Angústia moral: quando o que sentimos que deveria ser feito, não é
Todos nós já sentimos angústia moral em algum momento, e ela aparece quando fazemos algo que vai contra os nossos valores. É a contradição eterna entre o dever e a vontade, entre o que o coração dita e o que as circunstâncias demandam . Afinal de contas, a vida se dá por estradas ambíguas, nas quais as coisas nem sempre são como gostaríamos que fossem.
Os exemplos disso são vários. É uma sensação vivida diariamente por profissionais como médicos, enfermeiras e trabalhadores da saúde de modo geral, quando trabalham em más condições que os impedem de dar os melhores cuidados a seus pacientes. Qualquer um de nós sofre quando, por exemplo, não temos escolha a não ser internar nosso avô, pai ou mãe com Alzheimer em uma casa de repouso, pois não dispomos de todos os recursos de que eles precisam.
O mesmo pode acontecer quando precisamos levar nossos bebês ou crianças menores para a creche, pois nosso trabalho nos impede de estarmos com eles. Isso pode ser um sofrimento cotidiano no qual se combinam pesos na consciência, fortes emoções, valores e uma incômoda contradição moral .
Angústia moral: o que é e por que sofremos com ela?
O termo sofrimento moral apareceu pela primeira vez em 1984 graças ao filósofo Andrew Jameton, que procurou descrever um fenômeno cada vez mais comum na sociedade. Como ele explicou, a humanidade atingiu um ponto em que as barreiras institucionais começaram a desafiar nossos princípios morais e responsabilidades éticas.
Essa nova realidade ocorre pela forma como o mercado de trabalho está estruturado. Raramente temos permissão para conciliar nossas vidas familiar e profissional, o que leva ao sofrimento moral . Gostaríamos muito de ficar mais tempo com nossos parceiros ou de ter mais horas para dividir o dia a dia com nossos filhos. No entanto, os cronogramas inconciliáveis e as políticas pouco efetivas são um obstáculo para isso.
Por outro lado, existe um fato claro: é inquestionável apontar que as circunstâncias atuais estão fazendo com que esses questionamentos causem mais sofrimento do que nunca. Novamente, profissionais de saúde sofrem diariamente com a angústia moral devido à lotação dos hospitais. Empresas e trabalhadores de outras áreas também são confrontados frequentemente com situações que causam angústia moral.
Para muitas pessoas, é muito difícil lidar com esta realidade psicológica . O sofrimento pessoal e ético também pode ser sentido por um empregador quando ele é obrigado a demitir seus funcionários por conta da inviabilidade da empresa nas atuais circunstâncias.
O sofrimento que sentimos quando não podemos agir com integridade
De acordo com estudos realizados na Universidade de Valência, a angústia moral está impactando fortemente o campo da enfermagem. Estamos enfrentando uma das maiores tragédias sanitárias que a humanidade já experimentou, e isso afeta vários grupos em nossa sociedade. A área da saúde é, sem dúvidas, a mais afetada.
Esses estudos destacam, por exemplo, que o impacto emocional é mais forte nas situações em que as pessoas não conseguem se despedir de seus familiares, ou seja: perdas sem despedidas são uma grande fonte de estresse. Nesse cenário, o sofrimento por não poder atuar com a integridade que gostariam está afetando fortemente os profissionais de saúde.
Não estamos preparados para a angústia moral
A angústia moral surge basicamente quando detectamos algo que está errado e não podemos agir como gostaríamos diante deste questionamento. Na verdade, vai contra a nossa própria natureza a repressão de nossas respostas éticas nessas situações.
O cérebro está programado para detectar ameaças e situações de risco, atuando sobre elas. Podemos lutar (responder) ou escapar (fugir para sobreviver). Entretanto, quando identificamos algo que não está certo e somos condicionados a “não agir”, o estresse e o sofrimento emocional são ativados no corpo.
Não poder visitar nossos idosos em casas de repouso, neste contexto de alarme de saúde, por exemplo, é algo que dói e contradiz nossos valores. Sabemos que o distanciamento protege o seu bem-estar, mas mesmo assim a mente não consegue evitar a angústia moral. Isso porque a falta de contato emocional e social com os mais velhos é, sem dúvida, algo devastador para eles e para nós.
A resposta é cultivar a resiliência moral
Cynda Hylton Ruston é acadêmica com especialização em ética clínica, além de professora de enfermagem e pediatria na John Hopkins University. Ela cunhou um termo que vale a pena lembrar e manter em mente: resiliência moral. A resiliência moral tem o intuito de aliviar e administrar o sofrimento causado pelos desafios éticos e morais que enfrentamos todos os dias. Para desenvolver esta dimensão, devemos levar em consideração o seguinte:
- Não podemos controlar as circunstâncias que nos cercam, mas podemos controlar as nossas emoções.
- As emoções que podemos sentir em situações de angústia moral não podem ser escondidas ou deixadas de lado. Elas devem ser aceitas, liberadas, gerenciadas e compartilhadas com outras pessoas, no intuito de normalizá-las e, assim, ter um maior controle sobre elas.
- É preciso tentar não nos punir ou nos julgar por realizar ações que podem não se enquadrar em nossos valores. A vida é incerta e não podemos ter controle absoluto sobre o que nos rodeia. Às vezes, a melhor alternativa não é a mais justa, mas é a necessária nas circunstâncias.
- O simples fato de sofrer diante dessas circunstâncias nos lembra de que, dentro de nós, nossos valores e princípios permanecem intactos.
- Da mesma forma, é essencial compartilhar a dor sofrida com outras pessoas. Criar grupos de apoio, conversar com amigos e familiares pode nos ajudar a lidar com o sofrimento moral.
Por último, mas não menos importante, é preciso dar sentido aos desafios que vivemos . Mesmo em um mundo de caos, muitas das coisas que fazemos têm significado. Pode ser difícil encontrá-lo de imediato, mas futuramente, sem dúvida, teremos uma clareza maior.
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- Karakachian, Angela MSN, RN; Colbert, Alison PhD, PHCNS-BC Angustia moral, Enfermería: Octubre de 2017 – Volumen 47 – Número 10 – p 13-15 doi: 10.1097 / 01.ENFERMERA.0000525602.20742.4b