Na Natureza Selvagem: em busca da verdadeira liberdade

Por que escolher viver como um mendigo quando você poderia ter tudo? Por que renunciar a todos os luxos e comodidades para viver como um selvagem? Talvez você queira, simplesmente, viver, no sentido mais estrito da palavra.
Na Natureza Selvagem: em busca da verdadeira liberdade
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Estar vivo, comer para não morrer, se sentir parte da natureza, esquecer as normas estabelecidas pela sociedade, ser livre. É isso que propõe o filme Na Natureza Selvagem, dirigido pelo ator Sean Penn e lançado em 2007.

O filme foi inspirado na obra homônima de Jon Krakeauer que, por sua vez, esconde uma história verídica: a de Christopher McCandless. McCandless foi um jovem da Virgínia, EUA, que pertencia a uma família de classe média alta. Ele teve uma infância acomodada vivendo com seus pais, mas por trás da aparência de família modelo, as discussões eram frequentes.

McCandless foi um jovem que se destacou em seus estudos desde uma idade precoce, se formou em Antropologia e História, e sempre mostrou uma grande atração pela leitura.

Alguns de seus autores favoritos eram Tolstói e Thoureau, autores que o inspiraram e levaram a tomar a decisão mais radical da sua vida. Cansado de viver em um mundo de aparências, de fazer sempre o que “deveria fazer”, de viver em um mundo absolutamente materialista e de ter que seguir as regras, decidiu deixar tudo, doar todo o seu dinheiro para a caridade e fazer uma viagem sozinho, sem nada mais do que uma mochila e uns poucos pertences.

McCandless queria experimentar o estado de liberdade absoluta, voltar para o estado animal que já não vemos nos homens, viver sendo parte da natureza. A rota não foi fácil, mas era ele que desenhava o seu próprio caminho.

Esta visão romântica da vida, da natureza e do nosso lado mais selvagem fez de McCandless uma espécie de herói legendário, uma figura que alimentou o folclore popular norte-americano do século XX. No entanto, depois da lenda, sempre existe uma provável verdade, um pouco mais sombria. Em sua legião de admiradores, apareceu uma vertente detratora que desmistificava este herói moderno e as suas façanhas.

Na Natureza Selvagem apresenta a visão mais adocicada deste personagem, como uma coletânea de lendas narradas pela sua irmã e pelo próprio McCandless. Vemos uma viagem por lugares inóspitos, por caminhos fascinantes, mas também caímos no lado mais tenebroso das grandes cidades.

“Fui aos bosques porque queria viver livremente; enfrentar sozinho os fatos da vida e ver se podia aprender o que ela tinha para ensinar. Quis viver profundamente e prescindir de tudo aquilo que não fosse vida… para não perceber, no momento de morrer, que não havia vivido”.
– Henry David Thoureau –

Christopher McCandless

Liberdade

Podemos ser livres em um mundo cheio de obrigações? Podemos falar de liberdade social, política, de expressão… de uma liberdade que, definitivamente, está limitada. Podemos falar de liberdade se existem limites?

A liberdade, em seu sentido mais estrito, não deveria estar submetida a nenhuma limitação; portanto, o conceito de liberdade que nós temos atualmente foi se formando, se adaptando. Quando nós pensamos em liberdade, pensamos em uma liberdade sujeita a algo, como a liberdade social, cujos limites vêm dados pelas leis e a moral.

McCandless sentia que nunca havia sido livre, que tudo que havia feito em sua vida foi o que era esperado dele. A sociedade nos prende, nos obriga a seguir normas: estudar, trabalhar, comprar uma casa com o dinheiro ganho trabalhando, etc. Tudo está vinculado ao que é material.

O diploma universitário, mais do que uma aventura rumo ao aprendizado, é, em alguns casos, considerado um símbolo de status, de poder, de “ser alguém”. Por sua vez, esse título nos permite conseguir um trabalho, cujo objetivo é obter dinheiro para comprar as coisas materiais que “nos farão felizes”.

