A síndrome de Gilbert: comum, mas desconhecida

O que é a síndrome de Gilbert? Que sintomas ela apresenta? Poderia constituir uma categoria protetora de outras doenças? Vamos falar sobre isso neste artigo.
A síndrome de Gilbert: comum, mas desconhecida
Alicia Escaño Hidalgo

Escrito e verificado por a psicóloga Alicia Escaño Hidalgo.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Em 1901, o gastroenterologista Agustín Nicolás Gilbert descreveu a síndrome de Gilbert pela primeira vez. Ele observou que certos pacientes apresentavam níveis elevados de bilirrubina indireta e, portanto, uma cor amarelada na pele e na esclera ocular, quadro que recebeu o nome de icterícia.

Esses pacientes não apresentavam alterações virais, como hepatite ou obstruções das vias biliares devido a tumores ou algo parecido. O que estava acontecendo era o seguinte: por causa de uma mutação genética, as pessoas com síndrome de Gilbert estavam sem uma enzima hepática conhecida como glucuronosiltransferase.

Como essa enzima não estava presente, era impossível que a bilirrubina – pigmento amarelo encontrado na bile e formado pela quebra da hemoglobina – fosse metabolizada de forma normal, como ocorre no restante da população. Por causa dessa questão, os níveis séricos ficavam elevados.

Embora a síndrome de Gilbert não tenha implicações sérias para a vida de uma pessoa, é conveniente saber que, embora muitas vezes seja minimizada, apresenta uma série de sintomas extremamente incômodos. Uma associação significativa com problemas emocionais como ansiedade, depressão e obsessões também foi relatada.

Embora não seja muito conhecida, estima-se que afete 5% da população e seja mais comum em homens do que em mulheres. Algumas pessoas não sabem que a têm até fazerem um exame de sangue de rotina. É diagnosticada entre os 15 e 30 anos de idade.

Além desses sintomas, que agora explicaremos com mais detalhes, é curioso notar que a bilirrubina é protetora contra outras patologias.

Foi comprovado que níveis de bilirrubina ligeiramente mais elevados do que o normal produzem um antioxidante que pode prevenir patologias significativas, como o câncer. Também foi constatado que os pacientes com síndrome de Gilbert estão mais protegidos contra problemas cardíacos e que sua pressão arterial é especialmente baixa.

Olhos amarelados

Quais são os sintomas da síndrome de Gilbert?

Embora nas consultas médicas seja comum ouvir que a síndrome de Gilbert “não apresenta sintomas”, a realidade é que um percentual significativo de pacientes se sente incompreendido porque essa afirmação não corresponde à sua realidade diária.

Embora seja verdade que não são 100% das pessoas afetadas que apresentam esses sintomas, muitas delas os apresentam e se sentem frustradas ao descobrir que não há tratamento que as ajude a levar uma vida mais normal.

Os sintomas costumam aparecer em crises, quando a bilirrubina aumenta. Ela geralmente aumenta em situações em que o fígado é forçado a trabalhar mais. Por exemplo: durante jejuns, quando fazemos exercício físico, se sofrermos de estresse ou se adoecermos com um vírus.

Entre os sintomas mais típicos verbalizados pelos próprios pacientes, estão:

  • Icterícia. É o sintoma principal e o mais objetivo, visto que pode ser observado a olho nu. Aparece quando a bilirrubina total atinge aproximadamente 2,5 mg (é normal que fique em 1 mg). A pele fica amarela, assim como os olhos. Não é fisicamente incômodo, mas obviamente não é muito favorecedor e pode levar a problemas de autoestima.
  • Cansaço. É outro dos sintomas clássicos da síndrome de Gilbert. Às vezes, o cansaço é tão extremo que a pessoa precisa se sentar ou deitar imediatamente. Isso, é claro, acarreta problemas sociais ou trabalhistas. As pessoas ao redor do paciente não entendem essa fadiga, considerando que nenhum esforço foi feito. Os pacientes costumam ser tratados como “preguiçosos” quando, na verdade, estão exaustos sem um motivo aparente.
  • Problemas digestivos e perda de peso. O fígado faz parte do aparato digestivo e, portanto, é relativamente comum que esses pacientes tenham problemas digestivos, como náuseas, diarreias frequentes ou dores na região do fígado. Como consequência, quando a bilirrubina aumenta durante uma crise, é comum perder peso e apetite.
  • Depressão e ansiedade. Também é comum que as pessoas afetadas apresentem depressão e ansiedade ao longo da vida. É como se a bilirrubina, de alguma forma, perturbasse seu bem-estar emocional. Portanto, sua qualidade de vida é reduzida, pois pode ser mais difícil para elas saírem desse estado.
  • Enxaqueca. A enxaqueca consiste em uma dor de cabeça intensa. Normalmente, ocorre unilateralmente e pode ou não ser acompanhada por auras. As auras são sintomas de natureza neurológica que podem consistir em visões de flashes ou formas geométricas, parestesias e até dificuldade para falar.

Embora esses sintomas sejam os mais típicos em pacientes com Gilbert, existem outros que também podem se manifestar, como tremores nas mãos, perda de memória, alguma inaptidão e falta de coordenação ou aftas bucais recorrentes.

Mulher sentindo fadiga

Conclusões

Com base em estudos epidemiológicos recentes, parece que a síndrome de Gilbert não é apenas uma condição “estética” no que diz respeito à icterícia. Há evidências suficientes para indicar uma correlação inversa entre o risco cardiovascular e oncológico, especialmente o câncer colorretal e os níveis de bilirrubina total no sangue.

Essas descobertas foram replicadas em vários grupos étnicos. A razão é que a bilirrubina exerce um efeito protetor antioxidante e anti-inflamatório. A bilirrubina tem uma capacidade maior de reduzir a oxidação lipídica do que a glutationa e a vitamina E. Níveis mais elevados de bilirrubina total estão associados a um risco menor de esteato-hepatite não alcoólica, nefropatia diabética e reestenose de stent coronário.

Seria muito descabido propor uma indução artificial de bilirrubina para prevenir essas doenças? Seria a síndrome de Gilbert, paradoxalmente, uma doença terapêutica?

Da mesma forma que outras doenças, como a doença do intestino irritável ou a fibromialgia, a síndrome de Gilbert fica “órfã” no que diz respeito à atenção e à pesquisa. As conclusões a que podemos chegar neste artigo são de que talvez essa pesquisa possa abrir muitas portas.

Por um lado, a projeção de algum tipo de tratamento que amenize ao máximo os sintomas adversos dessa condição. Por outro lado, analisar em maior profundidade as propriedades da bilirrubina no sangue e verificar seus possíveis benefícios em diferentes doenças que atualmente são potencialmente mortais.


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