Beleza Americana: as aparências enganam
Beleza Americana, dirigido por Sam Mendes em 1999, é um filme norte-americano que faz uma crítica, com um certo ar satírico, à sociedade da época. No entanto, ele acabou se tornando um clássico, de modo que podemos aplicar perfeitamente o retrato social que ele esboça a qualquer sociedade ocidental atual.
Cabe destacar a escolha do título, que já antecipa o que vamos presenciar: o ideal de beleza norte-americano. Beleza Americana esboça detalhadamente o padrão estabelecido, o molde imposto da “família perfeita”. No entanto, a partir dos primeiros minutos percebemos que toda essa beleza não é mais do que uma simples aparência, efêmera, superficial, e que leva a perigosas consequências. Estamos diante de uma sociedade totalmente grotesca, onde cada personagem representa um papel e deve se adaptar ao mesmo.
O modelo da família ideal em Beleza Americana
Tudo acontece em um bairro residencial tranquilo, e o foco está na família Burnham, formada por:
- Carolyn: a mãe, uma mulher concentrada no mundo das aparências que busca o sucesso profissional.
- Lester: o pai, personagem principal do filme, é um ser apático que se conformou com uma vida da qual não gosta. Seu único momento de felicidade é a masturbação.
- Jane: a filha adolescente cheia de complexos que deverá se confrontar com problemas da sua idade em uma família completamente vazia de sentimentos.
Finalmente, estes personagens encontrarão, de uma forma ou outra, sua libertação diante do sexo; o sexo supõe o lado natural, não artificial e selvagem que tentamos reprimir na sociedade.
Depois de um tempo, novos vizinhos chegam ao bairro, outra família desestruturada. Na chefia se destaca o Coronel Fitts, militar e pai de família, que desenvolveu uma forte negação como mecanismo de defesa: ele se impôs um modelo, deve cumpri-lo e segui-lo cegamente, apesar de isso levá-lo à perda ou negação do seu próprio ser.
Por outro lado, sua esposa é uma personagem totalmente submissa, quase não fala e está obcecada com a limpeza. Eles têm um filho adolescente, Ricky, completamente oposto ao seu pai: ele sai dos padrões sociais e vê a beleza onde ninguém mais a encontra.
A sociedade, um grande baile de máscaras
Beleza Americana mostra as consequências de uma sociedade completamente desumanizada e materialista que contrasta com as inquietudes mais íntimas do ser. Busca um olhar crítico da nossa realidade, na qual desempenhamos papéis, colocamos máscaras constantemente para tentar nos encaixar em padrões.
Nossa sociedade é como um grande baile de máscaras, que vão se modificando com o passar dos anos: filho, pai, avô, etc. Tudo isso para formar um estilo de vida, uma estética baseada nas aparências e nos artifícios, que começou a se esboçar depois da Segunda Guerra Mundial com a promoção do American way of life.
É interessante ver como essas máscaras vão se perdendo quando o sexo aparece em cena, quando os indivíduos se deixam levar por essas paixões. De Lester até o Coronel Fitts, passando pelas adolescentes Jane e Ângela (amiga de Jane), todos sucumbem ao desejo e deixam transparecer os seus autênticos anseios e inseguranças.
“Para ter sucesso, você tem que projetar uma imagem de sucesso”.
– Buddy Kane, em Beleza Americana –
As rosas como metáfora da beleza
A beleza é a chave do filme, e as rosas a metáfora da mesma. Desde a Antiguidade, elas são consideras um símbolo de perfeição. No entanto, a rosa é uma flor traiçoeira, de aparência delicada e frágil pelas suas pétalas, que contrasta com a dureza do seu talo e espinhos. Do mesmo modo, as “famílias perfeitas” norte-americanas só são perfeitas na aparência.
No começo do filme, vemos Carolyn cortando as rosas do seu jardim e como os vizinhos elogiam a beleza das mesmas. Ao cortá-las e colocá-las em um vaso, as transformamos em algo artificial, em algo cuja única finalidade é a contemplação; com o tempo, elas irão murchando, perdendo as suas pétalas e, portanto, a sua beleza. As rosas são uma constante, elas vão dando pistas do que acontece com as vidas dos personagens.
A personagem de Ângela, a amiga adolescente de Jane, está vinculada com a rosa. Corresponde ao protótipo de beleza norte-americano: loira, bonita, magra e líder de torcida… ela exerce uma forte influência sobre Jane.
Ela gosta de se sentir desejada e admirada pelos homens, e faria qualquer coisa para realizar o seu sonho de ser modelo. No entanto, está cheia de inseguranças, sua vida se apoia na estética, e a imagem que projeta de si mesma tem pouca relação com a realidade.
As pétalas das rosas têm conotações sexuais, por isso não é de se estranhar que estejam ligadas à personagem de Ângela. Além disso, essas pétalas caem lentamente, deixando entrever a fugacidade da beleza.
O preço da perfeição
Estamos diante de um filme que busca uma reação do espectador, busca causar incômodo e despertar uma reflexão, uma visão crítica para a nossa vida cotidiana. Com ele, mergulhamos na mente dos personagens, seus desejos mais profundos, as relações que eles têm entre si e como se relacionam com o mundo nas diferentes etapas da vida. A concepção da beleza “padrão” contrasta com o ideal de beleza do personagem de Ricky que, curiosamente, é o que vive mais à margem do estabelecido.
É interessante destacar o papel que a música tem e como ela nos envolve nessa atmosfera, como os personagens selecionam uma determinada música dependendo do momento no qual se encontram. Vemos isso, especialmente, nas cenas que acontecem dentro dos veículos. Neles, não existem máscaras; eles podem ser eles mesmos, a solidão os liberta e o poder de dirigir vai acompanhado da música escolhida para a ocasião. É o momento de ser eles mesmos.
Beleza Americana apresenta as duras consequências da nossa sociedade contemporânea, mostra como o medo é o principal culpado de tentarmos manter as aparências e não nos aceitarmos como realmente somos. Nós negamos, nos escondemos e usamos uma infinidade de máscaras para podermos nos adaptar e sobreviver aos padrões estabelecidos. Sem dúvidas, as aparências enganam.
“Nunca subestime o poder da negação”.
– Ricky Fitts, em Beleza Americana –