A arte de narrar a vida: terapia cognitivo-narrativa de Gonçalves

Em que consiste a terapia cognitivo-narrativa de Gonçalves? É possível aprender a arte de narrar nossas vidas? Como isso influencia nossa saúde? Neste artigo te contamos!
A arte de narrar a vida: terapia cognitivo-narrativa de Gonçalves

Última atualização: 06 janeiro, 2023

As pessoas constroem a realidade quando se relacionam com os outros através da linguagem. O processo de conhecer é inerente a nós. E o que somos é a maneira como contamos que somo. Essa é a arte de narrar a vida. A terapia cognitivo-narrativa de Gonçalves busca otimizar a forma como nos narramos.

Assim como a física se concentrou em encontrar todos os elementos que constituem a essência da matéria (como átomos, prótons ou nêutrons), a psicologia procurou responder a perguntas como: tudo é comportamento? As emoções são o elemento essencial? São os pensamentos? Para a terapia narrativa, é tudo: comportamento, emoções e pensamentos girados no tecido de nossas conversas.

Ser narrativa não é uma escolha, é quem somos, tem a ver com como nosso cérebro é projetado

– Gonçalves –

A psicopatologia é uma construção social

Os sistemas de diagnóstico são um reflexo de culturas, pessoas e o pensamento de especialistas em saúde mental em um determinado momento histórico. Os problemas, para a Terapia Cognitivo-Narrativa, são produto das dificuldades que temos para criar uma narrativa que capte de forma coerente a complexidade de nossa existência.

Por que é tão difícil narrar?

Para Gonçalves, as dificuldades narrativas podem ser produzidas por três aspectos:

  • Por causa do conteúdo. Há pessoas que ficam presas em histórias que se repetem sistematicamente, como um disco quebrado. Os seres humanos precisam de diversidade de experiências e flexibilidade ao vivenciá-las.

Um bom exemplo são as pessoas com depressão, que repetem várias vezes a mesma história da qual não conseguem sair – Gonçalves –

  • Por causa da estrutura. Todos sabemos que, como seres humanos, tentamos encontrar sentido em nossas vidas. O que não nos dizem é que, para isso, precisamos sentir que somos os autores de nossa existência. Para conseguir isso, buscamos dar coerência interna a cada uma das etapas de nossa experiência, ou seja, que nossas experiências “encaixem” umas nas outras.

A coerência entre as histórias constrói nossa identidade. A ausência dessa coerência em nossas experiências nos faz perder a sensação de que somos os autores de nossas vidas e que percebemos as experiências como separadas, cindidas e quebradas, – Gonçalves –

  • Para o processo. Às vezes, para tentar nos sentirmos coerentes, reduzimos a riqueza com que narramos nossa história. Por exemplo, podemos falar sobre algumas coisas, mas ignorar outras.

Uma pessoa com depressão pode pensar que é incompetente e indigna de ser amada por alguém; ignorando que quando está bem, é reconhecida pelo seu trabalho, os amigos preocupam-se com ela, e ela é muito capaz de aproveitar as pequenas coisas da vida – Gonçalves –

A arte de narrar a vida através da terapia cognitivo-narrativa de Gonçalves

O objetivo que a terapia busca é que o consulente adquira uma atitude narrativa: construir um discurso rico (com vários conteúdos e nuances), complexo e coerente. Desta forma, a pessoa estará aberta a toda a complexidade de sua experiência.

O terapeuta é completamente ignorante sobre o que o paciente deve alcançar ou pensar, mas é um grande especialista em ajudar a promover essas mudanças na forma como narra sua vida. Para isso, utiliza várias técnicas que permitem a quem chega à consulta alcançar uma atitude narrativa:

  • A memória é a capacidade de registrar as circunstâncias da vida, na forma de episódios. Como os capítulos de um livro. Organizar nossa experiência dessa maneira nos permite estruturá-la e diferenciar alguns capítulos de outros.
  • A objetivação é a capacidade de explorar toda a riqueza sensorial que a experiência nos proporciona. Se conseguirmos mergulhar em tudo o que vivemos e vivemos, poderemos narrar nossa vida de uma forma mais complexa e diversificada.
  • A subjetivação é a capacidade de diferenciar e diversificar as experiências emocionais que vivemos ou estamos vivendo. Permite-nos enriquecer a nossa experiência interior.
  • A metaforização é a capacidade de construir muitos significados a partir de nossas experiências.

Por exemplo, María, uma pessoa que chega à clínica com diagnóstico de depressão, concentra suas memórias em episódios em que se sentiu abusada e explorada primeiro por seus irmãos e depois por seu marido. Com a ajuda da terapeuta, pode concluir que é uma “espécie de Cinderela a quem a vida deve um Príncipe Encantado” – Gonçalves

  • Por fim, a projeção é a capacidade que temos para que, com nosso passado, possamos antever as experiências do futuro.

A terapia cognitivo-narrativa é uma terapia narrativa altamente estruturada, na qual as sessões são planejadas com antecedência. Ela é projetada para que possa ser aplicada em 15 sessões. A primeira é dedicada a estabelecer os objetivos e explicar o sistema de trabalho. Na segunda e terceira sessões, trabalhamos com memórias e, a partir da quarta, inicia-se o trabalho com técnicas.


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  • Feixas i Viaplana, G. (2003). Una perspectiva constructivista de la cognición: implicaciones para las terapias cognitivas. Revista de Psicoterapia, 2003, num. 56, p. 107-112.
  • Morejón, A. R. (2019). Manual de psicoterapias: Teoría y técnicas. Herder Editorial.

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