A suspeita de um transtorno de personalidade: o que fazer nesse momento?
Cada um de nós é uma mistura única de hereditariedade e experiência de vida que dá origem ao que conhecemos como nosso padrão de personalidade. Ter traços de personalidade que nos definem é algo comum a todos os humanos.
“O termo personalidade procede etimologicamente da palavra latina persona que se referia às máscaras que os atores usavam nas representações teatrais.”
-Bermúdez, J.-
O que é um transtorno de personalidade?
Às vezes, encontramos pessoas cuja forma de se comportar ou lidar com o ambiente não resulta adaptativa: é limitante e, em muitos casos, prejudicial. Ou seja, são pessoas cuja forma de se relacionar e enfrentar os desafios do dia-a-dia complica justamente esse dia-a-dia.
É possível que estejamos diante de um transtorno de personalidade quando esse padrão de comportamento não é pontual e tampouco explicável, de modo que podemos conhecê-lo como uma crise vital. A suspeita deve aumentar quando aparece precocemente (já apresentando características mesmo na adolescência ou início da idade adulta) e se mantém ao longo do tempo.
No entanto, é fundamental salientar que a responsabilidade pelo diagnóstico recai, e só deve recair, sobre o profissional, e nunca sobre os familiares e amigos próximos da pessoa em questão. É uma patologia muito complexa que não deve ser discutida levianamente.
“Mais de 1 em cada 10 adultos apresenta um transtorno de personalidade.”
-Torgersen-
Existem vários tipos de transtornos de personalidade, mas em termos gerais vamos encontrar as seguintes características comuns a todos eles:
- A maneira como eles percebem a si mesmos, a outras pessoas e aos acontecimentos, costuma ser diferente de como os outros o fazem.
- Suas respostas emocionais e a forma como se relacionam com outras pessoas diferem do que é socialmente esperado.
- Podem apresentar um controle ou descontrole de seus impulsos, ou seja, atraem a atenção tanto por excesso quanto por omissão.
É importante enfatizar que estamos falando de um padrão de comportamento que é estável ao longo do tempo. Essa não é uma fase ruim, uma crise pessoal ou uma doença, nem é devido ao uso de drogas. As dificuldades que apresentam para se relacionar aparecem em uma ampla variedade de situações pessoais e sociais, não se limitando a dificuldades específicas com algumas pessoas.
Como consequência do que foi dito anteriormente, aqueles que sofrem de um transtorno de personalidade sofrem um desconforto significativo ou deterioração no âmbito social, no trabalho ou em outras áreas importantes do funcionamento. De fato, costumam apresentar outros sintomas como ansiedade, depressão, abuso de substâncias, transtornos alimentares, problemas na esfera sexual e conflitos com o parceiro, entre outros.
Conviver com um transtorno de personalidade
A convivência com um transtorno de personalidade pode ser muito complexa. Ainda mais se não houver atendimento psiquiátrico e psicológico. Familiares e pessoas próximas ao paciente muitas vezes se sentem muito sobrecarregados com o que acontece em casa, sem ferramentas e habilidades de como agir nas diferentes situações que surgem, muitas delas de alta complexidade, como chantagem emocional ou ameaças de suicídio.
Além disso, é comum que o ambiente familiar arraste seus próprios conflitos emocionais e dificuldades na hora de se relacionar, o que provavelmente tenha piorado em decorrência da tensão intrafamiliar.
Costumam demorar para pedir ajuda e a dinâmica familiar não é boa, o que também é desfavorável para a pessoa com transtorno de personalidade. Isso leva a sérios confrontos com tensões e conflitos contínuos.
Pode existir um certo medo em contradizê-los, pois pode-se pensar que vão reagir com irritação e até explodirem de raiva, ou que seja comum a crítica contínua da família, achando que assim os incitam à mudança e à reflexão, mas isso, longe de acontecer, apenas reforça os comportamentos patológicos do paciente.
Como posso ajudar?
Os transtornos de personalidade são administráveis na prática profissional e os resultados das intervenções validadas são mais do que promissores. Para acessá-los, o primeiro passo será buscar ajuda profissional tanto para o paciente quanto para a família.
A situação familiar não é fácil, na verdade é bastante complexa e levará tempo para ver os resultados da terapia, por isso é muito útil se um psiquiatra ou psicólogo clínico os ajudar a entender o transtorno e seu comportamento.
É fundamental entender que uma pessoa com transtorno de personalidade não sabe agir de outra forma, seu modo de ser é resultado da adaptação às dinâmicas e circunstâncias vitais pelas quais passou durante a infância, em geral.
Para ajudá-lo:
- As reações dos familiares têm grande influência nas pessoas com transtorno de personalidade. Essa influência pode ir no sentido negativo ou positivo, e nem sempre depende da vontade de quem a exerce. Além da motivação, o conhecimento é necessário.
- Aceite a situação e entenda o diagnóstico. Para aceitar é preciso entender, por isso é fundamental ter ajuda profissional. Entender exatamente como esses distúrbios funcionam é a base para se relacionar com eles. Ter empatia não significa dar nossa aprovação e mostrar concordância com tudo o que ele faz, mas nos ajudará a manter a calma e gerenciar melhor os conflitos.
- Trabalhar a comunicação dentro da família: comunicar de forma clara e assertiva, sem insinuações, sem ironia ou duplo sentido.
- Quando ele se prestar a ouvir, explique as consequências que seu comportamento tem para os outros, com calma e respeito.
- O transtorno não justifica muitos dos comportamentos da pessoa afetada, mas pode explicar boa parte deles. Se as pessoas com ótima saúde mental podem, às vezes, inadvertidamente causar grandes danos, a probabilidade de que uma pessoa que não se encontra com uma boa saúde mental o faça é muito maior. De nossa parte, temos que fazer um esforço maior para não levar para o lado pessoal algumas de suas críticas, ou mesmo ataques.
O que acontece a pessoa se recusar a ir à consulta ou seguir a intervenção planejada pelo especialista?
Pode acontecer. Em muitos distúrbios não se tem consciência da doença ou ela não é muito desenvolvida. Especialmente nesses casos, o ambiente desempenha um papel fundamental, pois para que a intervenção ocorra eles têm que atuar como verdadeiros facilitadores, e para isso é melhor que o façam seguindo as orientações do profissional ou profissionais responsáveis pelo caso.
Nesses casos, embora a mentira possa parecer o caminho mais fácil, a longo prazo será muito melhor tentarmos um tipo mais honesto de persuasão. Pense que se a pessoa afetada perder a confiança em nós, será muito mais complicado para nós ajudá-la.
Fazer com que ele assimile tudo o que a terapia pode lhe trazer é, sem dúvida, o melhor ponto de partida. Nos casos em que identificamos grande resistência, é preferível ter paciência e encarar a recusa de ir à consulta ou de se comprometer com o plano de intervenção como algo temporário – em casos muito graves, a opção de esperar não é viável.
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