Qual é a origem da loucura de Nietzsche?

A produção intelectual de Friedrich Nietzsche está intimamente ligada à doença neurológica de que padeceu. Mas, qual foi a origem do desequilíbrio mental de um dos grandes pensadores do século XIX?
Qual é a origem da loucura de Nietzsche?
Gorka Jiménez Pajares

Escrito e verificado por o psicólogo Gorka Jiménez Pajares.

Última atualização: 03 janeiro, 2023

Durante anos, foram publicados artigos de pesquisa que tentaram encontrar a chave para a doença sofrida por Friedrich Nietzsche. O grande filósofo e pensador de origem alemã morreu aos 56 anos, sofrendo de sintomas para os quais a medicina da época não conseguia encontrar uma explicação. Nesse sentido, a causa da loucura de Nietzsche permaneceu um mistério na história médica recente até recentemente.

O diagnóstico que recebeu em sua época foi semelhante ao de muitos outros artistas que sofriam de sífilis: paralisia geral por lues, uma forma de neurossífilis. No entanto, pesquisas mais recentes sugerem que o diagnóstico adequado para o quadro clínico (conjunto de sintomas) apresentado pelo famoso pensador pode ser demência frontotemporal.

“O mundo real é muito menor que o mundo da imaginação.”

-Friedrich Nietzsche-

lupa com cérebro
De acordo com a Clínica Mayo, a demência frontotemporal tem sido associada à doença esclerose lateral amiotrófica em nível genético.

Que sintomas caracterizaram a loucura de Nietzsche?

A deterioração sofrida por Nietzsche foi progressiva e devastadora. Tudo começou aos 24 anos: período de sua vida em que começou a lecionar filologia na universidade. No início de sua doença, seus sintomas incluíam fortes dores de cabeça e problemas com o campo visual direito.

Os sintomas da doença de Nietzsche foram tão intensos que fizeram com que o filósofo abandonasse o cargo de professor e se instalasse em Turim, na Itália. Para Marcelo Miranda, foi em Turim que o transtorno mental de Nietzsche se tornou incontrolável e, consequentemente, ele precisou ser internado em Basel (e posteriormente em Jena).

Entre os sintomas da loucura de Nietzsche vale destacar:

  • Comportamentos de hiperoralidade, ou seja, “usar muito a boca para entrar em contato com vários objetos”. Os comportamentos que acompanham a hiperoralidade são chupar, mastigar, morder, etc.
  • Comportamento estranho e negligente em relação ao autocuidado corporal.
  • Hiperfagia ou apetite voraz.
  • Ataques de raiva.
  • Comportamentos agressivos.
  • Coprofagia, ou seja, a ingestão das próprias fezes.
  • Megalomaníacos ou delírios de grandeza.
  • Mudanças dramáticas de personalidade.

“Nietzsche assinou suas cartas ‘Phoenix’, ‘Anticristo’ e ‘Dionísio’ e enviou cartas irreverentes ao Kaiser e Bismarck. Ele se autodenominava ‘o redentor de todos os milênios’.”

-Marcelo Miranda-

O que é demência frontotemporal?

pesquisas que apóiam o fato de que a loucura de Nietzsche pode atualmente ser explicada como demência frontotemporal.

Para a Associação Americana de Psiquiatria (APA), essa demência é caracterizada por ter um início insidioso e uma progressão gradual, nem rápida nem lenta. Além disso, é necessário que ocorram sintomas muito semelhantes aos registrados no caso de Nietzsche:

  • Alterações de comportamento, como desinibição, apatia, inércia, falta de empatia ou existência de obsessões e compulsões. Nesse sentido, incluir-se-iam aqui as já mencionadas hiperfagia e hiperoralidade. Há também alterações na cognição social, ou seja, “a forma como processamos as informações do contexto interpessoal”, que se altera intensamente.
  • Alterações na linguagem relacionadas à sua recepção, processamento e expressão.

Para o seu diagnóstico, é necessário excluir outras possíveis causas, como um acidente vascular cerebral, uma massa tumoral, uma doença da tiróide, bem como outras doenças psiquiátricas que possam estar em causa.

Embora seja verdade que a etiologia da demência frontotemporal ainda é desconhecida, existem algumas considerações que apresentaremos a seguir.

“Preciso de companheiros, mas de companheiros vivos; não de mortos e cadáveres que devo carregar aonde quer que eu vá.”

-Friedrich Nietzsche-

Causas da demência frontotemporal

Apesar do desconhecimento causa-efeito que existe atualmente sobre este tipo particular de demência, várias hipóteses estão sendo consideradas, algumas com maior sucesso. Através de procedimentos de neuroimagem, pode-se observar certa atrofia nesses pacientes, ou seja, “encolhimento” de certas áreas do córtex, principalmente no córtex temporal e frontal.

“É um tipo muito raro e heterogêneo de demência com etiologia geralmente desconhecida (em 50% dos casos não é conhecida).”

-Amparo Belloch-

Demência frontotemporal por ressonância magnética
Imagem de demência frontotemporal por ressonância magnética.

Para o professor de psicopatologia Amparo Belloch, já foram identificados alguns genes que podem estar envolvidos. Em concreto:

  • O gene que codifica a proteína tau, localizado nos cromossomos 3 e 17.
  • O gene relacionado aos microtúbulos MAPT.
  • O gene relacionado à granulina GRN (gene da progranulina).
  • O gene da proteína contendo valosina C9ORF72.

Na demência frontotemporal, os sintomas geralmente se iniciam na faixa etária entre 40 e 65 anos, embora possa haver casos, como o de Nietzsche, em que ocorrem mais precocemente. Uma vez manifestada, a doença costuma causar a morte da pessoa em 3 ou 4 anos após receber o diagnóstico.

Este tipo de demência abrange aproximadamente 20% de todos os casos de demência registrados. Neste sentido, se na sua família existe um historial deste tipo de demência, é provável que tenha interesse em ir a uma consulta para conhecer os fatores de risco que foram identificados e sobre os quais pode intervir.


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