Como as distorções cognitivas nos afetam?
Hoje vamos conhecer alguns mecanismos presentes em todas as pessoas, que possuem um papel muito importante, mas que frequentemente passam despercebidos. Poderíamos dizer que são como autores de crimes perfeitos. No entanto, antes de definir o que são as distorções cognitivas, vou apresentar um fragmento do relato de uma paciente que procurou uma consulta psicológica:
“Todas as vezes que fico deprimida me sinto como se tivesse sido atingida por um choque cósmico e começo a ver as coisas de forma diferente. A mudança pode acontecer em menos de uma hora. Meus pensamentos se tornam negativos e pessimistas. Quando examino meu passado, eu me convenço de que nada do que fiz tem valor.
Todos os momentos felizes parecem uma ilusão. Minhas conquistas parecem tão verdadeiras quanto o cenário de um filme de faroeste. Eu chego a me convencer de que a minha verdadeira personalidade não tem valor nem sentido. Não consigo progredir no meu trabalho porque a dúvida me deixa paralisada. Não consigo ficar quieta porque o sofrimento é insuportável”.
Estamos diante de um caso de uma paciente afetada por sintomas depressivos, apesar de também ter relatado sintomas de ansiedade, mas isso é o de menos. O importante é que esses sintomas são fruto de uma situação, de um acontecimento ou de alguma coisa que aconteceu com ela. Ou não.
Costumamos dizer que nos sentimos de determinada maneira porque nos aconteceu alguma “coisa”, como se necessariamente um ponto nos levasse a outro e nós não tivéssemos nada a dizer sobre isso. No entanto, costumamos ignorar os pensamentos que temos ou, o que na verdade são a mesma coisa, aquelas mensagens internas que dizemos a nós mesmos após a percepção de um fato.
O papel dos pensamentos ou do nosso diálogo interno é fundamental para compreender como chegamos ao estado emocional em que nos encontramos em determinado momento. Assim, nossos pensamentos vão influenciar a forma como nos sentimos na mesma quantidade ou mais que o próprio fato em si. Fazendo uma analogia culinária, a composição de determinado alimento influencia o sabor da comida, mas também faz diferença, e muita, a forma como mastigamos.
“A maneira de ‘mastigar os fatos’ é o que em última instância determina o aparecimento de sentimentos como tristeza, raiva, ira, felicidade ou medo”
Nossos pensamentos dão lugar a nossas emoções
Os pensamentos negativos que invadem a nossa mente são a verdadeira causa das nossas emoções. O oposto também é verdadeiro, já que os pensamentos são o ponto de partida a se considerar quando queremos realizar um bom controle emocional.
Proponho um exercício. Sempre que você se sentir deprimido em relação a alguma coisa, tente identificar qual pensamento tinha naquele exato momento. Como os pensamentos criam os estados emocionais, vamos conseguir modificá-los se mudarmos tais pensamentos.
Provavelmente alguém será cético em relação a tudo isso. A razão é que seu modo de pensar negativo se incorporou tanto na sua vida que se transformou em algo automático. Muitos pensamentos passam pela mente de forma automática e fugaz, sem que estejamos conscientes disso. São tão evidentes e naturais quanto a forma como seguramos um garfo.
É um fato neurológico evidente que, antes de poder experimentar qualquer acontecimento, devemos processá-lo em nossa mente e dar um significado, seja de forma consciente ou inconsciente. Os pensamentos, em geral, se alimentam de diálogos que mantemos conosco. Assim, essa frase que tem séculos de história faz sentido:
“As pessoas ficam perturbadas não com os acontecimentos, mas com suas opiniões (pensamentos) sobre os acontecimentos.”
-Epiteto Século I A.C.-
Diferenças entre pensamento racional e irracional
O racional significa aquilo que é verdadeiro, lógico, pragmático e baseado na realidade (pelo menos neste artigo vamos assumir este significado). Portanto, é um facilitador para que as pessoas conquistem suas metas e seus propósitos (Ellis, 1979a).
