Lucrecia de León: a biografia de uma bruxa condenada pela Inquisição

A história de Lucrecia de León se desloca entre o passado histórico e o interesse que o oculto sempre despertou. Seus sonhos premonitórios contribuíram para que ela se relacionasse com a corte do rei e, paradoxalmente, também a levaram a um trágico fim. O que exatamente aconteceu com Lucrecia de León? Por que ela despertou tanto interesse e, mais tarde, foi rejeitada?
Lucrecia de León: a biografia de uma bruxa condenada pela Inquisição
Gema Sánchez Cuevas

Revisado e aprovado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Escrito por Sonia Budner

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Essa é a história de uma mulher que sonhava com histórias que aconteciam. Os sonhos proféticos e tudo o que se relaciona ao mundo onírico intrigam o ser humano desde a antiguidade. Mas na época de Lucrecia de León, esse dom, ou essa dádiva, fez com que ela fosse considerada bruxa.

Esse tipo de pessoas, embora tenham sido muito depreciadas, também despertaram o interesse de reis, governos, políticos e instituições de poder de todos os tipos. Magos, alquimistas e até cartomantes sempre fizeram parte de qualquer corte real de respeito.

A história de Lucrecia de León reflete três realidades: o mundo mágico dos sonhos proféticos, no qual ela sempre viveu, a manipulação política que sofreu e o trágico fim que a esperava.

Espiral do universo

Uma criança especial

Lucrecia de León nasceu em Madrid, em 1567, em uma família de origem plebeia. Sua educação foi baseada na religião e na preparação para o casamento. Mas um golpe do destino fez com que, graças ao trabalho de seu pai como letrado da corte, Lucrecia aprendesse a ler e escrever.

Desde criança, Lucrecia de León tinha sonhos proféticos, chegando a despertar a curiosidade das pessoas próximas do rei. No entanto, seus sonhos assustavam tanto o seu pai que ele chegou ao ponto de abandoná-la por isso.

Os sonhos como mensagens divinas

Na Espanha da época, tinha grande influência o acordo sobre os sonhos resultado do Concílio de Latrão, que concluiu que os sonhos proféticos eram mensagens que Deus enviava através de pessoas iluminadas.

A Igreja teve muito interesse em investigar esse tipo de pessoa e a interpretação de seus sonhos que, geralmente, eram utilizados como reforço de apoio ao monarca.

Felipe II foi conhecido por muitas coisas, mas seu gosto pelo ocultismo, pela magia, pelas relíquias, rituais e profecias talvez tenha sido seu lado mais obscuro.

O rei Felipe II da Espanha

A corte de Felipe II era, naquela época, um antro de intrigas e tensões. O rei tinha mandado para a prisão seu secretário pessoal, e também tinha ordenado envenenar e prender outros membros importantes de seu séquito.

Os escândalos por corrupção constantemente se tornavam públicos, e o povo castelhano sofria com as guerras e os delírios de grandeza de seu rei. Os grupos conspiracionistas estavam em todas as partes.

Os conspiradores

Houve personagens muito influentes que se relacionaram com os acontecimentos ocorridos na vida de Lucrecia. Um deles foi Miguel Piedrola, descendente dos últimos reis de Navarra e ex-soldado de infantaria que tinha formado um grupo importante de conspiradores contra o Rei.

Outro foi Alonso de Mendoza, irmão do vice-rei do México. Mendoza era um sacerdote vinculado à catedral de Toledo que aspirava ser bispo e pertencia ao grupo de conspiradores de Piedrola.

Além disso, Mendoza vivia obcecado com o mundo dos sonhos proféticos e gastava imensas quantidades de dinheiro em suas pesquisas. Ambos ficaram muito impressionados com os sonhos de Lucrecia e decidiram começar um registro diário dos mesmos, juntamente com suas interpretações políticas.

Os sonhos proféticos

Lucrecia previu com riqueza de detalhes uma invasão iminente da Espanha por franceses, ingleses, turcos e mouriscos, que acabariam com o reino, o rei e a dinastia dos Áustrias para sempre.

Ela previu que os únicos que sobreviveriam à invasão seriam aqueles que se refugiassem dentro das muralhas de Toledo ou nas cavernas de Ocaña.

Também previu a derrota da Invencível Armada, enviada por Felipe II contra a Inglaterra. Conta-se que Piedrola construiu cavernas nas imediações do rio Tejo que serviriam como uma espécie de bunker durante a invasão.

Quando a Invencível Armada foi derrotada, o próprio Mendoza ordenou ampliar as cavernas.

Os enigmas dos sonhos

A Inquisição contra a bruxa Lucrecia de León

Nesse momento, o rei incumbe a Inquisição de abrir um processo contra Lucrecia e os conspiradores. Como consequência, os registros de seus sonhos foram confiscados. Durante os interrogatórios, Lucrecia alegou que não era ela quem interpretava seus sonhos e negou que tivessem conteúdo político.

Ela defendeu sua versão até mesmo sob tortura. Apesar disso, foi condenada por fazer pacto com o diabo e, a partir desse momento, seu rastro se perdeu para sempre.

Lucrecia foi uma mulher que possuía um dom especial, conhecido e respeitado na Antiguidade Clássica, embora relegado à mitologia. Um dom que as pessoas daquela época temiam e desejavam na mesma medida.

Quando seu dom deixou de servir à máquina do poder, Lucrecia de León parou de ser vista como oráculo e passou a ser chamada de bruxa.

Assim, mais uma vez a história nos deixa um passado obscuro, que parece não ter desaparecido completamente. A Inquisição foi uma das instituições que mais tirou vidas, e sempre fazia isso com a proteção do poder.

Lucrecia de León conheceu a proteção do poder e, posteriormente, a rejeição por não ter mais “utilidade”. No entanto, ela se manteve fiel ao seu dom e à sua verdade, mesmo que isso tenha lhe custado sua vida.


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