Por que alguns comediantes ficam deprimidos?

Por que as pessoas aparentemente alegres, como os comediantes, ficam deprimidas? Neste artigo queremos entender estas realidades nas quais o humor aparente não é suficiente para proteger a saúde mental...
Por que alguns comediantes ficam deprimidos?
Sergio De Dios González

Revisado e aprovado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 18 maio, 2023

Dizem que uma pessoa com depressão vive duas vidas ao mesmo tempo: ” aquela que todo mundo vê e aquela que só ele vê”, explica Kevin Breel em uma palestra TED. Muitos de nós temos dificuldade em entender que uma pessoa alegre e divertida, como todos pensamos que um comediante deve ser, seja capaz de perder a vontade de viver. Por isso, neste artigo vamos explorar justamente esta questão: por que alguns comediantes ficam deprimidos?

A depressão tem origem biológica e orgânica, por isso deve ser tratada como qualquer outra lesão do nosso corpo. “Estar deprimido não é apenas estar triste. A verdadeira depressão é estar triste quando tudo está indo bem em sua vida “, reflete Kevin Breel.

Homem triste
O uso do humor como via de fuga do sofrimento pode gerar depressão a longo prazo.

Síndrome do palhaço triste

Essa dualidade de que fala o comediante canadense aparece dentro de qualquer pessoa com depressão. Além disso, no caso de um comediante pode se tornar uma verdadeira tortura.

Segundo Álvaro Montoya, psiquiatra do Imbanaco Medical Center, é porque “ele é mais sensível e, portanto, consegue se colocar no lugar dos outros com mais facilidade”. A ideia, basicamente, é que os humoristas seriam mais permeáveis ao sofrimento.

No entanto, o poder e a situação econômica de uma pessoa bem-sucedida podem se tornar um obstáculo para a adesão a um tratamento eficaz. Além da dificuldade acrescida de procurar ajuda psicológica, já que muitas pessoas a associam a fraqueza; e, portanto, não pedem ajuda.

Esse fenômeno que poderia explicar por que alguns comediantes ficam deprimidos é conhecido como síndrome do palhaço sorridente. Termo que inclui o mascaramento ou o desconhecimento dos sintomas depressivos por meio do humor ou da simpatia de algumas pessoas.

Assim, o uso do humor como rota de fuga traz consequências a longo prazo, apesar de vivenciar o aumento da adrenalina com o riso do público.

Robin Williams: As consequências da negação

Quando falamos de humor e depressão, muitos de nós lembramos do caso de Robin Williams, o comediante e ator vencedor do Oscar que se suicidou em 2014. Esse foi o último passo de uma fase de depressão que se intensificou após uma recaída no alcoolismo e dependência de drogas.

A estrela de grandes sucessos, como Good Will Hunting ou Awakenings, é apenas um dos muitos comediantes que podem ter sofrido da síndrome do palhaço triste. “ Ao contrário do que muitos acreditam, (a depressão) não está necessariamente ligada a uma perda, seja de um ente querido ou de uma falência financeira”, explica Montoya. No caso de Robin Williams, podemos identificar uma cronicidade em seu sofrimento, intensificado por “comportamentos autodestrutivos”.

Nesse caso, tanto o isolamento quanto a falta de compreensão do que o cerca precipitaram o trágico final que todos conhecemos. É normal que, quando uma pessoa de sucesso sofre de depressão, as pessoas ao seu redor mostrem incompreensão. E justamente essa atitude de falta de empatia e compreensão costuma ser um dos principais motivos pelos quais alguns comediantes ficam deprimidos.

Inside, de Bo Burnham

Outro caso conhecido nos últimos anos foi o de Bo Burnham, músico e comediante americano que conseguiu materializar a ansiedade e a depressão típicas da pandemia em seu especial Inside, produzido pela Netflix.

Em Inside, Burnham navega com músicas e números cômicos, aparentemente desconexos, por todos os estágios do bloqueio. Pelo meio, há transições não muito fluidas em que vemos como o comediante flerta com a ideia de deixar o especial, e até com a ideia de suicídio.

Mas, à medida que nos aprofundamos em sua narrativa, descobrimos que o fio comum que permeia o especial é claro. Começa com músicas como Content ou Comedy, que nos mostram a situação depressiva de Burnham. Mais tarde, canções como How the world works ou Welcome to the Internet apontam para os verdadeiros vilões desta história: o sistema e a Internet, essa rede de que dependemos cada vez mais.

Depois de outras canções e monólogos, o especial termina em um final doce e irônico. Bo Burnham deixa a sátira e o cinismo para trás para apresentar uma grande verdade ao espectador: todos nós estamos um pouco quebrados por dentro e quanto mais cedo admitirmos isso, melhor.

O ativismo de Kevin Breel

Kevin Breel é outro dos comediantes que encontrou uma maneira de redirecionar sua depressão. O jovem canadense não apenas escreveu um livro contando sua experiência. Ele também viaja pelo mundo dando palestras com as quais torna visível o que muitos sofrem em silêncio. Breel atribui esse problema social à ignorância.

“Essa ignorância criou um mundo que não entende a depressão, que não entende a saúde mental”, diz ele em uma palestra TED. Breel acredita que o mundo se sente despreparado para enfrentar o problema, pois “nós a colocamos em um canto, fingimos que não está lá e cruzamos os dedos para que ela se cure”.

É claro que, para resolver um problema, devemos primeiro reconhecer que ele existe. “Se ainda não fizemos. Não podemos esperar encontrar uma resposta se ainda tivermos medo da pergunta”, reflete o canadense. “Se você tem depressão, saiba que não há nada de errado. Você está doente, você não é fraco. E é um problema, não uma identidade”, continua.

Kevin Breel fala de seu coração e experiência, enquanto passou e continua passando por vários estágios de depressão desde a adolescência. “A depressão me empurrou para um poço, mas apenas para me lembrar que há uma saída. Ela me mostrou a escuridão para me mostrar que também há luz”, conclui.

Por que alguns artistas ficam deprimidos?

Não é que os comediantes sejam mais propensos à depressão. Em vez disso, devido à sua sensibilidade e traços de personalidade, eles tendem a sofrer mais com esses tipos de problemas. No caso de comediantes de sucesso, pode-se entender que sua posição não motiva ou facilita pedidos de ajuda.

“Como vou contar meus problemas a um estranho, se ele não vai resolver para mim?”, questiona Gerardo Campo Cabal, chefe do Departamento de Psiquiatria da Universidad del Valle, na Colômbia.

E, em hipótese alguma, a pessoa com depressão precisa de comentários como “faça a sua parte”, “saia de casa” ou “não se feche”. Não, a depressão é uma doença altamente incapacitante que faz com que a pessoa se isole em casa e sinta uma total falta de energia. E, nas palavras de Campo Cabal, a depressão, “como tal, deve ser tratada”.


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