O caso Aimée e a paranoia da autopunição
O caso Aimée é um dos mais famosos na história da psiquiatria e da psicanálise. Isso ocorreu por duas razões principais. A primeira, o fato de este caso ter sido a base da tese de Jacques Lacan. A segunda, por ter representado uma enorme mudança no que se sabia até então sobre a “psicose paranoica”.
Jacques Lacan é, talvez, o representante com mais destaque da psicanálise, depois de Sigmund Freud. Seus postulados representaram um avanço definitivo para a psicanálise clássica. O caso Aimée foi o que começou a catapultá-lo como um novo e lúcido pensador nesse campo.
O caso Aimée também causou polêmica pelas condições particulares em que o tratamento foi conduzido e apresentado à comunidade científica. Também pelas consequências que chegou a ter com o tempo nos descendentes dessa famosa paciente. Falamos, sem dúvida, de um capítulo fascinante na história das ciências da saúde mental.
…”o que foi rejeitado no simbólico reaparece no real”.
-Jacques Lacan-
Marguerite Pantaine, a Aimée de Lacan
Marguerite Pantaine entrou para a história com o nome de Aimée. Este era o nome de um dos personagens de um romance que ela escreveu. Foi também o nome com o qual Lacan a batizou em sua tese. Ela era uma mulher nascida em uma família camponesa católica da França, que, aparentemente, começou a apresentar ideias persecutórias aos 28 anos.
Aconteceu durante sua primeira gravidez . Pensava que queriam machucá-la e, por isso, desenvolveu um comportamento violento. Sua primeira filha nasceu morta e ela se convenceu de que uma amiga dela havia sido a culpada. Logo melhorou, mas durante sua segunda gravidez as ideias persecutórias voltaram. Por isso, não permitiu que ninguém mais cuidasse de seu filho, Didier, durante seus primeiros cinco meses de vida.
Suas ideias persecutórias cresceram e ela foi internada em um hospital psiquiátrico pela primeira vez. Ao receber alta, foi morar sozinha em Paris. Teve a ideia de que uma atriz chamada Huguette Duflos era quem queria machucar seu filho. Ela escrevia cartas para o príncipe de Gales comentando sobre suas suspeitas. Finalmente, em abril de 1931, Marguerite atacou a atriz com uma faca. Isso a levou para a cadeia.
O caso Aimée
Devido ao seu estado mental, Marguerite foi enviada para o hospital psiquiátrico de Santa Ana, onde foi tratada por Jacques Lacan por um ano e meio. Desde que foi presa, seus sintomas desapareceram. Isso levou Lacan a concluir algo sobre a “paranoia da autopunição”. Em outras palavras, o fato de ser punida foi o que restaurou sua sanidade. Ela sustentava uma culpa inconsciente e, depois de receber a sentença de prisão, o delírio não era mais necessário.
Sem entrar nos detalhes psicanalíticos do caso Aimée, a verdade é que ele teve um desenvolvimento e um resultado muito particulares. Jacques Lacan ficou fascinado com ela e sua situação. De fato, o nome Aimée significa “amada” e é curioso que Lacan a tenha chamado assim. Não é que ele tenha mantido uma relação amorosa com ela, mas encontrou em sua condição muitas chaves para desenvolver sua teoria em relação à psicose.
Marguerite escrevia romances que ninguém publicava. Em seu tratamento, entregou-os a Lacan, que nunca os devolveu. Paradoxalmente, ela se tornou famosa graças aos textos de Lacan. Antes de iniciar o tratamento, Marguerite afirmava que havia pessoas interessadas em roubar suas palavras.
Ela acusou o escritor Pierre Binot de ter roubado suas ideias para fazer seus textos. Finalmente, algo assim foi o que aconteceu durante sua experiência com Lacan.
Um resultado inesperado
De acordo com Jacques Lacan, Marguerite foi curada simplesmente por ser severamente punida por sua tentativa de assassinato. Sabe-se que alguns de seus delírios reapareceram mais tarde, mas também que não complicaram sua vida nem a levaram a uma nova hospitalização, por isso a tese básica lacaniana foi considerada correta.
O surpreendente de toda essa história é que o filho de Marguerite, Didier, decidiu se tornar psicanalista. Em sua autobiografia, observa que uma profunda solidão e a problemática de sua mãe o haviam dirigido por esse caminho. Sem saber, Didier foi ao consultório de Lacan como paciente. Não sabia que o caso Aimée se referia a sua mãe.
Didier tentou recuperar os romances de sua mãe, mas era impossível. Ele mesmo se tornou um escritor. Um belo resultado. O filho de uma mãe delirante tornou-se psicanalista. N unca pôde saber o que sua mãe havia escrito, mas acabou fazendo da caneta sua profissão.
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Muñoz, P. D. (2003). La categoría clínica “paranoia de autocastigo”: una aproximación al estudio de su vigencia en la actualidad. Investig. psicol, 8(3), 109-121.