Black Mirror: 'Volto logo', a perda do ente querido

Black Mirror: 'Volto logo', a perda do ente querido
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 27 janeiro, 2023

Black Mirror é uma série britânica cujos episódios são totalmente independentes uns dos outros, nem sequer os atores são os mesmos. Não se trata de uma série antológica como American Horror Story, já que cada episódio é como um breve filme, com atores, personagens e cenários completamente diferentes. As temporadas também não seguem nenhum tipo de ordem ou possuem o mesmo número de capítulos.

Black Mirror tende a expor, em um tom crítico, o uso que fazemos das novas tecnologias. Isto é feito apresentando futuros distópicos ou situações extremas.

O primeiro episódio da segunda temporada de Black Mirror é intitulado “Be right back” (em português, “Volto logo”). Neste episódio, conhecemos um jovem casal formado por Martha e Ash. Ash é um homem viciado em redes sociais, e desde o início vemos como ele publica sua vida na Internet.

Este vício afeta Martha, pois mesmo quando ela conversa com ele ou pede ajuda, ele está muito distraído com seu smartphone e não dirige sua atenção a ela. É um retrato bastante realista do uso que fazemos das redes sociais e de como às vezes, mesmo se estamos acompanhados, prestamos mais atenção ao celular do que em nosso companheiro.

No início do episódio, Ash diz a Martha que quando seu irmão e pai morreram, sua mãe removeu todas as fotos na sala de estar e as manteve no sótão. Logo depois, Ash sofre um acidente de trânsito e morre.

Black Mirror: cena do episódio 'Volto logo'

Depois da morte de Ash, vemos Martha apática, não fala, não chora… Durante o funeral, uma amiga começa a falar com ela sobre um estranho aplicativo que vai ajudá-la a “enfrentar” a perda. Martha, em um estado de negação, reage com raiva. Até que finalmente aceita a sugestão da amiga.

O aplicativo mencionado por sua amiga é capaz de “restituir” a vida, pois realiza um rastreamento completo de todos os nossos dados distribuídos nas rede sociais, sendo capaz de reproduzir a nossa maneira de falar com precisão total. Ash era um viciado em redes sociais, assim, será o indivíduo perfeito para resgatar o maior número de informações e obter mais precisão na reprodução de suas palavras.

Black Mirror: cena do episódio 'Volto logo'

Martha começa a conversar com “Ash” e fica espantada ao ver que ele é exatamente como seu namorado. O aplicativo vai além do bate-papo e permite a reprodução de voz e, assim, eles começam a falar ao telefone.

A perda de um ente querido é sempre dura, podendo ser muito difícil aceitá-la. Por vezes, é necessário pedir ajuda profissional. Martha nega a morte e, diante dessa negação, surge a possibilidade de “ressuscitar” Ash, por isso, ela aceita e entra em uma espiral muito arriscada.

O luto em Black Mirror

O luto é um processo lento e doloroso que requer um grande esforço da nossa parte, mas é necessário enfrentá-lo e passar por todas as suas fases para uma superação bem-sucedida. Aceitar que um ente querido faleceu não significa esquecê-lo, nossos entes queridos podem viver em nossa memória, mas é necessário olhar para o futuro e aceitar a perda, com o objetivo de seguir em frente.

Martha tem a oportunidade de “não dizer adeus”, de reviver Ash e, em um momento tão delicado, ela aceita. Pode ser um pouco assustador quando vemos o episódio; no entanto, é muito provável que muitos de nós caíssemos em tentação se a oportunidade de adiar a despedida nos fosse apresentada.

Martha se fecha em si mesma e deixa os vivos de lado, chegando a esquecer que ainda tinha uma irmã. Há um momento chave quando Martha sofre um ataque de ansiedade por acidentalmente quebrar o telefone utilizado para falar com Ash. Nesse momento, ela sente que voltou a perdê-lo, que Ash voltou a deixá-la. É nesse momento que o aplicativo lhe oferece a possibilidade de dar um passo a mais.

“A vida dos mortos está na memória dos vivos”.
-Cicero-

Este passo a mais consiste em comprar um boneco biônico que assumirá a forma de Ash, falará como Ash e, em suma, será um clone exato de Ash. No entanto, ainda é uma espécie de robô, ausente de sentimentos, o que faz com que Martha comece a se cansar e o que no início parecia uma boa ideia, agora produz o inverso.

Durante o episódio, descobrimos que Martha está grávida e que toma conhecimento da notícia após a morte de seu namorado, motivo que tornará ainda mais difícil a aceitação de sua perda. A notícia da gravidez lhe traz relutância e tristeza por não poder viver o momento junto com Ash.

Finalmente, a cópia de Ash será demais para Martha e ela acabará por enfrentar a situação. Ash está morto e não há como voltar atrás, então Martha tranca a cópia no sótão, assim como a mãe de Ash havia feito com as fotos de seus familiares falecidos. No final do episódio, a vemos alguns anos mais tarde com sua filha. A menina se dirige a Ash chamando-o pelo nome, e não como papai, porque é uma cópia de seu pai. Pensa como ele, fala como ele e é exatamente como ele, mas é realmente Ash?

Black Mirror: cena do episódio 'Volto logo'

Black Mirror e as novas tecnologias

A série se concentra principalmente no uso que fazemos de novas tecnologias, mas gostaria de destacar este episódio por ser o mais humano e próximo e por tratar de uma situação bastante peculiar.

Que uso fazemos das redes sociais? Até que ponto estamos protegidos na Internet? O aplicativo foi capaz de recriar Ash com precisão, sua maneira de falar, sua voz, seus gostos… Mesmo a sua aparência física, que reproduz sua aparência em um bom dia, na melhor das suas versões, porque, como explicado pela própria cópia de Ash, todos nós disponibilizamos nossas melhores fotos nas redes sociais.

Portanto, é possível considerar se a imagem que mostramos de nós mesmos na Internet é uma imagem real ou é uma miragem. Só mostramos o que queremos que seja visto e, nas redes sociais, a competição por ser o melhor em tudo é bastante palpável. De certa forma, cada vez que compartilhamos algo na rede, esse algo irá permanecer lá até o fim da Internet e, como consequência, uma parte de nós; de alguma maneira, as redes sociais são um passo para a imortalidade.

Black Mirror: cena do episódio 'Volto logo'

O aplicativo sabe tudo sobre Ash, ou seja, a informação que ele compartilhou não estava realmente protegida, pois um aplicativo estranho para ele foi capaz de saber tudo a seu respeito. Se pensarmos no número de pessoas que acessam diariamente as redes sociais, perceberemos que essa informação é infinita e que realmente não sabemos até que ponto ela pode estar protegida.

O momento da criação da cópia se dá em uma banheira fria e escura, algo que já nos antecipa que nem tudo será perfeito, que vamos ver uma espécie de monstro, como Frankenstein. Toda esta ressurreição mantém, no final, um lado sombrio que vai além da superação da perda do ente querido, porque passa também a questionar como e em que medida estamos conscientes do impacto que as redes sociais têm em nossas vidas.

“A vida nada mais é que uma sombra que passa”.
-William Shakespeare-


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