McCandless gostava de aprender, gostava de estudar, mas não via isso como uma meta; o diploma pouco lhe importava. No entanto, sua família celebrava tudo isso como uma grande conquista, como algo que todo “bom filho” tem que desejar. No entanto, para McCandless, não era mais do que um vínculo, um impedimento para a sua busca pela liberdade.

Este rapaz decidiu colocar em prática a sua própria utopia, renunciar a tudo para ser livre. Ele não se importava de enfrentar condições extremas, dormir na rua ou caçar para poder se alimentar. Queria ser como os animais selvagens que vivem de acordo com a natureza (e as próprias normas dela). Queria experimentar, definitivamente, a liberdade máxima.

Christopher lendo um livro

Na Natureza Selvagem, a mitificação

Como se fosse a viagem do herói, Na Natureza Selvagem nos mostra o caminho, a evolução do personagem e a busca pela liberdade. As pessoas que conheceram a viagem de McCandless foram alimentando a lenda e, pouco a pouco, ele se transformou em um mito; algo que, em nosso tempo, parece muito complicado, porque as novas tecnologias se apoderaram das nossas vidas, fazendo com que a oralidade e as lendas fossem uma coisa do passado.

Os heróis, geralmente, sentem um primeiro chamado para empreender a viagem, vão realizando façanhas e, em algum momento, as adversidades serão tão duras que farão com que o herói cogite abandonar tudo. Posteriormente, acontecerá algo (sobrenatural ou não) que irá levá-lo a recuperar a fé e continuar a viagem.

McCandless se transformou em uma espécie de herói moderno com a sua viagem, uma figura digna de ser mitificada. Com certeza, muitas de suas façanhas foram exageradas, distorcidas e, inclusive, desmoralizadas.

Tudo isso fez com que McCandless se transformasse em um mito; todo mundo já ouviu falar dele, e quando ele foi encontrado morto, sua história foi fortalecida. Sua morte contribuiu enormemente para a criação do mito.

Christopher caminhando em estrada

A luta pelos ideais

McCandless se transformou em uma utopia, em uma personificação da luta pelos ideais. Na Natureza Selvagem nos traz uma esperança, a natureza em um estado puro, a superação das adversidades e, especialmente, uma pausa. Uma pausa em nossa rotina, nossa vida monótona na qual você é aquilo que tem, na qual impera o materialismo e esquecemos que todos nós somos seres mortais.

McCandless soube captar esta essência, viver por viver, nada mais; aproveitar o que a natureza dá, apesar dela se tornar obscura e dura. No filme, a cidade é apresentada como o locus terribilis, o lugar ao qual ele não pertence, o lugar onde aqueles que não querem seguir as normas são expulsos e condenados a viver na mais absoluta miséria.

Cena do filme 'Na Natureza Selvagem'

A natureza, pelo contrário, é o locus amoenus, o lugar idílico, onde o homem renunciou ao materialismo e não precisa de nada mais.

Na cidade, McCandless vai a um albergue em busca do conforto de uma cama que ele acaba rejeitando, e apesar das duras condições climáticas oferecidas pela natureza mais selvagem, qualquer coisa é melhor do que viver no lado mais escuro da cidade. Porque ali não existe lugar para pessoas como ele, não existe lugar para a sua utopia, e tudo se compra com o dinheiro.

Com certeza, a versão proposta pelo filme Na Natureza Selvagem é adocicada e pensada para continuar alimentando a figura do herói, mas ela alcança o seu objetivo. Consegue fazer com que nós acordemos um pouco desse mundo irreal do qual somos escravos, consegue que desejemos sair da rotina, da zona de conforto e que, na medida do possível, busquemos a liberdade.

“A liberdade e a beleza simples são boas demais para deixá-las passar”.
– Na Natureza Selvagem –


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