Entrevista com Marcelo Ceberio sobre o poder da resiliência

O psicólogo e escritor Marcelo Ceberio amplia nossos conhecimentos sobre a resiliência nessa interessante entrevista. Nela, aprendemos como essa dimensão influencia a nossa qualidade de vida.
Entrevista com Marcelo Ceberio sobre o poder da resiliência

Última atualização: 25 julho, 2019

Marcelo Ceberio é autor de livros como La buena comunicación, Los superhéroes también van a terapia, e o conhecido Cenicientas y patitos feosSua bibliografia é muito extensa e inspiradora, baseada em campos da comunicação, do psicodiagnóstico e da psicoterapia.

Cabe destacar seus estudos em terapia sistêmica no Mental Research Institute de Palo Alto, na Califórnia, instituto do qual ele atualmente é professor, e é representante na Argentina do Minuchin for the Family e da Escola de Terapia Familiar do Hospital San Pau de Barcelona.

Além de tudo isso, também é interessante ressaltar que Marcelo Ceberio trabalhou na coordenação de voluntários no processo de desmanicomialização em Trieste, na Itália, deixando uma marca na sua revolucionária prática clínica.

Ele é um profissional da psicologia com o qual é um prazer conversar e que proporciona aspectos muito importantes para trabalharmos em nós mesmos e, ao mesmo tempo, refletirmos sobre a sociedade.

“Autoestima e resiliência são conceitos que andam juntos. Uma pessoa que valoriza a si mesma se sentirá fortalecida e com recursos suficientes para enfrentar situações problemáticas”.
– Marcelo Ceberio-

Entrevista com Marcelo Ceberio

Em nossa entrevista com Marcelo Ceberio, nos aprofundamos no conceito da resiliência.

Desde que Viktor Frankl descreveu, de forma tão emblemática, a transcendência da resiliência em nossas vidas com livros como O homem em Busca de Sentido, aprendemos muito sobre este conceito. Ser resiliente se reflete em nosso bem-estar e potencializa a nossa autoestima.

Marcelo Ceberio oferece uma visão muito mais rica da resiliência ao integrá-la dentro da perspectiva sistêmica e a partir um ponto de vista relacional.

Dessa forma, ele dá a entender que não só os recursos psicológicos dos quais cada um de nós dispomos para enfrentar a adversidade são importantes, mas que o nosso entorno também atua como mediador.

É um enfoque altamente valioso e interessante que nos ajuda a ampliar, se podemos dizer assim, tudo o que sabemos até o momento sobre a resiliência. Agora podemos vê-la como um conjunto sinergético no qual se reúnem aspectos biológicos e inclusive a nossa inteligência emocional.

O psicólogo Marcelo Ceberio explica a seguir

A beleza das pequenas coisas

O que é a resiliência?

Podemos definir a resiliência, de forma simples, como a capacidade que os seres humanos têm de sobreviver diante de situações adversas. Em situações que nos tornam vulneráveis, uma pessoa resiliente é capaz de usar seus próprios recursos para enfrentá-las, se adaptar e superá-las.

O que você poderia nos dizer sobre a resiliência a partir de uma perspectiva sistêmica?

Embora a resiliência seja uma soma de recursos pessoais, é um conceito absolutamente relacional, já que coloca à prova a interação com os outros em um contexto vulnerabilizante, o que exige possuir confiança em si mesmo para poder enfrentar a situação.

Com relação à capacidade de resiliência, o que é mais determinante: os recursos pessoais ou os recursos procedentes do entorno?

Os recursos pessoais são aquelas ferramentas que vêm de fábrica, que nascem conosco e que se desenvolvem com a interação com os outros e com as dificuldades enfrentadas.

Entretanto, é claro que o entorno (contexto) é muito importante, motivador e estimulante para potencializar os recursos pessoais resilientes.

Podemos afirmar que ambos são relevantes porque influenciam para potencializar ou paralisar. Eu sou como eu sou porque você é como é, ou seja, nossa identidade depende da interaçãosomos a interação, contexto, ações, situação, recursos pessoais, biologia, significados atribuídos… tudo isso nos faz resilientes.

Como o afeto está relacionado com a resiliência?

O afeto é fundamental, não só para a pessoa resiliente, e sim para todos, já que é vital à vida.

Sempre digo que há quatro elementos conhecidos na natureza: ar, fogo, terra e água, mas soma-se um quinto ao território humano: o amor. O amor, no caso do resiliente, é um motor impulsor de ações que revertem a catástrofe. Nós somos seres que nos relacionamos, precisamos uns dos outros para a nossa sobrevivência.

