A Menina que Roubava Livros

A Menina que Roubava Livros não se destaca por seu relato sobre o nazismo, mas consegue retratar o dia a dia de uma cidade que não sabe muito bem o que o destino trará. No horror, duas coisas são certas: as palavras são uma arma poderosa e a morte se torna onipresente.
A Menina que Roubava Livros
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A Segunda Guerra Mundial é um cenário que o cinema quis espremer ao máximo, do qual se alimenta há décadas e décadas. Portanto, quando recomendam outros filmes sobre o assunto, a sensação é de cansaço. Será que A Menina que Roubava Livros é diferente?

Não é ruim que esse tipo de filme continue a ser feito e, pessoalmente, acho interessante falar do passado e mantê-lo em mente, principalmente para não cometer os mesmos erros. Mas a preguiça é compreensível e, muitas vezes, é normal senti-la. Por isso, quando você decidir assistir ao filme A Menina que Roubava Livros (Brian Percival, 2013), baseado no romance homônimo de Markus Zusak, a princípio pode achar que vai encontrar “outro drama do nazismo”.

Mas no final, A Menina que Roubava Livros conta algo mais (ou, melhor dizendo, a história é contada por outra pessoa), algo que tem a ver com o presente, o passado e o futuro. Este algo é a morte, a morte que espera a todos nós, esse destino inevitável que está sempre à espreita. É que este tipo de filme pode gerar rejeição pelo choro, mas A Menina que Roubava Livros, embora force alguma cena, não tem tanto o objetivo de nos fazer chorar, mas de aceitar o nosso fim.

Outra peculiaridade é que não estamos em um campo de concentração. Hitler não aparece, embora possamos percebê-lo no ambiente, como uma ameaça, como um ser onipresente, invisível e implacável. Desse modo, o filme nos coloca no cotidiano, na vida da cidade cujos habitantes não sabem muito bem o que vai acontecer e procuram seguir com suas vidas da melhor maneira possível. Tudo é escrito na hora, os per sonagens não conhecem seu destino.

Alguns aceitarão a ascensão do nazismo com resignação, outros o receberão com satisfação. E, no meio da multidão, vai se destacar uma menina cuja vida foi marcada pela desgraça: primeiro, com a separação da mãe e, depois, com a morte do irmão.

Liesel, a garota, será adotada por um casal bem mais velho. No início, ela se sentirá uma estranha, não vai se dar bem com sua mãe e não vai entender como o mundo funciona ou por que dão a ele o rótulo de comunista. Pelos olhos de Liesel e a voz da morte, descobrimos uma história que oscila entre o conto e a realidade, entre a vida e a morte.

A Menina que Roubava Livros: ler para escapar

A Menina que Roubava Livros não é um filme imprescindível, nem é um dos mais elogiados de seu gênero. No entanto, tem uma mensagem importante que nos remete ao poder da palavra. A palavra é outra grande protagonista do filme, é a rota de fuga que os protagonistas encontrarão para sobreviver em um mundo horrível. Conforme avançamos, a ação se dá no cotidiano, no cenário da cidade, das famílias operárias que o nazismo pegou desprevenidas.

Liesel, ao chegar em seu novo lar, é apenas uma criança e já perdeu as pessoas mais importantes de sua vida. Ele não sabe ler e, como consequência, será alvo de bullying na escola. Liesel também é de origem comunista, então também não escapará desse rótulo.

É interessante ver como as crianças repetem o que os adultos dizem, mesmo que nem saibam o significado da palavra. Algumas crianças insultam Liesel gritando “comunista”, mas nem elas nem Liesel sabem realmente o que significa ser comunista.

A doutrinação na escola também é evidente; as crianças cantam sem saber muito bem o que a letra da música esconde. E aí está parte da mensagem do filme: Liesel é chamada de analfabeta, mas as outras crianças, embora saibam ler, não sabem o significado de muitas das palavras que fazem parte de seu vocabulário. 

