Narcisismo digital: a busca incessante pelo próprio eu

Há pessoas que se tornam dependentes das curtidas e comentários em suas postagens e que acabam criando um personagem fictício que não corresponde à sua realidade. Estamos falando sobre o narcisismo digital.
Narcisismo digital: a busca incessante pelo próprio eu
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

As redes sociais são como um palco, espaços nos quais cada um de nós sai para interpretar o seu melhor papel – ou pelo menos aquele que nos interessa em determinados momentos. Às vezes nos mostramos engraçados; outras vezes sérios e pensativos; talvez também como amantes da arte e dos pequenos detalhes; ou então simplesmente tão ousados a ponto de compartilhar certas nuances de nossa intimidade. A era digital é assim: uma rede de espetáculos sociais nos quais o próprio eu é o principal protagonista.

Vivemos uma época na qual o egocentrismo tem grande força, sobretudo nas mídias digitais. Prova disso são milhares e milhares de selfies, postagens de viagens, refeições ou compras de todo tipo em que somos as estrelas em troca de likes, seguidores e comentários.

Trata-se da magia da interação: essa pequena injeção de ânimo que proporciona um certo bem-estar, ainda que seja apenas durante poucos segundos. De fato, se o personagem da mitologia grega Narciso estivesse vivo, as suas redes sociais certamente estariam inundadas de selfies para mostrar a sua beleza e perfeição.

Assim, como podemos ver, as tecnologias da informação nos influenciam tanto em nível social quanto individual e uma das consequências é a proliferação do narcisismo digital. Vamos nos aprofundar no assunto.

“Quem não cuida de si mesmo, merecidamente é como se estivesse morto para os outros.”

-Públio Siro-

Pessoa com redes sociais

Redes sociais: espaço de máscaras

Todos nós gostamos de receber elogios em maior ou menor grau. Ouvir o quanto somos bonitos, como ficamos bem com o que estamos vestindo ou simplesmente receber um comentário positivo sobre algo que fizemos geralmente é algo bem recebido.

De fato, não há nenhum problema nisso; trata-se de algo normal que, na verdade, pode nos ajudar a nos sentirmos melhor ou a melhorar certos aspectos de nós mesmos. O problema ocorre quando nos tornamos dependentes desse tipo de comportamento. Ou seja, quando as nossas ações nas redes sociais têm como objetivo final obter esses feedbacks e comentários positivos. E é assim que acabamos nos tornando escravos.

Publicamos, publicamos e publicamos… o que quer que seja, a qualquer instante e até mesmo momentos mais íntimos para fazer parte da sociedade do espetáculo, aquela em que muitos mantêm a crença inconsciente de que só existem se puderem ser vistos e reconhecidos.

De fato, a prática de tornar externo o que é íntimo é conhecida como extimidade, um conceito utilizado pelo psiquiatra e psicanalista Lacan para se referir ao que leva cada pessoa a mostrar uma parte de sua vida íntima, tanto física quanto mental.

Além disso, também acontece que, com o passar do tempo, a espontaneidade é deixada de lado e tudo é planejado para receber os próximos aplausos. Aquele de que tanto precisamos, aquele que a curto prazo nos proporciona uma intensa satisfação passageira e que nos mantém presos ao botão de atualização para saber quantas curtidas acumulamos.

O que acontece no final das contas? Na maioria das vezes, a naturalidade morre no universo digital por causa de um narcisismo exacerbado, em que prevalece a busca por atenção, a aparência física, a falta de empatia e a má aceitação das críticas.

“Não desejes exibir a ti mesmo! O sábio que conhece Sua Essência Superior, não se entrega ao narcisismo e não se levanta sobre os demais.”

-Tao Te Ching-

A invisibilidade do outro, fonte de narcisismo

Pois bem, quais são as consequências desse narcisismo digital? Além de um egocentrismo extremo que beira o patológico e uma visão idealizada de si mesmo, também são características uma autoestima instável, uma grande sensação de insegurança e o desaparecimento do outro.

Por trás desse personagem que foi construído e que é mostrado nas publicações, há uma pessoa que tem medo de não ser admirada, de não ser elogiada, pois tem medo da solidão e de ser invisível. E, nesse medo de desaparecer inconscientemente, quem também se torna invisível são os outros, pois, no final das contas, a relação com eles se torna instrumental.

Isso ocorre porque, apesar da disponibilidade imediata no mundo online, o contato com o outro é superficial; há apenas um objetivo: aumentar o próprio ego. Portanto, não há um vínculo verdadeiro. Simplesmente são feitas ações para combater esses medos em troca de uma falsa sensação de estar conectado, ainda que se esteja sozinho durante a maior parte do tempo.

Assim, o que o narcisismo digital estimula é a aparência e a grandeza, ou seja, construir para fora, ao invés de olhar para dentro, o que acaba alimentando um sentimento de vazio existencial.

Além disso, geralmente há uma estreita relação com o auto-engano e, dessa forma, o narcisista digital vive pensando que é exatamente o contrário. Ou seja, que ele é maduro, flexível, responsável e tem uma autoestima estável.

Você não acha estranho quando alguém tem fotos de si mesmo em todo o lugar? É como se eles estivessem tentando provar que eles existem.”

-Candace Bushnell-

Mulher com venda

Desconectar para conectar

Livrar-se do narcisismo digital não é fácil; é preciso tempo para refletir e aceitar que fazemos parte desse espetáculo de máscaras em que obter likes e comentários se tornou uma necessidade.

Assim, o primeiro passo é reconhecer qual é o objetivo das publicações: o que se espera delas e o que elas proporcionam. E não só isso, também é preciso aceitar que a imagem projetada não é 100% real, ou seja, que há muito mais acontecimentos na vida do que aqueles que são projetados externamente e até mesmo que alguns deles são totalmente falsificados, isto é, foram criados para serem mostrados, mas não porque realmente existiram.

Na maioria das situações, isso geralmente leva à decepção e frustração, uma vez que o choque entre as expectativas e a realidade costuma ser bastante grande, assim como à percepção de que momentos de verdadeiro prazer, de existência real, foram perdidos por causa de um personagem e uma vida fictícia.

Portanto, uma das chaves está em aprender a se desconectar do universo digital para se conectar na vida real; para abrir espaço para a possibilidade de vínculos seguros em que o outro deixe de ser um instrumento para a obtenção de prazer e satisfação imediata e sejam construídos relacionamentos verdadeiros; e para fortalecer a autoestima a partir da autoaceitação e da autoconfiança.

No entanto, isso não significa que as redes sociais não devem ser usadas ou que não podemos publicar o que fazemos, mas sim que deve haver um uso responsável delas, para não nos tornarmos escravos da aparência e do universo digital. Afinal, não há nada melhor do que nos mostrarmos exatamente da forma que somos.


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  • Miller, Jacques-Alain. “Extimidad”. Ed. Paidós; BsAs, 1a. ed. 2010.
  • Rosenfeld H. On the psychopathology of narcissism: A clinical approach. Int J Psychoanal. 1964;45:332-7.

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