O que há de especial nos sonhos das pessoas com depressão?

O que há de especial nos sonhos das pessoas com depressão?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 02 dezembro, 2021

As pessoas com depressão geralmente experimentam diferentes distúrbios do sono. No entanto, um fato curioso que foi demonstrado pela ciência é que, durante esses estados, os pacientes sonham até três vezes mais do que uma pessoa sem depressão. Embora algo assim muitas vezes cause perturbação e cansaço, os sonhos das pessoas com depressão realmente cumprem um propósito muito específico: regular o mundo emocional.

Este tema certamente é novo e não muito conhecido por muitos de nós. Quando se fala de depressão é comum que o foco de interesse se concentre na sintomatologia, nos desencadeantes ou nos diferentes enfoques terapêuticos existentes. No entanto, raramente se aborda essa dimensão a partir desse ponto de vista do sonho, isto é, compreendendo um pouco mais o que acontece no cérebro da pessoa com depressão quando finalmente consegue adormecer.

“A interpretação do sonho é o caminho real para o conhecimento do inconsciente.”
-Sigmund Freud-

De fato, à afirmação de Freud de que os sonhos são o caminho real para o inconsciente, deveríamos adicionar também que esse caminho, essa rota singular, pode na verdade ser uma estrada cheia de curvas tortuosas e voltas infinitas que muitas noites nos conduzirão a lugar nenhum. No entanto, nos oferecerá vistas espetaculares sobre o que realmente acontece em nossa mente.

Os sonhos das pessoas com depressão por si mesmos não resolverão a desordem. Eles são apenas a evocação de um problema, são como uma tela abstrata de Kandinski que tenta nos dizer algo, dar forma ao que nos machuca, o que nos irrita, o que nos assusta, o que nos aflige. Os sonhos das pessoas com depressão são um mecanismo de defesa do próprio cérebro tentando regular a emoção que perturba.

Quadro cheio de cores e estímulos

A fase REM nas pessoas que sofrem de depressão

A Dra. Rosalind D. Cartwright é uma célebre psicóloga da Universidade de Cornell que dedicou grande parte de sua vida à pesquisa e compreensão do mundo dos sonhos. Em seu conhecido livro “The Twenty-Four Hour Mind”, por exemplo, ela aborda a interessante relação entre nossas emoções e o sonho. Trata-se na verdade de um fabuloso trabalho de anos e anos de pesquisa, onde se destaca uma ideia: o cérebro tenta por si mesmo nos ajudar a gerenciar todas as nossas emoções negativas através dos sonhos.

A maneira como ele atua é tão fascinante quanto estranha, porque o paciente realmente não percebe que fato de “sonhar” está ajudando de alguma maneira. No entanto, ele tenta através de uma série de mecanismos. São os seguintes.

Fase REM e sonhos das pessoas com depressão

  • Os pacientes com depressão podem experimentar, por exemplo, sonolência diurna e grande dificuldade para dormir à noite.
  • Quando eles acordam, geralmente percebem um cansaço profundo. Isso ocorre porque o descanso noturno não é reparador, mas pelo contrário: sentem que sua cabeça está “mais cheia”, eles sabem que sonharam muito, mas não conseguem lembrar com clareza sobre o que eram esses sonhos.
  • O que ocorre, na verdade, é que os pacientes com depressão entram muito antes na fase REM. Além disso, esta fase em que ocorrem os sonhos geralmente dura até 3 vezes mais. Ou seja, as pessoas com depressão sonham o triplo das pessoas sem depressão.
  • Vale lembrar também que o sono REM é chamado de “sono paradoxal” porque não proporciona descanso; na verdade, é o instante em que geramos um maior nível de adrenalina.
  • Graças a novos testes de imagem e diagnóstico, também foi possível ver que o sistema límbico, relacionado às emoções, está mais ativo do que nunca na fase REM. Algo que só acontece com os pacientes depressivos.
Funcionamento do cérebro

A Dra. Cartwright explica que, quando dormimos, o cérebro assume o controle, entendendo que o mais relevante nesse momento para nós, mesmo antes de nos oferecer um descanso físico reparador, é “empurrar-nos” para resolver nossos nós emocionais.

Agora, ele muitas vezes o faz da pior maneira possível, através de pesadelos e sonhos desagradáveis, e o mesmo acontece nos sonhos das pessoas com depressão. Qualquer coisa que nos cause confusão, ansiedade ou desespero surgirá nesse território surrealista e estranho, em uma tentativa do cérebro de regular essa emoção negativa, para “desintoxicar” uma tensão tão confusa.

“A interpretação do sonho é o caminho real para o conhecimento do inconsciente.”
-Gustav Jung-

Padrões de repouso em pessoas com depressão

Somos conscientes de que “sonhar” o triplo, experimentar pesadelos e abrir os olhos para o novo dia nos sentindo cansados não é muito útil na hora de enfrentar uma depressão. Portanto, se algo pode nos ajudar esta informação é conhecer um pouco melhor o nosso inimigo e compreender, acima de tudo, que nosso cérebro nos avisa que há algo que devemos resolver.

Então, sabendo disso, é sempre útil aplicar uma série de estratégias relacionadas ao nosso descanso e recomendadas para melhorar os sonhos das pessoas com depressão, que podem nos ajudar caso estejamos passando por um estado similar, seja uma depressão leve, uma distimia ou uma depressão maior.

  • Evitemos intensificar nossa carga emocional antes de dormir. O pensamento ruminante irá aumentar, sem dúvida, o nosso estado, fazendo com que a fase REM seja mais longa, e assim nos tirando a oportunidade de conseguir um descanso físico reparador.
  • Exercícios, como a meditação ou qualquer outra técnica de relaxamento que controlamos, serão úteis para irmos para a cama com a mente menos ativa.
  • Além disso, se tomamos antidepressivos, será bom avaliar quais os efeitos colaterais podem ter sobre nossos sonhos e mudá-los caso sejam significativos.
  • Também é necessário ajustarmos nossos ritmos circadianos. Tentemos seguir um bom horário, onde o sonho comece e termine habitualmente ao mesmo tempo.
Torso com galhos e pássaro na cabeça

À medida que progredimos em nosso tratamento e na estratégia terapêutica, nosso sono REM voltará a se ajustar, durará menos e nos permitirá obter um descanso mais satisfatório. Nele, o mundo dos sonhos deixará de ser tão convulsivo, enigmático e até assustador. O cérebro deixará de dar tanta relevância às nossas emoções para realizar suas tarefas noturnas habituais: classificar informações significativas, organizar experiências, enviar ao esquecimento dados pouco úteis…

Nosso universo interior voltará ao seu equilíbrio de sempre, longe dos pesadelos, longe da sombra da depressão. Essa cujo impacto cobre todas as áreas do nosso ser, inclusive a do sono.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.