Entrei nesta aventura sozinha porque tinha de me procurar, tinha de me sentir, tinha de me encontrar
No primeiro dia, tinha a chuva como companhia. Aquela música no rádio aquecia-me o corpo e a alma também. A música sempre me fez companhia nas melhores e nas piores alturas. Sempre foi minha companheira de jornada, digamos. Dentro de mim, havia aquele misto de tudo o que é bom e mau de sentir. Seria eu capaz de conduzir e seguir sozinha naquele carro? Aquele carro de pequeno porte, mas tão grande de conteúdo. Não iam lá dentro só as minhas roupas, os meus sapatos. Sim, conheces-me bem, os meus sapatos que sempre têm de me acompanhar mesmo que nunca os use.
Falava-te que aquele carro era de um conteúdo extraordinariamente rico. Além de todas as minhas tralhas, que não eram poucas, lá dentro iam todos os meus sonhos, todas as minhas angústias, as minhas tristezas, as histórias mal resolvidas comigo mesma, os meus anseios e até devaneios.
Lá segui viagem comigo e com todo um leque de emoções, que se misturavam com o meu perfume, nas minhas tralhas! O meu carro era-me tão cúmplice, que sorria para mim sempre que tinha de me desviar de alguma aresta a limar, ou sempre que algum sonho batia no vidro.
A primeira parada que fiz foi numa encosta íngreme e bastante ventosa. Não me queria demorar muito por ali. A sensação era de vazio, de falta de calor, uma falta de vida total, mas a neve não me deixou seguir caminho quando quis… Durante alguns minutos, estive parada dentro de mim e estacionei-me à entrada de uma caverna. Consegui alcançar umas sombras, que me acenavam lá de dentro e que me pediam para entrar. Mas tive medo de entrar. Estava escuro e as sombras acenavam-me de uma forma estranha. Procurei em volta se tinha alguém por companhia, que me ajudasse a decidir se haveria de entrar ou não, mas estava sozinha. Completamente só! Teria de decidir sozinha entrar naquela caverna escura, fria, de sombras dançantes e descobrir o que lá se escondia e o que me poderia oferecer, ou seguir a minha viagem à descoberta de mim mesma e tentar vencer o medo sozinha. E agora? A minha alma estava tão dividida. Sempre tive uma queda para o mistério e para o desconhecido, mas o objetivo da minha viagem não era, de todo, aquele. E se a gruta fosse palco de amores derradeiros, de amizade intensas, de famílias enlutadas, de mulheres que choram de saudade, de alegrias partilhadas? Eu e a minha mania de sentir as coisas… Lembrei-me do sótão que encontrei, quando subi as escadas que rangiam, lembras-te? E se fosse assim?
Por instantes, esqueci-me do meu objetivo principal. Deixei o medo para trás. Acenei às sombras, vesti um casaco e segui na direção de tudo o que me era desconhecido; de tudo o que parecia frio e escuro; de tudo o que estava além de mim mesma; de todo um mundo que me elevava a uma quantidade de emoções, de sentimentos e que me parecia sem vida, mas eu teria de dar vida a tudo aquilo. Teria de dar o meu estado d’alma a aquele mundo sem vida, sem sentir, sem calor…
Fui, com um medo aterrador, com uma dor brutal cá dentro, com as pernas bambas e sem saber o que encontraria. Mas fui.
Se me arrependi? Não sei. Logo que lá chegue te digo, mas duma coisa tenho a certeza. Não ficaria bem comigo mesma se não tentasse descobrir o que havia para lá daquelas sombras, que me chamavam. E prefiro arrepender-me de ter tentado, do que ficar na incerteza do que poderia ser ou ter sido!
Vai além de ti mesmo. Vai mesmo com as pernas bambas de tanto medo. Vai além de todas as tuas forças. De todas as tuas sombras. E, um dia, poderás dizer:
«Não consegui encarar todas as cavernas frias e as sombras estranhas da minha vida, mas, pelo menos, fui lá, entrei e tentei!»