Por outro lado, o irracional é aquilo que é falso, ilógico, que não está baseado na realidade e que dificulta ou impede que as pessoas conquistem suas metas e seus propósitos mais básicos (pelo menos vamos assumir esse significado neste artigo). O irracional é aquilo que interfere na nossa sobrevivência e na nossa felicidade (Ellis, 1976).
Albert Ellis, psicólogo precursor da terapia cognitiva, identificou uma série de ideias irracionais básicas que eram presentes na maioria das pessoas. Vejamos alguns exemplos de ideias irracionais:
- É uma necessidade extrema para o ser humano adulto ser amado e aprovado por praticamente cada pessoa significativa da sua comunidade.
- É terrível e catastrófico o fato de as coisas não seguirem o caminho que desejamos que seguissem.
- A desgraça se origina de causas externas. As pessoas têm pouca ou nenhuma capacidade de controlar seus sofrimentos e suas perturbações.
- Algumas pessoas são vis, malvadas e abomináveis. Devem ser seriamente culpabilizadas e castigadas pela sua maldade.
Existem mais ideias irracionais, mas não vamos colocá-las aqui porque vamos nos focar nas distorções cognitivas.
O que são as distorções cognitivas?
Somos bombardeados por pensamentos irracionais na nossa cultura. Quando ouvimos música, assistimos filmes, novelas, lemos romances, encontramos muitos pensamentos irracionais que podemos incorporar, se já não tivermos feito isso, como parte das nossas próprias crenças.
Com isso, não quero dizer que devemos parar de assistir televisão ou de ouvir música ou que devemos nos afastar da sociedade. Mas sim que devemos questionar o que ouvimos ou vemos na televisão e fazer questões antes de agregar essas ideias às nossas crenças e aos nossos valores.
“Há três monstros que nos impedem de avançar: tenho que fazer certo, você deve me tratar bem, e a vida deveria ser fácil.”
-Albert Ellis-
Assim, as distorções cognitivas ou erros de pensamento são pensamentos distorcidos sobre a realidade que nos rodeia. Frequentemente costumam ser automáticas e pode nos custar muito trabalho perceber que as temos. Por isso, a ajuda de um psicólogo especializado pode ser muito útil. O passo seguinte, uma vez que já as identificamos, seria trocar essas distorções por pensamentos mais “realistas” ou adaptativos.
As distorções cognitivas, grosso modo, são responsáveis por fazer com que nos sintamos tristes, ansiosos, bravos, etc. À medida que as identificamos e as modificamos, nos sentimos melhor.
Tipos de distorções cognitivas
Pensamento de tudo ou nada
É uma distorção na qual tendemos a enxergar qualquer coisa de maneira extremista, sem meios termos. É o típico pensamento de “tudo ou nada” ou “branco ou preto”. Consideramos que as coisas podem ser apenas boas ou ruins, que as pessoas podem ser perfeitas ou fracassadas. Exemplo: “Ou tenho sucesso em tudo o que faço ou sou um completo inútil”.
Generalização excessiva
Trata-se de tirar conclusões gerais a partir de fatos particulares. Ou seja, se aconteceu algo negativo em uma situação, espera-se que vá acontecer de novo e de novo. Por exemplo, se um jovem recebe um não de uma garota, pode generalizar pensando que todas as mulheres vão recusá-lo no futuro.
Filtro mental
A pessoa escolhe um detalhe negativo de qualquer situação e se fixa exclusivamente nele, enxergando, assim, toda a situação como negativa. Exemplo: a esposa que destaca apenas os pontos negativos do seu marido para as outras pessoas, sem comentar os vários aspectos que de fato são maiores que os negativos, como “responsável”, “trabalhador”, “carinhoso”, entre outros.
