A violência doméstica pode causar transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)?
A violência doméstica não se trata de simples “mal-entendidos ou problemas de relacionamento” ou “pais excessivamente autoritários”. São pessoas que vivenciam uma situação traumática de longa duração que gera consequências psicológicas e afeta não apenas o bem-estar, mas também a capacidade de se relacionar com os outros. De fato, em muitas ocasiões, essas experiências podem levar ao transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Esse tipo de violência é extremamente doloroso para quem a vivencia, pois é praticada por alguém que, em tese, deveria ser seu maior apoio ou “porto seguro”: ou seja, o parceiro ou os pais. Nas crianças isso pode causar sérios problemas de apego que as afetarão por toda a vida. Em adultos também gera sintomas muito limitantes e um forte empobrecimento na qualidade de vida.
O que é TEPT?
O TEPT está incluído na categoria de transtornos relacionados a traumas e fatores de estresse no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM 5). É uma possível resposta psicológica à exposição a um evento traumático e pode começar vários meses após o evento.
Inicialmente, esse transtorno foi estudado em veteranos de guerra, mas hoje sabe-se que qualquer pessoa exposta a uma situação potencialmente traumática é suscetível a desenvolvê-la. Agora, o que consideramos uma situação potencialmente traumática?
Pois bem, consideramos qualquer evento/ambiente que ameace a integridade física ou psicológica da pessoa como uma situação potencialmente traumática. Uma experiência em que a pessoa pode sentir que não tem os recursos necessários para enfrentar essa ameaça; de alguma forma ela se sente presa, entre uma “espada” que poderia acabar com sua vida e uma parede.
Vale mencionar que nem todo trauma leva ao desenvolvimento do TEPT, pois cada pessoa experimenta e processa o evento de maneira diferente. Por exemplo, foi visto que cerca de 70% dos adultos nos Estados Unidos sofreram um evento traumático, mas apenas 20% deles acabaram sofrendo desse transtorno.
A violência doméstica implica uma situação de ameaça crônica, na qual a pessoa não se sente segura nem em seu lar nem com sua figura de apego. Isso ativa o mecanismo de luta-fuga-congelamento e coloca todo o seu corpo em alerta. Assim, o TEPT pode eventualmente ser desencadeado.
Principais sintomas do TEPT
Se um adulto ou criança que sofreu violência doméstica acaba desenvolvendo transtorno de estresse pós-traumático, eles terão os seguintes sintomas:
- Memórias intrusivas do evento traumático que aparecem na forma de flashbacks ou pesadelos vívidos.
- Evasão e esquiva persistente de estímulos relacionados ao trauma vivenciado. Pensamentos, situações, pessoas ou objetos que lembram o evento são evitados.
- Mudanças de pensamento e humor. Emoções negativas intensas (como medo, raiva, culpa ou vergonha) aparecem, bem como apatia e perda de interesse em atividades significativas. Além disso, a pessoa geralmente desenvolve crenças muito negativas em relação a si mesma e aos outros.
- Hiperexcitação. Há uma alteração do estado de alerta que leva a pessoa a estar em constante vigilância, a reagir com grande alarme e a ficar irritável e desfocada.
Violência doméstica pode causar TEPT
Os sintomas descritos acima são muito limitantes e causam grande sofrimento. Por isso, é importante não subestimar as experiências de quem sofreu violência doméstica. E é que o impacto em nível psicológico pode ser equivalente ao causado por um ataque, um desastre natural ou uma guerra, pois todos eles constituem eventos traumáticos.
Além disso, a violência doméstica possui certos componentes que constituem fatores de risco. Ou seja, eles aumentam a probabilidade de desencadear TEPT:
- A violência interpessoal ocorre. Ao contrário do que acontece, por exemplo, num desastre natural, neste caso é um ser humano que ataca deliberadamente.
- O trauma é perpetrado por um cuidador ou figura de apego significativa. Isso coloca a vítima em uma situação difícil onde a pessoa que deveria estar defendendo ou apoiando é na verdade seu agressor ou abusador.
- No caso de crianças que presenciam violência doméstica entre seus pais, o fato de ver que um cuidador está em perigo gera um enorme impacto que aumenta o risco.
- O trauma é crônico e vários eventos da mesma natureza se acumulam. Não é um evento único, mas uma experiência extremamente negativa que é vivida quase diariamente, por isso os danos são constantes e a pessoa é obrigada a ficar alerta.
Consequências e abordagem do TEPT causado pela violência doméstica
Quando uma pessoa sofre violência de seu parceiro ou de seus pais, ela pode ser seriamente afetada psicologicamente. De fato, foi comprovado que no TEPT a estrutura e o funcionamento de várias áreas cerebrais que medeiam a adaptação ao estresse, o medo condicionado e a tomada de decisões são afetados.
Assim, não é fácil para as vítimas voltarem a confiar nos outros ou estabelecer relacionamentos suficientemente profundos para que ocorra o que chamamos de intimidade. De fato, diferentes investigações mostraram que crianças que sofrem abuso físico antes dos 12 anos também parecem ser mais vulneráveis a colegas que também tentam abusar delas. Da mesma forma, a revitimização é comum em quem sai de um relacionamento de violência doméstica, e é que a pessoa internaliza a ideia de que não merece um relacionamento em que o outro não abuse dela.
Por outro lado, as vítimas muitas vezes sofrem com o aparecimento de gatilhos. Ou seja, estímulos que associam à experiência traumática e que ativam todo o seu estado de alerta, terror e sofrimento. Pode ser, por exemplo, o som de chaves na fechadura, um certo tipo de carro ou o cheiro de perfume; qualquer coisa que lembre o trauma ou o abusador.
Em última análise, essas pessoas enfrentam grande sofrimento; o impacto é ainda maior em crianças que crescem com apego desorganizado. Por isso, é fundamental colocar-se nas mãos de profissionais e recorrer a tratamentos eficazes para o TEPT. No entanto, como em uma situação de violência doméstica o medo pode paralisar a vítima e impedi-la de pedir ajuda, ter uma rede social de apoio será de grande ajuda para iniciar o processo.
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