Hervey Cleckley, o pai da psicopatia

Talvez o nome Hervey Cleckley não seja muito familiar para você. No entanto, todos nós já ouvimos falar da psicopatia e, inclusive, fizemos um mau uso deste termo. Este psiquiatra norte-americano abriu as portas para os estudos que hoje definem e traçam os perfis psicopatas.
Hervey Cleckley, o pai da psicopatia
Isabel Monzonís Hinarejos

Escrito e verificado por a psicóloga Isabel Monzonís Hinarejos.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

O psiquiatra norte-americano Hervey Cleckley (1903-1984) foi um profissional brilhante capaz de observar com detalhe aspectos clínicos da psicopatia.

Seu principal livro, The Mask of Sanity, de 1941, descreve dezesseis psicopatas que passaram por seu consultório ou que estiveram internados nos centros nos quais ele exerceu a psiquiatria ao longo de sua carreira.

Você já se perguntou o que exatamente é a psicopatia? Como poderíamos defini-la? Este psiquiatra revolucionou os estudos em sua área e, especificamente, se aprofundou e adiantou os estudos em psicopatia. Apresentamos neste artigo os segredos de suas pesquisas.

Critérios básicos para detectar a psicopatia

A partir das observações realizadas em seus próprios pacientes, Hervey Cleckley propôs a hipótese de que os psicopatas sofrem de uma deficiência básica emocional e de um discernimento que os impede de viver a vida no mesmo nível que as outras pessoas.

Homem psicopata

Portanto, são pessoas que apresentam certas dificuldades em aceitar e se integrar às normas sociais, éticas, legais e morais de uma sociedade.

Além disso, Hervey Cleckley também reuniu os principais traços da psicopatia e os distribuiu em um total de dezesseis critérios básicos, classificados em três grupos:

  • Ajuste positivo: encanto superficial e alta inteligência, ausência de sinais de pensamento irracional, ausência de “nervosismo” ou de manifestações psiconeuróticas e probabilidade muito baixa de suicídio;
  • Desvio comportamental crônico: falta de arrependimento ou vergonha, falsidade e falta de sinceridade, egocentrismo patológico e incapacidade de amar, pobreza generalizada nas principais reações afetivas e falta de discernimento;
  • Déficits emocionais-interpessoais: falta de confiabilidade, comportamento “grotesco” com o consumo de álcool e, às vezes, sem ele; vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada; fracasso em seguir qualquer planejamento de vida; julgamento pobre e fracasso em aprender com a experiência, além de um comportamento antissocial inadequadamente motivado.

Como Hervey Cleckley entendeu a psicopatia?

Partindo das bases expostas anteriormente, Hervey Cleckley desenvolveu seus estudos sobre a psicopatia, ampliando o campo e definindo seus principais traços.

Ajuste positivo

Cleckley descreveu o psicopata como um indivíduo carismático, sincero e agradável durante a maior parte do tempo. Costuma, além disso, dar a impressão de ser uma pessoa com uma inteligência superior, com um raciocínio perfeito e altas habilidades.

Compreendem, entendem e discutem com muita lógica as normas sociais, além da relação ação-consequência de suas ações.

Além disso, este autor propôs que, em situações em que uma pessoa deveria sentir nervosismo, tensão ou estresse, os psicopatas permanecem calmos e sem sintomatologia ansiosa.

Por outro lado, na maioria dos casos que este autor estudou, a psicopatia era um fator protetor diante das ideias e tentativas de suicídio.

Ou seja, apesar da vida caótica e autodestrutiva que estes indivíduos apresentavam, as únicas tentativas de acabar com suas vidas não eram nada além de tentativas vazias e meras estratégias premeditadas para conseguir atenção e favores de suas famílias.

Desvio comportamental crônico

Devido a seus atos, muitas vezes prejudiciais para suas famílias e amigos íntimos e para si mesmos, estes pacientes respondiam mentindo, escondendo e culpando os outros sem nenhum remorso ou vergonha. Por essa razão, Cleckley chegou à conclusão de que a indiferença do psicopata pela verdade é notável.

Este fato, junto ao seu encanto superficial e seu alto poder de convicção e manipulação, torna difícil a tarefa de distinguir se a pessoa está sendo sincera. Mesmo tendo evidências claras do contrário, é complicado não duvidar de seus argumentos.

“Mesmo tendo claramente em mente o registro detalhado da história de Anna, foi difícil não chegar à conclusão de que todos os fatos bem contrastados desta história deveriam ser ignorados, já que foram contraditórios pelo óbvio caráter desta atraente mulher”. (The Mask of Sanity, P. 103)
– Hervey Cleckley-

Quanto à capacidade afetiva de seus pacientes, embora estes jurassem com total credibilidade professar um sentimento de amor pelos seus familiares, esposas ou filhos, seus atos costumavam afirmar o contrário.

Os sentimentos destes indivíduos pareciam ser meramente superficiais. Suas emoções, embora olhando por fora fossem totalmente convincentes, podiam ser motivadas por questões mais lógicas do que viscerais como, por exemplo, evitar um castigo ou conseguir algo.

