'Insônia': um filme sobre os fantasmas que não nos deixam dormir

'Insônia': um filme sobre os fantasmas que não nos deixam dormir
Beatriz Caballero

Escrito e verificado por a psicóloga Beatriz Caballero.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Em 2002, Christopher Nolan dirigiu um thriller intitulado ‘Insônia’ que nos coloca diante de um estranho assassinato no Alasca. Will Dormer (Al Pacino) é um prestigiado policial de Los Angeles que viaja com seu parceiro Donovan para ajudar na investigação do crime brutal que levou à morte de uma adolescente.

Quando eles estão prestes a pegar o assassino, Donovan morre por acidente, e o assassino (Robin Williams) escapa depois de observar tudo o que aconteceu. Will não é capaz de aceitar o que aconteceu e tenta mudar os fatos, inclusive a evidência do crime. O assassino se sente identificado com Will e começa a entrar em contato com ele, chantageando-o. O grande detetive, atormentado pela morte de seu amigo e a culpa que sente, além das constantes ligações, começa a sofrer de insônia.

Quando uma enorme culpa se traduz em insônia

Al Pacino, interpretando Will Dormer, não é capaz de assimilar o acidente que causou e nega o que aconteceu perante os outros e a si mesmo, o que o impede de integrá-lo em sua própria identidade. Ele não quer ou pode se identificar com o evento e aceitar a culpa, embora sua consciência tenha registrado tudo o que aconteceu.

Quando um evento desse tipo é experimentado como algo traumático, é necessário desenvolver um relato realista que nos permita dar sentido ao que aconteceu. Nesse caso, a rejeição e a negação estavam diminuindo suas faculdades básicas, tanto físicas como mentais.

Al Pacino em 'Insônia'

A insônia que não deixa viver

Após o acidente, Will começa a gerar crenças internas como “a culpa não foi minha”. A evitação comportamental e mental do que realmente aconteceu o ajuda a perceber aspectos intoleráveis ​​de seu “eu”, dos outros e do mundo.

Al Pacino interpreta um exemplo claro de como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) pode se desenvolver. Will presenciou um evento extremamente traumático ao qual respondeu com medo, impotência e horror. Após o infortúnio, ele começou a re-experimentar esse momento através de sonhos, memórias intrusivas, flashbacks…

Will sabia que a única solução para resolver o caso era dizer a verdade e libertar-se da culpa, mas preferiu evitar essas memórias e pensamentos do evento e tentou mudar o que aconteceu mentindo. Para construir uma nova história sobre o acidente, começou a criar cognições distorcidas sobre a causa ou as conseqüências do evento traumático, tentando transferir a culpa para outra pessoa.

Para continuar com sua mentira e tornar sua culpa invisível , ele começou a se distanciar dos outros, e sua capacidade de experimentar emoções positivas foi desaparecendo. Uma jovem assistente percebeu a grande mudança de Al Pacino, especialmente a diminuição da capacidade de atenção e da concentração geral causada pela insônia.

Cenas do filme 'Insônia'

A divisão da personalidade diante do trauma

No trauma, a personalidade está extremamente dividida entre dois ou mais subsistemas psicobiológicos muito rígidos que causam problemas de adaptação. Os subsistemas de personalidade prototípica podem atingir diferentes graus de elaboração e autonomia e se tornar PANs e PEs:

  • Parte emocional da personalidade (PE): uma alta carga emocional das experiências traumáticas é revivida a nível sensório-motor. Esta parte dirige involuntariamente o foco de atenção para possíveis ameaças, que podem ser super dimensionadas devido ao passado traumático.
  • Parte Aparentemente Normal da Personalidade (PAN): uma parte que evita memórias traumáticas e se concentra nas funções da vida diária. Embora a pessoa pareça “normal”, a verdade é que tem sintomas negativos, como distanciamento, insenbilidade e amnésia parcial ou total da experiência traumática.

Essa divisão marcada entre as duas personalidades caracteriza os transtornos pós-traumáticos dissociativos simples, incluindo o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Esta separação entre PAN e PE evita a integração de memórias traumáticas e bloqueia a transformação do evento em memórias narrativas autobiográficas. Ou seja, a pessoa traumatizada precisa ser capaz de contar e dizer a verdade sobre o evento.

Nossa vida é o palco em que atuamos e o script muda o personagem de uma maneira ou de outra. Em suma, é um filme que reflete como uma experiência pode marcar um antes e depois, dependendo de como ela foi integrada à nossa própria história.


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