A qualidade de vida depende do que te faz feliz
Todos os dias escutamos ou lemos sobre a qualidade de vida. Ainda que poucas vezes apareça claramente definida, sempre dizem que você deve buscá-la ou alcançá-la através disso ou daquilo. O termo associa-se inclusive à expressão “vida saudável” e você chega até a sentir-se culpado por não ser “tão saudável” quanto deveria.
A verdade é que o conceito de “qualidade de vida” começou a se tornar popular ao andar de mãos dadas com a economia, nos tempos em que a tese da “qualidade total” tomou força para abordar os processos industriais.
Estimava-se que a indústria deveria produzir artigos com o menor número de falhas possível e num tempo ótimo. Essa forma de pensamento transferiu-se ao terreno do subjetivo e foi então quando começou a se falar de “qualidade de vida” para referir-se aos processos que davam como resultado uma existência “com o menor número possível de falhas”.
Assim, começaram a se instalar diversos esquemas de formas de vida com “qualidade”. Mas o que é real naquilo que chamamos de “qualidade de vida”? É um conceito geral que se aplica a todos os casos, ou, pelo contrário, cada pessoa o constrói individualmente?
Definindo a qualidade de vida
O conceito de qualidade de vida tem duas dimensões: uma objetiva e outra subjetiva. As características da qualidade de vida objetiva foram definidas pelo mundo corporativo e são as seguintes:
- Bem-estar físico: boa saúde
- Bem-estar material: boa remuneração e patrimônio sólido
- Bem-estar social: boas relações familiares e comunitárias
- Bem-estar emocional: autoestima, inteligência emocional e espiritualidade
- Desenvolvimento: produtividade e educação
Para o programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), estas variáveis são reduzidas a apenas três: expectativa de vida, educação e remuneração. Foram desenvolvidos diversos métodos para medir a qualidade de vida das pessoas, das cidades e dos países. Todos eles se baseiam nas características descritas acima e outras são derivadas delas, como meio ambiente, entorno social e político, índice de invalidez, etc.
Por outro lado, existe o conceito de “qualidade de vida” que foi adotado por algumas correntes da psicologia. Nesses enfoques os indicadores objetivos seguem tendo relevância, mas se reorganizam em função do bem-estar psicológico de cada pessoa.
Para essas correntes, a qualidade de vida é definida em função de duas variáveis: condições de vida e satisfação com a vida. As condições de vida se referem aos aspectos materiais da existência (saúde física, relações sociais, atividades funcionais ou ocupação).
A satisfação com a vida refere-se ao grau de conformidade que uma pessoa tem com as suas condições de vida. Em outras palavras, indica quão adaptados estão com a vida que estão levando.
A marca individual na qualidade de vida
O conceito de qualidade de vida originou fortes polêmicas no mundo da psicologia. O problema surge quando se aprofunda um pouco na variável “satisfação com a vida” e no princípio da “adaptação”.
Com respeito à satisfação com a vida, pode-se afirmar que nem sempre estar confortável com as condições de vida é sinônimo de “qualidade”, ou, em outras palavras, de saúde mental.
Um ditador, por exemplo, pode estar muito confortável com a vida que leva. No final do dia ele tem uma voz autoritária e mantém submetidos pela força aqueles que o rodeiam. No entanto, desde o ponto de vista do bem-estar emocional, isso não equivaleria a qualidade de vida.
Trata-se de uma satisfação puramente narcisista. Uma “plenitude” que depende da circunstância e não do seu esforço construtivo. De fato, uma condição prejudicial que causa uma satisfação passageira, ao mesmo tempo em que planta a semente de uma decadência interior.
Se usarmos o mesmo exemplo, também deve-se questionar o conceito de adaptação. Quem se adapta a uma realidade desse estilo tem qualidade de vida ou não? Certamente pode-se obter benefícios com essa adaptação. Mas sem dúvidas também “pagaríamos” com angústia, medo e falta de liberdade.
Então, como é possível definir a “qualidade de vida”? Talvez a primeira coisa seja dizer que a “qualidade” é um atributo que corresponde mais às mercadorias do que às pessoas. Também que a vida é uma realidade que se experimenta, e não um processo que se administra.
Ainda assim, é claro que existem elementos que engrandecem e levam a plenitude para a vida de uma pessoa. Mas esses mesmos elementos podem empobrecer ou limitar a existência de uma pessoa diferente.
Não existe um “modelo” de vida, assim como não existe um “modelo” de ser humano. Numa guerra, os combatentes consideram que o ideal é um líder frio e cheio de coragem. Mas na paz, o ideal é encarnado por quem consegue tolerar e construir a harmonia.
Finalmente, o que enriquece a sua vida é vivê-la em função daquilo que te faz feliz e melhora a vida de quem o rodeia. Não é necessário ser o mais rico, nem o mais malhado, nem o que melhor segue a dieta para ter algo que se possa chamar de “qualidade de vida”.
O que faz a sua vida ser algo digno de ser vivido é a capacidade de apreciar, aceitar e evitar magoar a si mesmo. Isso, sem dúvidas, reflete-se numa posição construtiva na vida dos outros.
Imagens cortesia de maio Ann Licudine e Claudia Tremblay.