A Trincheira Infinita: como viver escondido por 30 anos

Nesta época de quarentena e pandemia, A Trincheira Infinita pode produzir em nós sensasões muito diferentes das que podiam ser geradas pelo cotidiano. Certamente, neste momento, acaba sendo mais difícil imaginar como alguns homens puderam suportar estar presos em condições tão lamentáveis.
A Trincheira Infinita: como viver escondido por 30 anos
Cristina Roda Rivera

Escrito e verificado por a psicóloga Cristina Roda Rivera.

Última atualização: 05 janeiro, 2023

A Trincheira Infinita é uma viagem esmagadora através da Guerra Civil Espanhola e dos chamados “toupeiras”. Após uma anistia do governo em 1969, alguns homens saíram à luz em toda a Espanha. Eles haviam permanecido escondidos, frequentemente em seus próprios lares, por mais de 30 anos para evitar as represálias após a ocupação franquista do país em 1936.

A Trincheira Infinita reúne detalhes de alguns dos assombrosos relatos destes pesadelos. O filme retrata a história oculta de um desses “toupeiras” e de sua esposa, que sofre por sua terrível situação de forma profunda e abnegada. Uma excelente história sobre o amor como proteção contra o medo.

O filme atinge boa parte do seu impacto através de dois personagens e uma locação. Os encarregados disso são a equipe de diretores e produtores bascos responsáveis por filmes como Loreak e Handia. É uma viagem emocional intensa, quase perfeita, sobre o medo da repressão política e sobre a vulnerabilidade humana, o desespero e a resistência.

A Trincheira Infinita: da fuga à eterna espera

Praticamente toda a ação física acontece nos primeiros 20 minutos do filme. A câmera segue o astuto político de esquerda Higinio (Antonio de la Torre). Ele é colocado em um caminhão da Guarda Civil franquista junto a outros presos.

Enquanto um de seus companheiros clama por sua vida a um dos guardas, Higinio aproveita para pular e escapar do caminhão. Ele é perseguido pelos guardas civis enquanto atravessa correndo a área rural da Andaluzia.

Ele se esconde em um poço fundo e escuro durante a noite junto com outros dois fugitivos. Estes dois homens são atingidos por tiros que vêm de fora do poço. Neste momento, Higinio consegue se esconder em uma das cavidades do poço. Afastando-se dos corpos ensanguentados, ele deixa o poço na manhã seguinte e vai para casa.

Lá, sua esposa, a costureira Rosa (Belén Cuesta), espera por ele. A partir deste momento inicia-se um profundo drama psicológico na quietude e eternidade das horas. Higinio não verá outra saída a não ser se esconder sob o assoalho de sua casa e presenciar tudo o que acontece ali como uma toupeira, um espectador em seu próprio lar observando tudo da última fileira.

A Trincheira Infinita: tensão para o espectador

Embora a vida de uma toupeira seja teoricamente entediante, o tédio não é problema para quem assiste a este filme.

A principal ameaça e tensão do filme parte de Gonzalo (Vicente Vergara), que traiu Higinio diante das autoridades. Gonzalo continua ameaçando Higinio a todo momento, começando com a sádica retirada das cortinas da casa de Rosa enquanto ele observa tudo de seu esconderijo.

Disfarçado de idosa, Higinio se muda para a casa do sogro, aproveitando a passagem de uma procissão de Semana Santa no povoado. Lá, ele terá um espaço mais adequado para se estabelecer de vez como uma toupeira fugitiva da justiça. Ele terá uma cama pequena, algumas estantes e uma mesinha onde poderá realizar algumas tarefas para Rosa.

Logo em seguida, aproveitando a ausência de Rosa por alguns meses, um casal homossexual decide usar a casa do sogro de Higinio para seus encontros amorosos, oferecendo um alívio cômico ao drama. Ao serem descobertos por Higinio, eles entram em acordo para que possam continuar utilizando a casa contanto que tragam jornais e alguma comida.

A perspectiva de Rosa

Rosa decide que quer um filho, uma demanda inesperada dadas as circunstâncias. Rosa é uma esposa firme, devota e altruísta; seu papel é complexo, pois possui várias facetas, sendo muito mais do que a mulher que ajuda Higinio a se esconder.

De repente, precisando mudar as concepções de sua educação, Rosa deve reinventar-se como a provedora da família. Belén Cuesta transmite a fragilidade, força e dedicação de Rosa através dos anos.

Se há uma reviravolta na vida de Rosa é o abuso que sofre por parte de um guarda civil que contrata seus serviços como costureira. Um dia o guarda avança sobre Rosa, que se nega a ter qualquer contato com ele. Higinio, que observa tudo de seu esconderijo, precisa se conter para não ser descoberto.

Higinio sente uma frustração esmagadora à medida que as humilhações se acumulam. Entretanto, após o ocorrido, ele reage de forma primitiva, saindo de seu esconderijo para fazer sexo com sua mulher, numa cena incômoda que beira o abuso sexual.

Alguns dias depois, o guarda civil volta ao ateliê para atacar Rosa e Higinio não consegue impedir seu estupro, já que, no mesmo momento, sua lamparina cai no chão e ameaça incendiar seu esconderijo.  Quando finalmente consegue sair para ajudar sua esposa, acaba matando o guarda civil, abrindo um questionamento sobre quem de fato é o pai do seu filho.

Cena do filme 'A Trincheira Infinita'

O poder do amor

As atuações de ambos os protagonistas conferem realidade à história. O fato de Higinio ser um homem de valores tradicionais e poucas palavras traz um aspecto marcante para o personagem.

Inevitavelmente, a maior parte do drama se desenvolve sob a penumbra, que ocasionalmente contrasta com o deslumbrante sol da Andaluzia. Grande parte disso acontece por meio do ponto de vista incerto e temeroso de Higinio enquanto ele, junto ao espectador, tenta descobrir que diabos está acontecendo: uma estratégia cinematográfica que gera tensão, mas também emoção.

Apesar de todo o sofrimento, obscuridade e maldade humana retratados pela narrativa, A Trincheira Infinita é um filme otimista. Ele nos mostra, sem sentimentalismo, excessos ou clichês, que o amor pode ser um refúgio que pode se manter firme durante toda a vida.

O desenvolvimento narrativo do filme começa com o que é meramente visível e termina com o que é ideal de se enxergar, que, em essência, é tudo o que não se vê.


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