Deste modo, por mais sacrifícios que as pessoas façam por eles, por mais evidências de amor ou apreço que demonstrem, os psicopatas não são capazes de responder com o mesmo grau ou intensidade.

O axioma humano de que um bom trabalho é retornado com outro só é válido para ele quando se trata de usar isso para alcançar algum objetivo.

Déficits emocionais-interpessoais

Finalmente, cabe ressaltar, dentro do âmbito afetivo, a promiscuidade que todos os últimos casos analisados na obra de Cleckley demonstraram. Reflete-se aqui uma atitude promíscua e uma multiplicidade de parceiros sexuais.

Em alguns casos, estas pessoas também apelam ao serviço de prostitutas e são infiéis com seus parceiros. Estes comportamentos se devem, segundo o autor, à falta de restrição e a impulsividade que os psicopatas apresentam.

Além disso, também é relevante a indiferença em relação a suas obrigações e às consequências de seus atos, a falta de culpa, remorso ou vergonha.

O modelo de psicopata descrito por Cleckley relata o uso e abuso de álcool, fracassa ao seguir qualquer plano de vida, já que não é capaz de manter nenhum esforço direcionado a alguma meta e, consequentemente, não é de confiança.

Além disso, o julgamento do psicopata é praticamente imodificável pela experiência, por isso ele não aprende com os seus erros e cometerá os mesmos atos constantemente. Este fato se acentua se, à falta de remorso e vergonha, somarmos a indiferença pelas consequências e a falta de discernimento.

Este problema de julgamento se revela quando seus atos e sua história de vida são observados. No entanto, em situações hipotéticas nas quais há um dilema moral, o julgamento do psicopata é incrível.

A delinquência dos pacientes de Hervey Cleckley

Como última característica, cabe destacar que os delitos dos psicopatas descritos na obra de Cleckley tendiam a ser menores.

O autor faz alusão a pequenos furtos, roubos de veículos, participação em brigas, escândalos públicos, cheques falsos, etc. Apenas três dos dezesseis casos relatados pelo autor se definem como plena e recorrentemente agressivos.

Apesar disso, a característica principal pela qual este critério se distingue é a falta de motivo nos comportamento antissociais. A maioria deles eram realizados sem um propósito específico ou com custos que superavam enormemente os benefícios dos mesmos.

Quanto aos delinquentes ou criminosos comuns, as diferenças entre eles e os psicopatas se baseiam, segundo o autor, na falta de discernimento e, além disso, na intenção dos atos.

Sendo assim, o criminoso comum reconhece que suas ações (delitos) são um meio para conseguir determinados fins. Normalmente estes propósitos são entendidos – não compartilhados – pelo público comum.

Isto não acontece no caso dos psicopatas. Eles não têm um objetivo específico nem um motivo compreensível para realizar estes tipos de atos.

Assim, podem roubar uma quantidade mínima de dinheiro, se arriscando a ser descobertos mesmo tendo um status financeiro consideravelmente alto. Adicionado a isso e vinculando estes acontecimentos com a falta de discernimento, Cleckley disse:

“(Outros criminosos) não parecem ter esta convicção estranha de que estão, ou deveriam estar, de alguma forma isentos das prisões feitas para controlar as pessoas que cometem os delitos pelos quais eles mesmos foram condenados.” (The Mask of Sanity, p. 172)
– Hervey Cleckley-

Homem enfrentando depressão

O legado de Hervey Cleckley

A descrição do perfil psicopático que foi realizada neste artigo se baseia em uma obra de referência e de leitura obrigatória no estudo da psicopatia.

No entanto, devemos entender e levar em consideração a época, o contexto e a escassa literatura científica que havia a respeito do tema quando Hervey Cleckley publicou The Mask of Sanity há mais de setenta anos.

Sendo assim, não se esqueça de que os avanços científicos e as pesquisas posteriores retocaram, aperfeiçoaram e ampliaram todas as propostas originais de Cleckley.

Mesmo assim, sua importante contribuição para a compreensão dessa construção continua tendo um valor incalculável.

Dessa forma, o nome de Hervey Cleckley sempre estará vinculado à psiquiatria e, mais concretamente, ao estudo da psicopatia.

Provavelmente, sem seus estudos e sua obra The Mask of Sanity, nunca teriam sido desenvolvidas muitas das pesquisas posteriores acerca desta questão. Assim, seu legado continua vigente mesmo que seja como referência, como a porta que se abriu às futuras pesquisas no campo da psicopatia.


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  • Cleckley, H. (1988). The mask of sanity: An attempt to clarify some issues about the so-called psychopathic personality (5º Ed.). Augusta, Georgia: E. S. Cleckley
  • Hervey M. Cleckley. (n.d.) Recuperado el 31 de Mayo, 2014, de la web Wikipedia http://en.wikipedia.org/wiki/Hervey_M._Cleckley
  • Patrick, C. J. (2006) Back to the future: Cleckley as a guide to the next generation of psychopathy research. In C. J. (Ed.), Handbook of psychopathy (pp. 605-617). New York, NY, US.: Guilford Press

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