O vício deveria se chamar apego?

O vício pode ser traduzido como um vínculo que é, por sua vez, uma maneira de se relacionar com o mundo, um objeto, uma conduta ou uma substância. Por isso dizemos que o que sabemos sobre o vício é “falso” e que, em partes, poderíamos passar a chamá-lo de apego.
O vício deveria se chamar apego?
Fátima Servián Franco

Escrito e verificado por a psicóloga Fátima Servián Franco.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Faz cem anos que as drogas foram proibidas pela primeira vez. Em todo esse século de guerra contra as drogas, nossos professores e governantes nos contaram uma história sobre o vício. Essa história está tão enraizada na nossa mente que já a consideramos um fato. Parece algo óbvio, manifestadamente certo.

No entanto, a Sociedade Americana de Química invadiu esse panorama mudando as regras do jogo ao afirmar que o vício em drogas, álcool ou qualquer outro hábito destrutivo não é o resultado de um “defeito pessoal”, mas uma consequência natural da química cerebral.

Vários experimentos mostraram, em muitas situações, que na verdade o que provoca o vício é a necessidade de dopamina, um químico responsável pelo ‘nível de felicidade’ da pessoa (Newcombe, 2016).

As drogas são processadas por uma parte do cérebro chamada área tegmental ventral, comumente conhecida como o centro de recompensa. É exatamente nesse local que o cérebro processa tudo o que faz com que uma pessoa se sinta bem.

Além disso, é onde se produz a dopamina, o neurotransmissor que proporciona a sensação de prazer, segundo o jornal ‘The Washington Post’.

Um viciado em cocaína, por exemplo, se vicia nessa substância porque não conseguiu se vincular a outra coisa até esse momento. Portanto, o oposto do vício não é a sobriedade, é a conexão humana.

“O vício talvez seja uma doença do espírito”.
-Osamu Dazai-

Fórmula da dopamina

A questão reside em saber por que fazemos o que fazemos

As substâncias, por si só, não nos proporcionam uma sensação boa. Isso ocorre devido aos sinais recebidos pelo nosso cérebro e o resto do corpo de que devemos prestar atenção à ação que estamos realizando (usando drogas ou abraçando um familiar) e associá-la com os bons sentimentos despertados.

Algumas drogas podem elevar os níveis de dopamina até dez vezes mais do que o normal.

Dessa forma, o cérebro se adapta à sobrecarga de dopamina por meio da redução de seu número de receptores da substância química, o que significa que um viciado pode acabar precisando de cada vez mais estimulantes para manter o mesmo nível da primeira vez que consumiu a substância.

Por outro lado, o escritor britânico Johann Hari compilou uma série de evidências de que as pessoas que “vivem em um ambiente feliz”, ou seja, quando o cérebro produz quantidades de dopamina suficientes na vida diária, não são tão propensas a desenvolver um vício em drogas (Swanson, 2015).

 “O vício não negocia, e pouco a pouco foi se alastrando dentro de mim como a névoa.”
-Eric Clapton-

O oposto do vício não é a sobriedade, é a conexão humana

Hari cita o professor de psicologia de uma universidade que tem sede em Vancouver, Bruce Alexander, que defende que “o vício é uma adaptação” ao meio correspondente e é semelhante a uma “jaula” (Alexander, 2010).

Em um de seus experimentos, ele descobriu um fato estranho. Os ratos consumiam água com cocaína até a morte sempre que estavam sozinhos nas gaiolas e não tinham outra coisa para fazer além de consumir a droga.

O que aconteceria, ele se perguntava, se tentássemos realizar o experimento de outra maneira? Então, o professor construiu um parque para os ratos (Rat Park). Era uma gaiola de diversão, na qual os ratos tinham bolas coloridas, a melhor comida para ratos, túneis para andar e muitos amigos. Tudo que um rato poderia querer.

No parque dos ratos, todos eles experimentaram dois frascos de água, porque não sabiam o que continham. Mas o que aconteceu foi surpreendente. Os ratos que tinham uma vida boa não gostaram da água com drogas.

Em geral, evitavam bebê-la e consumiam menos de um quarto das drogas que os ratos isolados ingeriam. Nenhum deles morreu. Enquanto isso, os ratos que estavam sozinhos e infelizes se tornaram viciados. Isso não ocorreu com nenhum dos ratos que viviam em um ambiente feliz.

A princípio, os cientistas pensaram que esta era apenas uma particularidade dos ratos, até que descobriram que, ao mesmo tempo, estava ocorrendo um experimento equivalente com humanos. Seu nome era a Guerra do Vietnã.

A revista Time informou que o consumo de heroína era “tão comum quanto mascar chiclete” entre os soldados norte-americanos. Há evidências claras que respaldam essa afirmação: 20% dos soldados desenvolveram um vício em heroína durante a guerra, segundo um estudo publicado nos Arquivos de Psiquiatria Geral.

Homem viciado

No entanto, 95% dos soldados que se viciaram – de acordo com o mesmo estudo – largaram as drogas. Pouquíssimos se submeteram à reabilitação. Eles passaram de uma gaiola terrível para um lugar agradável e, por isso, não queriam mais as drogas.

O professor Alexander defende que essa descoberta é um enorme desafio tato para a visão clássica, que sustenta que o vício é um fracasso moral devido aos excessos hedonistas, quanto para a visão liberal, que o vê como uma doença que ocorre em um cérebro quimicamente sequestrado.

De fato, ele defende que o vício é uma adaptação. Não é você o problema. É a sua gaiola.


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  • Alexander, B. (2010). The globalization of addiction: A study in poverty of the spirit. Oxford University Press.
  • Newcombe, R. (2016). Chasing the Scream: The First and Last Days of the War on Drugs. Drugs and Alcohol Today16(3), 229.

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