Os espaços poéticos de uma casa segundo Gastón Bachelard
Gastón Bachelard foi um daqueles intelectuais impossíveis de definir. Foi filósofo, poeta, epistemólogo, físico, professor literário de francês… Mas há algo que se destaca acima de tudo isso: seu pensamento poético.
Na verdade, um dos seus textos mais famosos é A Poética do Espaço. Esse livro chama uma atenção especial pela análise sensível que faz dos espaços de uma casa.
Realmente são muito poucos os grandes intelectuais que se dedicaram à tarefa de aprofundar o pensamento sobre os espaços de uma casa. Parece um tema para a arquitetura, ou talvez para a sociologia. Mas Gastón Bachelard transforma o assunto em uma reflexão poética maravilhosa. Ele define esse trabalho como uma topoanálise, que, em todo caso, estará repleta de uma sensibilidade extrema.
“Porque a casa é nosso espaço no mundo. É nosso universo primário. É, na verdade, um cosmos.”
-Gastón Bachelard-
Ao se referir aos espaços de uma casa, o próprio Gastón Bachelard diz: “Parece que a imagem da casa é a topografia do nosso ser mais íntimo”. É dessa forma que ele olha para o lar. O espaço externo como um reflexo do mundo interno.
O espaços de uma casa segundo Gastón Bachelard
Gastón Bachelard destaca que o principal valor que está presente em uma casa é o de proteção. Os espaços da casa são espaços vivos. Por isso, pouco têm a ver com a geometria ou com a arquitetura. Cada lugar e cada objeto tem memória e significado, dados pelas vivências que eles testemunharam. E as vivências do lar são as mesmas que as vivências do nosso espaço interno.
Para esse maravilhoso filósofo francês, quando aprendemos a habitar uma casa, aprendemos também a habitar o nosso interior. Os espaços da casa estão dentro de nós, assim como nós estamos neles. O escritor compara o lar com as imagens de um ninho, ou de uma concha. Com isso ele quer dizer que a casa é, simbolicamente, o lugar onde a vida se cria e também o lugar no qual ela encontra refúgio.
Desse modo, ele estabelece uma analogia entre a casa e o ventre materno. Na verdade, ele assume a casa até mesmo como uma extensão simbólica do papel da mãe. A casa é como uma mãe que nos acolhe, protegendo e contendo nossos medos. É também um cenário de sonhos e devaneios, de memórias e de lembranças.
A casa natal e a casa dos sonhos
Bachelard diz que há uma casa natal e uma casa dos sonhos. A casa natal é a nossa primeira casa. Aquela na qual passamos os nossos primeiros anos. Ela fica gravada para sempre em nosso espírito. Todas as outras casas que vamos habitar o longo da vida terão algo dessa morada primitiva. Não tanto de sua forma. mas de sua atmosfera.
Ao mesmo tempo, desde sempre construímos no nosso imaginário uma casa dos sonhos. Também habitamos os espaços dessa casa sonhada. A desenhamos em nossa mente e vamos viver nela em momentos de dificuldade. Essa morada não tem nenhum dos defeitos da nossa casal real. Pertence ao mundo onírico e permanece conosco como um ideal. Nunca renunciaremos a ela.
“A intimidade precisa de um ninho”, afirma Bachelard. Isso significa que assim como a vida requer um espaço físico para se basear, os sonhos também demandam seu próprio espaço imaginário, um lugar seguro para o qual poderão sempre voltar.
Os cantos, os objetos
Gastón Bachelard faz referência aos cantos da casa como espaços com maior significado. De um modo ou de outro, cada pessoa escolhe um pequeno espaço de sua casa para habitá-lo ao máximo. Quase sempre é o nosso quarto, mas pode ser também um outro quarto afastado, um lugar no jardim, um estúdio, etc.
É ali que estaremos presentes com mais frequência. Esses cantinhos falam muito sobre a forma como nos relacionamos, não apenas com os outros, mas principalmente com nós mesmos e com a vida.
Dentro das espaços da casa também há um conjunto de objetos que acabam sendo habitantes daquele determinado lugar. Bachelard dá um significado especial para os armários, para os cofres e as caixas. Simbolicamente, estes são os lugares secretos, o lugar onde estão guardados os tesouros. São uma metáfora também do que está cuidadosamente guardado em algum canto de nossa mente.Abrir um armário, um cofre ou uma caixa sempre produzirá algum grau de emoção. Também, de algum modo, sempre será uma viagem que vai do extremo externo até o íntimo. Vai do normal, do dia a dia, ao que tem uma conotação muitas vezes sagrada.
Os que as pessoas guardam nesses espaços permite fazer uma leitura da vida, especialmente os que ficam trancados e precisam de chaves para serem abertos. Todos os espaços da casa e todos os objetos que o compõem falam de seus habitantes. O que a sua casa diz sobre você?