente crítico que não passa despercebido.

O filme se desenvolve ao redor de uma história verídica: a Guerra Civil de Serra Leoa e o tráfico de diamantes, que servem de estrutura para o que testemunhamos. Mas Diamante de Sangue não aborda apenas a guerra, ele a usa para criar uma nova história de aventura na qual dois personagens, de mundos diferentes, se tornam aliados.

Danny Archer e Solomon Vandy se unem para obter um diamante que pode mudar suas vidas, embora de uma maneira muito diferente. Solomon vê sua vida desmoronar com a chegada da guerra, já que rebeldes da Frente Revolucionária Unida invadem sua vila destruindo famílias, incluindo a sua.

Solomon é recrutado pela FRU para procurar diamantes. Esses diamantes servem para a FRU financiar a guerra e adquirir armas. A família de Solomon consegue fugir, embora seu filho Dia seja capturado e transformado em uma criança-soldado. Além de Solomon, vemos Danny Archer, um homem branco que se dedica ao contrabando de diamantes. Os caminhos de ambos se cruzam na prisão. Nela, Archer ouve que Vandy encontrou um diamante rosa enorme. Assim, ele tenta tirar Solomon da cadeia e partir em busca do diamante.

O filme, de grande crueza, tem cenas extremamente violentas e trágicas. Ele consegue captar a dor, a impotência diante de uma situação tão difícil, e nos tornar participantes de algo que o Ocidente prefere não ver.

Como recomendação pessoal, é interessante ver o filme em seu idioma original, para não perder nuances das magníficas performances de seus dois protagonistas: Djimon Hounsou e Leonardo DiCaprio, que fez uma mudança excepcional de sotaque que não pode ser apreciada em sua versão dublada. Ambos os personagens representam as duas faces da sobrevivência em um mundo em que a corrupção, a injustiça, a escravidão e a violência são os protagonistas.

Diamante de Sangue: três faces de uma mesma realidade

À dupla principal se une uma jornalista americana, Maddy Bowen, uma jovem idealista que caracteriza muito bem boa parte da sociedade ocidental. Às vezes, tendemos a pensar que podemos mudar o mundo, que contribuindo com o nosso grão de areia podemos fazer pequenas mudanças na sociedade. Embora essa afirmação não esteja totalmente errada, a verdade é que, quando adentramos a parte mais sombria da humanidade, esse positivismo tende a desaparecer.

Estando no Ocidente, às vezes esquecemos que o mundo não é tão fácil como pensamos, que não é um lugar perfeito em que podemos alcançar tudo o que nos propusemos a fazer. É verdade que não estamos longe da corrupção nem livres da violência, mas existem infinitos problemas dos quais não temos conhecimento mas temos participação. De certa forma, a mídia incentiva essa visão; basta ver as notícias para perceber os diferentes tratamentos que são dados a uma mesma tragédia, dependendo de onde ela aconteceu no mundo.

Se o evento trágico ocorre na Europa, a mídia nos comove e dedica muito tempo a ele nas notícias. No entanto, se acontece do outro lado do mundo, ela não gasta mais de cinco minutos e o trata mais superficialmente. Estamos realmente conscientes da situação que existe além das nossas fronteiras? Esta é uma das perguntas que nos fazemos ao conhecer Maddy Bowen.

Diamante de sangue: três faces de uma mesma realidade

Maddy é o reflexo fiel dos ocidentais que acreditam que podem mudar o mundo, é o reflexo de seus ideais e poder. No entanto, esses ideais são de pouca utilidade em um ambiente onde o mais importante é a sobrevivência. Sobreviver de qualquer maneira, escapar ou lutar em um mundo hostil, algo a que Vandy e Archer estão mais do que acostumados e que contrasta com a ideia de Maddy.

Maddy acredita que se ela fizer uma boa reportagem poderá sensibilizar a população ou, pelo menos, fazê-la participar e deixar de olhar para o outro lado na dramática situação na Serra Leoa. O problema é que boas intenções às vezes não são suficientes. Podemos questionar a atitude de Archer, o fato de ele se enriquecer às custas do sofrimento dos outros. No entanto, percebemos que é sua maneira de sobreviver, que tudo o que ele quer é poder fugir do continente.

Vandy, por sua vez, representa os valores da família. Seu amor por ela o leva a arriscar sua própria vida ao esconder o diamante precioso. Vandy poderia ter entregado o diamante e continuado sua escravidão “abaixando a cabeça”. No entanto, ele decide se arriscar e fazer o que for preciso para se reunir com a sua família. Apesar dos valores que esses personagens incorporam, apesar das atitudes questionáveis ​​que eles podem apresentar, especialmente Archer, logo perceberemos que o inimigo não é outro senão o poder, a corrupção e, de certa forma, os próprios consumidores.

Qual é o preço do consumo?

Diamante de Sangue vai além da representação do bem e do mal, vai além dos próprios personagens. O que o filme realmente propõe é uma reflexão sobre o mundo que habitamos, sobre as desigualdades e o consumo do qual somos participantes. São os próprios países ocidentais que compram as joias provenientes da exploração e, ao fazer isso, acabam financiando as armas da FRU e transformando crianças em soldados, como aconteceu com Dia.

Ao mesmo tempo, os três personagens representam, de alguma forma, esse círculo de interesses: Maddy vem do Ocidente, da sociedade de consumo, daquelas pessoas que, comprando diamantes, financiam armas; Archer é o intermediário entre os dois continentes, o responsável por vender os diamantes; e por último Solomon, que pertence ao mundo da escravidão, àqueles que devem procurar por diamantes que mais tarde serão vendidos e adquiridos por algum ocidental abastado.

Dessa forma, o que o filme nos mostra é como esses personagens agem de acordo com sua realidade, seu contexto. Cada um deles enfrenta sua situação individual da maneira que acha melhor. Ao cruzarem seus caminhos, eles embarcam em uma jornada de aventura, sobrevivência e situações dramáticas. Um caminho contra a corrente, uma luta de Davi contra Golias, na qual o diamante precioso será a recompensa e, embora pareça contraditório, o caminho para a liberdade.

O que as joias mais preciosas realmente escondem?

Após ver Diamante de Sangue, ficamos com infinitas dúvidas sobre nosso próprio papel como consumidores pouco ou nada responsáveis. Estamos realmente conscientes do que consumimos? Sabemos se nossos objetos mais preciosos não estão manchados de sangue? E não estamos mais falando de joias preciosas, como diamantes, mas de objetos simples e cotidianos, como roupas, alimentos e tecnologia.

É justo pagar um preço exorbitante por um objeto? Somos vítimas do momento e do lugar em que nascemos? Está em nossas mãos mudar as coisasDiamante de Sangue abre o debate, coloca diante de nós uma realidade bruta e violenta, nos prende com personagens perfeitamente retratados, com diferentes vidas e sonhos, mas com um único objetivo: sobreviver em um mundo hostil.

“Quem você acha que compra as pedras que eu contrabando? Garotas americanas que querem um casamento dos sonhos e uma pedra como as dos anúncios das suas revistas politicamente corretas”.
-Diamante de Sangue-


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