Esta relacionalidade foi demonstrada nas descobertas de uma pesquisa de Harvard sobre o desenvolvimento em adultos – Harvard Study of Adult Development. Trata-se de um projeto de pesquisa que seguiu e examinou a vida de mais de 700 homens e mulheres desde 1938 e, em alguns casos, também de seus parceiros.

Esta pesquisa, que é a pesquisa longitudinal mais longa da história, mostra (de acordo com seus dois últimos diretores – Vailant e Waldinger) que a importância de viver encontra-se nas relações afetivas. Ou seja, é preciso manter vínculos próximos.

Sendo assim, está comprovado que as pessoas mais felizes e mentalmente saudáveis são as que estreitam vínculos com suas famílias e amigos.

Waldinger também assinala o quão importante é a boa qualidade das relações, evitando aquelas que são conflituosas e apostando nas relações saudáveis. Não é mais feliz aquele que tem mais amigos, e sim aquele que possui relações de qualidade. Não é quantidade, e sim qualidade.

Por último, a capacidade de se colocar no lugar do outro, de ter empatia, compreendê-lo. Esta é uma forma de reduzir os conflitos e viver uma vida menos conturbada. Estes componentes tornam mais fácil obter conotações mais positivas das situações, extrair o trauma e trocá-lo pela nobreza que toda situação possui.

No entanto, devo reconhecer que existem situações nas quais é difícil ver o copo meio cheio, como a morte de um filho, problemas ou catástrofes devastadoras, genocídios, entre outros.

Você acredita que uma pessoa que não estabeleceu um vínculo de apego seguro pode ser resiliente? Se a resposta for sim, como isso aconteceria?

O apego, criado como conceito por J. Bowlby na década de 40, postula que, para sobreviver, os seres humanos precisam do contato de pelo menos uma pessoa primária com a qual possam não só se alimentar (já que o ser humano é uma espécie que não pode se alimentar sozinha), mas também ter a sensação de proteção e afeto seguro.

O apego não só pertence ao mundo das emoções, mas também é um conceito puramente interacional por si só. O apego seguro nos marca e fortalece por toda a vida.

De fato, pessoas inseguras, com problemas em relacionamentos ou, em muitos casos, que possuem ações marginais, não tiveram nos primeiros anos de vida esse respaldo de amor que é uma fonte de segurança e autoestima.

Apesar disso, é verdade que esse estilo interacional, que é biológico e emocional, não fica reduzido apenas aos primeiros anos, mas também pode ser aprendido e pode se sistematizar por toda a vida.

B. Cirulnyk, um dos autores que mais falou sobre a resiliência, fala dos tutores de resiliência, que são aqueles apoios afetivos, guias, motivadores que nos ajudam a superar situações difíceis.

Uma distinção importante é que as figuras de apego não são só pessoas (pais, mães, cônjuges, padrinhos, tias, amigos, etc.), mas podem ser filmes, frases, contos, livros, músicas, que geram nas pessoas um estímulo de superação.

Se a pessoa teve um apego seguro, pode ter fortalecido suas capacidades de superação; ou seja, se alimentou de recursos autênticos.

Este é o verdadeiro resultado do apego: fortalecer o protegido para que ele possa ser autônomo e enfrentar as dificuldades da vida, mas também ter a habilidade de ser salvo por pessoas em seu mundo adulto para que o ajudem ou apoiem na superação das situações conflituosas.

Ao mesmo tempo, que possa ter a força suficiente para poder se oferecer como figura de apego ou tutor de resiliência.

Como a autoestima influencia a capacidade de ser resiliente?

Autoestima e resiliência são conceitos que andam de mãos dadas. Uma pessoa que se valoriza se sente fortalecida e com recursos suficientes para enfrentar situações problemáticas. Entretanto, também sabe pedir ajuda e se cercar de pessoas positivas que trabalhem como guias.

Estas capacidades, das quais muitas vezes não somos conscientes, dependem, de certa forma, da nossa valorização pessoal.

Eu defino a autoestima como a autoconsciência de reconhecer tanto os meus recursos quanto as minhas fraquezas, já que me reconhecer vulnerável também me torna mais forte.

“A equação entre autoestima e resiliência é a forma de enfrentamento das situações traumáticas ou conflituosas”.
– Marcelo Ceberio –

A importância da autoestima

O que fazer para lidar com os sentimentos de desvalorização e insegurança?

