Cheiros da infância: portas para o nosso passado emocional
Lápis de cor, bolo de chocolate, a grama cortada no verão, o quarto dos avós onde não podíamos entrar e o perfume das nossas mães quando nos abraçava. Os cheiros da infância habitam nossos cérebros como portas entreabertas, como poderosas conexões a um passado emocional que acessamos para lembrar daqueles dias felizes.
Os psicólogos os chamam de “Fragrant Flashbacks”, que demonstram a íntima relação que existe entre a memória, o olfato e nossa infância. Até os 5 anos o jeito que uma criança registra a sua lembrança está intimamente relacionado com o cheiro, mas conforme crescemos começam a ter mais peso o sentido da visão e da audição.
A infância tem o seu próprio jeito de sentir e de entender o mundo. Não podemos substituí-lo pelos nossos; as crianças precisam preencher o seu próprio baú de experiências de estímulos positivos, de afeto e descobertas maravilhosas.
O estudo dos cheiros e o seu relacionamento com a memória infantil é um tema apaixonante e ainda pouco pesquisado. Contudo, cientistas como a doutora Maria Larsson revelam que, na verdade, o nariz é a “entrada física” para o nosso mundo emocional. Nele se desenvolvem processos maravilhosos e desconhecidos sobre os quais queremos falar nesta ocasião…
Cheiros da infância, um vínculo direto com as nossas emoções
Helen Fields, escritora e especialista em medicina do museu Smithsonian, explica através do seu livro “Frangrant Flashbacks” que durante a primeira infância o cheiro, juntamente com o paladar, são nossos “canais químicos” mais importantes para entender o mundo. Passados os 5 anos de idade, deixamos de ter a necessidade de levar as coisas à boca, e nosso nariz também deixa de ser tão receptivo.
Poderíamos dizer que o olfato era, até pouco tempo atrás, esse “sentido” no qual apenas os perfumistas e sommeliers eram especialistas, quando na verdade estamos diante do canal mais poderoso que conecta o cérebro e que, por sua vez, é capaz de ativar emoções e lembranças muito concretas. Vejamos este processo interessante.
Só há um cheiro que pode competir com o cheiro de chuva: o cheiro de madeira de lápis.
– Ramón Gómez de la Serna –
Mecanismo pelo qual um cheiro ativa uma emoção
Quando as moléculas do cheiro de uma flor ou o cheiro de chuva e terra molhada, por exemplo, se unem aos epitélios do nariz, um sinal direto é enviado ao bulbo olfativo, uma pequena e delicada estrutura situada um pouco acima dos olhos.
A partir dai, tem início uma viagem fascinante que levará o sinal a dois canais muito concretos:
- Em primeiro lugar até o córtex olfativo primário para que possa identificar e classificar esse cheiro.
- Logo, esse sinal olfativo irá em direção a amígdala, uma área relacionada às emoções, chegando a seguir ao hipocampo, responsável também pela memória.
- Este dado é, sem dúvida ainda mais surpreendente: segundo uma pesquisa realizada nos anos 90 no “Monell Chemical Sciences Center” da Filadélfia, os bebês já são receptivos ao cheiro antes do nascimento.
- Através de um amniocentese descobriu-se que a dieta da mãe também é percebida “em cheiros” através do líquido amniótico, e que portanto o feto inicia o seu aprendizado também neste aspecto muito cedo. Um dado fascinante, sem dúvida.
Como podemos ver, por alguma razão muito certa o olfato sempre anda junto com as emoções. Um cheiro agradável não apenas oferece bem-estar ou evoca lembranças positivas, mas também pode fazer com que “consumamos mais”. Por isso, muitas lojas usam o neuromarketing aproveitando o poder das nossas emoções através do olfato.
A memória olfativa como terapia
Todos já sentimos esses cheiros de infância que chegam de repente, quando menos esperamos: ao abrirmos um velho livro e sentirmos um estranho “déjà vu”, ou ao associarmos a fragrância da canela a aquele bolo que a vovó fazia…
Pensar que pode chegar um momento em que se perca “este caminho mágico” que conecta o cheiro com a emoção é uma coisa que todos nós deveríamos lamentar. Contudo, um sintoma que logo aparece no Alzheimer ou no Parkinson é precisamente a perda gradual do olfato.
- Existem terapias muito interessantes que procuram deter esta perda da memória olfativa através da estimulação como mecanismo para brecar, na medida do possível, a própria perda da memória.
- É um fato conhecido que no caso do Alzheimer o aspecto emocional continua muito vivo, muito ativo, por isso usar o olfato como mecanismo para ativar a memória através da emoção é um aspecto interessante a considerar.
Exercícios como levar os que sofrem desta doença para passear depois de um dia de chuva, deixar que cheirem os odores da cozinha, ou o perfume da roupa limpa, seriam esforços cotidianos com os quais brecar um pouco a doença e, acima de tudo, oferecer bem-estar ao paciente permitindo que evoque instantes significativos do seu passado.
Os cheiros da sua infância, por exemplo…