O movimento de higiene mental de Dorothea Dix

O movimento de higiene mental de Dorothea Dix
Sara Clemente

Escrito e verificado por psicóloga e jornalista Sara Clemente.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Ainda que seu nome não seja muito conhecido, vale a pena descobrir alguns aspectos sobre essa importante mulher. Dorothea Dix (1802-1887) não teve uma infância que podemos chamar de feliz. Nasceu em uma família americana, criada por um pai com problemas de alcoolismo e uma mãe com graves transtornos psicológicos. Foi o seu difícil contexto de vida que a fez desenvolver uma grande sensibilidade em relação às pessoas mais desfavorecidas e com problemas de integração social, sendo a fundadora do movimento conhecido como higiene mental.

Aos 39 anos, ela foi voluntária em um presídio de mulheres com problemas de saúde mental, o que marcou o início dessa corrente de pensamento. Sua ideia principal era a generalização de um tratamento psicológico digno para todos os indivíduos, inclusive para as pessoas sem teto. As consequências dessa reflexão foram das mais diversas, e posteriormente foram essenciais para a implantação da conhecida terapia moral e para modificar as condições sanitárias dos centros nos quais viviam os doentes mentais.

Dorothea Dix

Os “loucos”: marginalizados da sociedade

No começo do século XVIII, as pessoas que mostravam sinais de transtornos psíquicos graves eram taxadas de “loucas”: carentes de qualquer tipo de razão ou juízo. Eles eram tratados como animais selvagens que deviam ser vacinados e enjaulados em um manicômio. Além disso, eram frequentemente objeto de bullying e desprezo. As condições em que essas pessoas vivam eram desumanas, assim como os tratamentos que recebiam para sua condição: inanição, isolamento, administração de diversas substâncias químicas e ações violentas.

Um dos fatores que contribuiu para mudar essa convicção foi o tratamento destinado a Jorge III. Conhecido como “o rei louco”, o monarca tinha porfiria: uma enfermidade que os médicos decidiram tratar com um método bastante curioso, a ingestão de grandes quantidades de leite de asno. Esse procedimento fez com que as pessoas desenvolvessem uma sensação de esperança, ainda que incipiente, acerca da possibilidade de realizar intervenções terapêuticas em pacientes com problemas mentais.

A terapia moral: tratamento humanizado e individualizado

Assim, pouco a pouco, foi se desenvolvendo uma abordagem psicossocial para os transtornos mentais. Foi durante a primeira metade do século XVIII, em um contexto de necessidade de reconhecimento dos direitos individuais, que surgiu a técnica conhecida como terapia moral.

Esse termo estava associado com o “emocional” e o “psicológico”, e muito estreitamente ligado com a existência e necessidade de cumprir um código de comportamento. Alguns dos seus princípios básicos foram o tratamento dos pacientes internados de forma natural e respeitosa, facilitando o contato e a interação interpessoal, assim como a atenção individualizada.

Isso rompia de maneira radical com a ideia até então dominante de isolamento e privação de liberdade. Pelo contrário, abraçava a humanidade, individualização e o cultivo cuidadoso das relações sociais. De fato, foi o surgimento da terapia moral na Europa e nos Estados Unidos que converteu as instituições psiquiátricas ou manicômios em lugares habitáveis e destinado à recuperação do paciente.

Decadência da terapia moral

Depois da primeira metade do século XIX, essa perspectiva terapêutica caiu devido a um grande aumento do número de pacientes que procuravam essas instituições. Esse aumento teve uma dupla causa. Por um lado, o aumento da chegada de imigrantes por causa da guerra civil americana. Por outro, o movimento de higiene mental de Dorothea Dix, cuja consequência imprevista e direta foi um crescimento descontrolado de ingressantes no sistema hospitalar.

Ao chegar à Inglaterra, Dorothea ficou doente do pulmão. Durante a evolução de sua doença, esteve em contato com diversos teóricos que a ajudaram a aprender teorias de atenção aos doentes. Entre elas estava a terapia moral, o contraste entre a vida em solidão e a vida em sociedade, a eliminação de restrições físicas aos pacientes e a terapia ocupacional destinada a eles.

Além disso, durante uma visita que realizou de forma voluntária a um presídio feminino, ela pode observar as condições deploráveis nas quais as reclusas viviam. Ela ficou tão impactada que decidiu se envolver ao máximo na questão. Desde então, ela visitou todo tipo de centros de prisão e correção com o objetivo de conhecer a fundo os abusos que as pessoas naquela situação sofriam e como ela poderia modificar isso. A partir daí, seu primeiro movimento de higiene mental tentou eliminar qualquer tipo de preconceito social, e apadrinhou a luta pela dignidade humana.

Mulher angustiada

A contribuição de Dorothea Dix para a reforma das instituições mentais

Ela conseguiu reunir provas suficientes para entrar com um apelo jurídico aos órgãos responsáveis em Massachusetts, e poder modificar essas terríveis condições de insalubridade e maus-tratos que os doentes mentais recebiam. Seu livro, ‘Observações sobre as prisões e a disciplina na prisão dos Estados Unidos’, publicado em 1845, contribuiu para o estabelecimentos de hospitais psiquiátricos em onze estados de seu país.

Dorothea Dix talvez não tenha sido uma das figuras femininas mais famosas da história. Mas, sem dúvida, ela contribuiu para a humanidade com sua incansável dedicação para dotar de um aspecto ético e moral as terapias psíquicas aplicadas aos doentes mentais.

Talvez sem seu trabalho o tratamento deplorável que era destinado a esses pacientes ainda continuasse existindo durante décadas. Desse modo, ela é conhecida, junto a outras pessoas que também apoiaram essa reforma institucional, como uma das responsáveis por uma nova era na intervenção e tratamento das pessoas com transtornos mentais.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.