A desvalorização e a insegurança são primas-irmãs. Uma pessoa desvalorizada é insegura. Sua própria insegurança a leva a se desvalorizar, e é assim que ela se perde em um ciclo sem fim.

Os patinhos feios e as Cinderelas, para tentar superar os sentimentos de insegurança e desvalorização, a princípio, devem deixar de fazer as coisas para que os outros os amem e valorizem. Isso porque a  autoestima é um processo que surge de dentro para fora, e não ao contrário.

As pessoas desvalorizadas buscam o recurso de fazer coisas para os demais com a expectativa secreta de obter reconhecimento, e não percebem que postergam seu próprio desejo privilegiando o desejo do outro – tudo para obter um abraço, um “eu te amo”, ou um “como você é fantástico!”

Tornam-se super-mães, mulheres-maravilha, ambulâncias, bombeiros, alunos perfeitos, vítimas, tudo para receber uma dose de autoestima nas interações que têm. Mas isso não dá resultado, pois alguém que tem a autoestima ferida é como um saco cheio de furos… por mais que você tente enchê-lo, ele sempre se esvazia.

É claro que todos gostam quando são elogiados e quando ouvem que são bons, inteligentes e bonitos, mas depender disso é quase patológico.

É preciso fazer uma introspecção, listar as virtudes e defeitos e entender que essa pessoa é você, com suas próprias vulnerabilidades e forças. Essa é a fórmula que nos autoafirma e nos valoriza.

Colocar a nós mesmos em primeiro lugar, dar autenticamente sem esperar reciprocidade, fazer coisas que nos deem prazer, pedir, nos aproximar de pessoas afetivamente sólidas que nos enriquecem, são ações de um mundo emocional que nos fortalece e aumenta a nossa felicidade.

Existem pessoas que têm a história de vida repleta de situações estressantes, traumáticas e com muito sofrimento, mas são resilientes. Por quê?

É difícil dizer um motivo único com respeito a este tipo de pessoas. Não deixa de ser uma incógnita.

Seres humanos que sobreviveram a guerras, campos de concentração, abusos familiares, fome, pobreza e qualquer outra situação que cause vulnerabilidade possuem uma capacidade natural de sobrevivência e, no entanto, outras com apenas um quarto dessas dificuldades sucumbem e são consumidas pelo contexto.

A resiliência é:

  • Um conjunto sinérgico de capacidades biológicas – neurotransmissores como a serotonina, dopamina, endorfinas, um hipocampo que possua como centro de aprendizagem informação disponível ad hoc, um bom desenvolvimento de neurônios-espelho que favorecem a empatia;
  • Inteligência emocional – assim como destaca Goleman sobre os cinco componentes da inteligência emocional: autoconsciência, autorregulação, motivação, empatia e habilidades sociais;
  • Elementos criativos (hemisfério direito) – para ver o lado positivo das situações, criatividade para inventar fugas de catástrofes, capacidade empática para criar vínculos saudáveis e nutritivos.

Uma pessoa resiliente tem uma atitude cognitiva que estrutura em sequência e em cascata os pensamentos positivos, os quais anulam os pensamentos automáticos negativos tão traumáticos e virulentos para as nossas emoções.

No processo evolutivo também há adultos resilientes que geraram um parâmetro identificatório que provocou um futuro resiliente.

Pais ou mães com vidas difíceis e que superaram situações dolorosas criam seus filhos com atitudes resilientes, estímulo e motivação para dar a eles recursos para enfrentar situações, além das mensagens e dos ensinamentos explícitos. Para mim, estas são as propriedades que eu observei nas pessoas resilientes.

Será que existe um tipo de personalidade resiliente?

Boa pergunta! Eu considero que há uma personalidade resiliente ou, pelo menos, uma tendência à resiliência, na qual certas pessoas espontaneamente têm uma capacidade de sobrevivência ou de conseguir se adaptar e sobreviver, como descrevi na pergunta anterior.

No entanto, a resiliência pode ser estimulada e criada. Na área da psicoterapia, criamos resilientes, ou seja, potencializamos os recursos de algumas pessoas para que elas possam desenvolver uma melhor capacidade de enfrentamento das situações.

Isso quer dizer que algumas pessoas já possuem os recursos necessários para conseguir resolver e superar catástrofes naturalmente, mas outras precisam fomentar, motivar ou criar tais ferramentas de sobrevivência à adversidade.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.