O roubo da infância

O roubo da infância
Gema Sánchez Cuevas

Revisado e aprovado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

Durante a infância, a identidade pessoal começa a ser construída e a maioria dos traumas emocionais é gerada. Qualquer negligência por parte dos responsáveis ou qualquer situação que provoque um certo desequilíbrio no ambiente vai causar graves problemas aos pequenos. Um deles é chamado de roubo da infância.

O roubo da infância pode ocorrer de várias maneiras, mas existem duas manifestações que devemos conhecer. A primeira é aquela sensação de que não existiu uma infância. É como se essa fase não tivesse sido experimentada, como se tivesse sido suprimida. A segunda, no entanto, faz referência a um vazio interior, algo que falta, mas que não se sabe como explicar.

“Se os pais não trabalharem as feridas de suas infâncias, seus filhos viverão essa mesma infância dolorosa”.
– Anônimo –

O roubo da infância pela família

O roubo da infância pode acontecer por parte dos membros da família. Costuma acontecer por parte dos cuidadores ou familiares mais próximos, como irmãos, tios, avós…. Os atos que realizam afetam os menores, apesar da crença de que no futuro eles não se lembrarão do que aconteceu. Vejamos alguns depoimentos de pessoas reais.

Natalia tinha apenas 5 anos quando seu pai lhe disse que ninguém a amava e que a prostituição iria ser seu futuro. Tanto seu pai quanto seu tio e o namorado de sua mãe abusaram sexualmente dela até que, aos 11 anos, ela disse a uma amiga que achava que estava grávida. Assim começou todo um processo no qual os outros foram compreendendo tudo que havia acontecido com ela.

O roubo da infância

A psicóloga que acompanhou a Natalia afirmou: “Ela é a pessoa que mais vi sofrer as consequências de abusos, e trabalho com isso há muitos anos. Ela se bloqueava, ficava sem palavras, ia embora. Não falava e nem se mexia”. Embora hoje Natalia tenha uma vida normal em casal, inclusive filhos, ela se desestabiliza se perguntam sobre seu passado. Um passado que ainda dói. O roubo da infância protagonizado por seu pai, tio e pelo namorado de sua mãe.

“Ela já não diferenciava mais carinho e contato sexual. Tinha um comportamento muito sexualizado”.
– Psicóloga da Natalia –

Outro caso é o de Patricia, que viveu uma experiência na qual, após anos de maus-tratos da mãe por parte do pai, houve a separação. Contudo, a guarda dela e de seu irmão pequeno foi dada ao pai. Ela tinha apenas seis anos e seu irmão, quatro. Nas suas próprias palavras, diz:

Uma vez, ele ameaçou bater o carro com a gente dentro. Ele dizia a todo o momento que ia nos levar para um abrigo. Até me ligava pelo telefone e me dizia: ‘arrume as malas que estão indo buscar você, porque é para lá que levam as crianças que ninguém quer’”.

Consequências na idade adulta

Os casos acima são exemplo de roubos da infância, mas também existem outras formas de prejudicar um filho ou uma filha em uma idade muito jovem: exercendo a manipulação e os maus-tratos, além da negligência emocional ou do abandono. Todas essas situações provocam uma ruptura no equilíbrio que deveria predominar e geram graves consequências na idade adulta.

Quando uma pessoa afirma que não teve uma infância e que mal se lembra das coisas de quando era pequena, normalmente não tem uma base sólida para desenvolver sua identidade. Um alicerce instável que às vezes se torna inexistente. Inclusive, apesar de se destacar na vida de alguma maneira, sempre levará consigo esses momentos para os quais não desejará olhar…. Todos aqueles relacionados a emoções, autoconhecimento e relacionamentos com os outros.

Menina diante do mar

O roubo da infância provoca também o desenvolvimento de uma certa dependência emocional, principalmente nas pessoas que sofreram abandono por parte dos pais. Outras desenvolvem um medo terrível do sexo ou, como aconteceu com Natalia, não são capazes de diferenciar carinho e contato sexual.

Algumas das atitudes apresentadas por adultos que sofreram um roubo da infância podem ser a repressão das emoções, a incapacidade de mencionar as pessoas que lhes fizeram mal ou a negação do que aconteceu, entre outras.

Para curar essas feridas emocionais, é preciso um trabalho de anos e, na maioria dos casos, com um especialista. Recompor os pedaços de uma infância quebrada, pisoteada e maltratada requer um esforço descomunal.

“Todo mundo tem um par de feridas dolorosas enterradas no coração. Elas são até capazes de seguir em frente e, com o tempo, se tornam insensíveis à dor”.
– Kim Bok Joo

O roubo da infância de qualquer criança é algo muito grave. Os responsáveis são os adultos que acreditam que os filhos não entendem nada, que se acham no poder de fazer o que quiser ou que consideram os pequenos meros objetos para brincar. Não se dão conta de que o verdadeiro mal que provocam recai no âmbito emocional. Uma ferida que perdura durante anos e que, quando vem à tona, surpreende a todos. Uma dor que é preciso, portanto, curar e perdoar para poder seguir em frente.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.