Fuga dissociativa: a amnésia do distanciamento

Fuga dissociativa: a amnésia do distanciamento
Sara Clemente

Escrito e verificado por psicóloga e jornalista Sara Clemente.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Você já imaginou como seria perder toda ou boa parte das suas memórias? E se acrescentarmos a esta amnésia retrógrada o afastamento dos lugares que a pessoa costuma frequentar e o abandono da sua família e do seu trabalho? Todos esses aspectos compõem a sintomatologia conhecida como fuga dissociativa ou psicogênica.

Fuga deriva do latim fugare (‘fugir’). Portanto, esse tipo de perda de memória causa uma fuga tanto física quanto pessoal. A pessoa se afasta da sua vida e esquece o seu passado. A fuga dissociativa afeta as informações pessoais mais relevantes e autobiográficas. Quem sou eu? Para onde eu vou? O que eu pensei? Com quem eu vou? Como você pode ver, a sensação de desamparo pode ser muito grande.

É um tipo de amnésia dissociativa

A fuga dissociativa é uma forma de amnésia dissociativa. Ao contrário das amnésias neurológicas ou orgânicas, que são causadas por lesão ou deficiência metabólica cerebral, na amnésia dissociativa a pessoa é incapaz de se lembrar de um evento devido ao alto estresse causado pela situação. Isto é, a sua causa pode ser algum tipo de trauma psicológico.

Portanto, às vezes essa perda de memória surge como a única maneira de escapar de um sentimento de profunda angústia ou vergonha. Por isso, pode ser confundida com fingimento, já que, em última análise, ambos fazem a pessoa fugir das suas responsabilidades.

Mulher preocupada

Por exemplo, imagine o caso de uma pessoa que cometeu um erro muito sério no seu trabalho que pode causar a sua demissão imediata. E se ela inventar que sofre de amnésia e que não se lembra de ter feito nada de errado? Este seria um exemplo de fingimento cuja razão é não perder o emprego. No entanto, no caso da fuga dissociativa tudo começa de repente, e é muito difícil simular ou fingir.

Estado de fuga

Talvez uma das suas características mais peculiares, e ao mesmo tempo perigosa, seja literalmente “fugir”. A pessoa afetada faz viagens ou fugas inesperadas, longe dos lugares que costuma frequentar. Mas não por lazer ou diversão, porque não se lembra da sua procedência e nada lhe parece familiar.

O mais curioso é que essas fugas são realizadas sob um sentimento de total normalidade, pois não apresentam alterações cognitivas ou sintomas de qualquer transtorno mental. Assim, durante o episódio de fuga, as outras pessoas geralmente não percebem o que está acontecendo, porque a pessoa tem uma aparência normal e o seu comportamento não chama a atenção.

A única maneira pela qual manifestam essa perda de informações passadas é que ficam levemente confusas. Por isso, muitas vezes adotam uma nova identidade para não se sentirem tão desamparadas.

Duração da fuga dissociativa

Normalmente, esse tipo de amnésia dissociativa é temporária e dura entre horas e meses. No entanto, pode durar mais tempo, agravando as consequências pessoais da amnésia. Se esse período de tempo for curto, o episódio geralmente afeta a pessoa de forma parcial. Ela terá que justificar a sua ausência no trabalho ou dar uma explicação pelo seu desaparecimento repentino. Mas, no geral, seria apenas um susto.

Se por outro lado, durar uma semana ou mais, o deslocamento pode ser de milhares de quilômetros. A pessoa pode até começar uma nova vida, sem que esteja consciente disso, e encontrar outro emprego. Nesse caso, a angústia que ela sentirá quando acordar desse estado de perturbação mental será muito maior. Assim como o desespero dos seus parentes, amigos e todo o seu ambiente, devido ao seu desaparecimento repentino.

Homem andando por estrada deserta

Como mudar essa situação?

Na maioria das vezes, o paciente acaba recuperando completamente a memória, bem como a sua identidade. No entanto, para outras pessoas, o retorno à normalidade é mais lento, porque as lembranças vão aparecendo gradualmente. Existem até casos em que os afetados não recuperam a memória.

Além disso, após a recuperação, há momentos em que acontece uma ligeira perda de memória, referente apenas ao que aconteceu durante o período do voo dissociativo. Ela produz um “borrão” de memórias, mas somente durante esse tempo, o que impede os afetados de saberem o que fizeram.

Como se pode deduzir, a pessoa, consciente da sua condição, apresenta um sentimento de confusão, angústia, culpa e raiva. Tamanha é a gravidade que a pessoa pode ficar deprimida e acabar tentando o suicídio.

Portanto, a duração da fuga dissociativa determina, em parte, a sua gravidade. Ela pode oscilar entre uma simples perda de memória até um esquecimento irrecuperável do passado. Atualmente, esse transtorno mental não é considerado um transtorno por si só, mas sim um subtipo da amnésia psicogênica.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.