Leitura do pensamento
Trata-se de supor as razões ou as intenções das outras pessoas, considerando essa interpretação como a única válida quando na realidade existem várias outras possíveis. Acreditamos adivinhar exatamente o que as outras pessoas estão pensando, tirando conclusões equivocadas na maior parte do tempo. Isso significa que tiramos conclusões precipitadas ao ler o pensamento das outras pessoas. Exemplo: “não está prestando atenção, com certeza não está interessado no que estou falando”. Essa é uma das distorções cognitivas que mais acontecem em um relacionamento.
Personalização
É a tendência de relacionar alguma coisa do ambiente consigo mesmo. Ou seja, pensamos que tudo gira ao nosso redor e, por isso, nos acostumamos a distorcer os fatos. Outro tipo de personalização é quando nos comparamos com as outras pessoas. Por exemplo, se alguém faz um comentário aberto sobre a irresponsabilidade das pessoas, consideramos que esse comentário foi dirigido a nós. A pessoa que é muito sensível à personalização acredita ser alvo de constantes indiretas.
Racionalização emocional
Na raiz dessa distorção está a crença de que o que a pessoa sente teria que ser verdadeiro. Tomamos nossas próprias emoções como prova da verdade por falta de dados objetivos. Exemplo: “Se me sinto como um perdedor, então é porque sou um perdedor”.
Conclusões precipitadas
É uma distorção na qual tiramos determinadas conclusões sem ter todos os dados que precisamos para isso. A conclusão à qual chegamos é, portanto, arbitrária e sem fundamento. Exemplo: “Com certeza minha família não vai gostar dessa comida que estou preparando”.
Magnificação e minimização
A magnificação acontece quando nos fixamos apenas nos nossos erros, medos ou imperfeições e exageramos sua importância: “Meu Deus, eu cometi um erro. Que coisa horrível! Que coisa horrível!” A minimização acontece quando minimizamos nossas qualidades: “Não sou tão inteligente nem tão bom em matemática. Ter tirado 9 na prova não significa nada”.
“A mente que se abre a uma nova ideia nunca vai voltar ao seu tamanho original.”
– Albert Ellis –
Os “deveria”
Nessa distorção, a pessoa se comporta de acordo com regras inflexíveis que deveriam reger a relação de todas as pessoas. As palavras que indicam a presença dessa distorção são ‘deveria’ ou ‘teria’. Com essa regra, o indivíduo não julga apenas as outras pessoas, mas também a si mesmo. Por exemplo: “Os outros deveriam me entender, não tinham que me tratar dessa maneira”, “Eu não deveria me comportar assim”…
Rotular
É uma forma extrema de generalização excessiva. Em lugar de descrever o erro que cometemos, nos colocamos um rótulo negativo: “Sou um perdedor”. Quando o comportamento de alguém não nos parece correto, colocamos outro rótulo negativo: “É um maldito de um mentiroso”.
A forma de lutar contra nossos pensamentos irracionais inclui:
- Perceber quando nos sentimos mal.
- Identificar quais pensamentos estão passando pela nossa cabeça no momento.
- Analisar se correspondem a alguma das distorções cognitivas que conhecemos.
- Substituí-los por pensamentos mais adaptativos, modificando nossa linguagem e nosso diálogo interior.
De uma forma ou outra, todos nós já fomos alguma vez vítimas de pelo menos uma dessas distorções cognitivas, e continuaremos sendo. Por outro lado, quanto mais nos familiarizarmos com elas e entendermos como agem particularmente em cada pessoa, mais conseguiremos controlar seus efeitos e, inclusive, tirar proveito deles.
Bibliografia:
- David D. Burns (1980), Sentirse bien. Una terapia contra las depresiones, Barcelona: Paidós.
- Isabel Caro Gabalda (2007), Manual teórico-práctico de Psicoterapias Cognitivas, Bilbao: Descleé de Brouwer.
- Albert Ellis (1992), Manual de Terapia Racional Emotiva, Bilbao: Descleé de Brouwer.
- J. Jesús Montes Cortés (2006), Manual para el manejo de pensamientos irracionales, Guadalajara: Universidad.