No início do filme, durante o funeral de seu irmão, Liesel rouba um livro, um livro cujo significado ela não conhece, mas que para ela significa muito. É uma conexão com o seu passado, com o seu irmão. Seu pai descobrirá o livro e ensinará Liesel a ler. O livro, na verdade, não é um romance ou uma história, é um manual simples para coveiros. A morte, novamente, está presente.

Cena do filme 'A Menina que Roubava Livros'

Liesel encontrará nos livros e nas palavras uma importante forma de escapar, de mergulhar em outros mundos e de aprender. Os livros podem se tornar uma arma, um modo de pensar, por isso não interessavam ao nazismo. Em uma queima de livros imorais, Liesel consegue resgatar um, como ocorre em Farenheit 451; mas, aqui, não estamos em uma distopia, estamos no mundo real, em um passado não tão distante.

Este gesto é realmente significativo; Liesel compartilhará seu amor pelos livros e pelas palavras com sua família e com Max, um jovem judeu que se esconde no porão da família de Liesel. Mais tarde, ela também vai compartilhar seu segredo com seu amigo Rudy e, de alguma forma, com a esposa do prefeito. Os livros permitem que Liesel sonhe e que Max saia do esconderijo…

O verdadeiro poder da palavra se manifesta quando os habitantes locais devem se esconder em um abrigo antiaéreo enquanto a cidade é bombardeada. Nesse momento, a preocupação, o medo e a dor tomam conta das pessoas. Por isso, Liesel decide contar uma história para acalmar as pessoas assustadas com seu amor pelas palavras. E, sem dúvidas, ela consegue atingir o seu objetivo. A tranquilidade retorna àquele lugar escuro e as palavras derrotam as bombas.

Ninguém escapa da morte

De alguma forma, os protagonistas têm dois medos ao longo do filme: o medo da morte e o medo de Hitler. Nenhuma das duas figuras aparece fisicamente, mas podemos percebê-las. Há um momento realmente interessante em que Liesel e Rudy gritam “Odeio Hitler!”. Esse grito representa a perda do medo, quando não há mais terror e eles podem aceitar o que vier.

Com a morte acontece o mesmo; Liesel sabe disso desde a infância, pois vê a morte por todo lado, mas sua vida não parou por causa disso. Todos vamos morrer em algum momento, a morte é a única coisa da qual temos certeza desde o nascimento, e ela não liga para dinheiro nem fronteiras.

Liesel se esquiva da morte várias vezes e o mesmo acontece com Max, que parecia que seria o primeiro a morrer. Outros personagens não terão o mesmo destino, mas no final, Liesel e Max também terão seu tempo. A morte está presente desde o início de nossas vidas.

Cena do filme 'A Menina que Roubava Livros'

Em A Menina que Roubava Livros, a morte fará comentários sobre o que vemos, em uma voz lenta e calma. Isso porque se temos que temer alguém, devemos temer os vivos. Mesmo na pior das hipóteses, Liesel encontra espaço para o otimismo, como vemos no abraço que dá na esposa do prefeito após o terrível bombardeio em que a morte acometeu quase todos os habitantes.

A narração é irônica em alguns pontos, mas ao mesmo tempo se conecta com a realidade de sua essência, sua natureza. Ela também atua como juíza, equilibrando a balança, o que nos remete muito à arte e ao assunto memento mori. A morte é uma espécie de vigilante, às vezes benevolente e às vezes implacável, mas não é um inimigo.

Desta forma, A Menina que Roubava Livros nos submerge em uma história cheia de humanidade, amizade e aprendizado no meio de um mundo horrível, escuro e sufocante. Claro, ainda é uma fantasia e não tem o impacto de histórias autênticas como O Diário de Anne Frank, mas é uma história, uma história agradável que nos lembra que devemos aceitar nosso destino com paciência e sem medo.

“As palavras são vida. Se seus olhos pudessem falar, o que diriam?”
– Max, A Menina que Roubava Livros –


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