Confiar em excesso: quando a confiança se torna um erro
Pode haver quem nos acuse de confiar em excesso. No entanto, podemos ser punidos e rotulados de “ingênuos” por depositar nossa confiança em alguém? A verdade é que não, em nenhum caso. Porque oferecer confiança e esperar recebê-la não é um erro. O problema está em quem mente, em quem brinca com os corações alheios e distorce as essências do respeito.
Lao-Tse disse que aqueles que não confiarem o suficiente não serão dignos de confiança. De algum modo, tanto se gostarmos ou não de alguém, todas as pessoas são “obrigadas” a confiar nos outros para conviver. Caso contrário, viveríamos em ambientes caracterizados pela angústia permanente. Se não fosse assim, ninguém se atreveria, por exemplo, a segurar o volante de um carro, andar em qualquer transporte público ou deixar as crianças na escola a cargo dos funcionários do local.
Nossa cultura e nossa civilização baseiam grande parte de sua essência social e suas dinâmicas no princípio da confiança. Precisamos da confiança para poder conviver, para poder reduzir a sensação de medo e incerteza em nossas relações; porque confiar, afinal de contas, é esse ato de fé que praticamos diariamente com os olhos fechados, mas com o coração aberto.
Por isso, por vezes, podemos sentir uma dor enorme quando alguém nos acusa de confiar em excesso após passar por uma experiência negativa. Quando nos dizem algo do tipo, ao sofrimento pela própria decepção vivida acrescenta-se a dúvida de: será que fui ingênuo demais nesse caso? Deveria ter encarado a situação com mais malícia e ter sido mais prudente?
“Você deve confiar nas pessoas. Caso contrário, a vida se torna impossível”.
-Anton Chekhov-
Confiar em excesso, o poder das emoções
Podemos dizer que a palavra “confiança” é uma das mais bonitas que existem. Esse termo não apenas define nossa capacidade de criar conexões baseadas na segurança e no afeto pleno com os outros, mas também um princípio que nos leva à ação, uma ação na qual não existe o medo, com base na qual não nos atrevemos a nos relacionar sem uma sensação de preocupação ou receio.
No entanto, há uma informação que pode chamar nossa atenção. Assim como afirma o psicólogo Joe Bavonese, do Relationship Institute em Royal Oak, Michigan, as pessoas se tornaram mais desconfiadas nos últimos dez anos.
Um fator que explica isso são os avanços das novas tecnologias. Graças a elas, temos acesso a um grande número de informações e também temos a possibilidade de conhecer muito mais pessoas. No entanto, nenhuma dessas dimensões é 100% confiável para nós.
Ao mesmo tempo, parece que viver em um presente tão enraizado na incerteza (econômica, social, política, etc.) também afeta nossas relações. Somos um pouco mais cautelosos, um pouco mais exigentes. Ainda assim, há muitas pessoas que são rotuladas como indivíduos que confiam em excesso. Como são essas pessoas que, por vezes, pecam com excesso de confiança nos outros?
A confiança afetiva (ou emocional) e a confiança cognitiva
Quando as pessoas constroem laços de confiança, elas o fazem através de duas dimensões muito específicas:
- Em primeiro lugar está a confiança afetiva, a qual se nutre principalmente do plano emocional. É quando sentimos que essas ou aquelas pessoas são dignas de confiança porque é isso que nosso coração nos diz, porque nos sentimos bem perto delas, porque as emoções que nos fazem sentir são muito valiosas para nós.
- A confiança cognitiva. Nesse caso, à dimensão emocional são acrescentados os julgamentos, os pensamentos e as crenças. As pessoas já têm uma série de juízos que nos convencem de um modo, talvez, mais prático e objetivo do motivo pelo qual essas pessoas são confiáveis.
Assim como explicado em um estudo realizado por Jennifer Dunn, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, quando confiamos em excesso, talvez nos deixemos levar em excesso pelo plano emocional. Nossos julgamentos nem sempre se ajustam à realidade e nós nos limitamos, possivelmente, a escutar nossas emoções sem sermos capazes de ver ou analisar outros indícios mais concretos.
Quando confiar é um erro?
Confiar nos outros nunca será um erro cometido por nós. Não podemos esquecer que nosso cérebro é um órgão puramente social projetado para conectar, estabelecer relações e garantir assim a nossa sobrevivência. A confiança é um princípio básico no ser humano e, por isso, passar por uma decepção, uma traição ou uma mentira é vivido frequentemente como algo traumático.
Portanto, deixando esse aspecto claro, em quais situações podemos nos criticar por confiar em excesso? Estes seriam alguns exemplos.
Quando não levamos as experiências passadas em consideração
Pode ser que alguém nos decepcione uma vez ou, até mesmo, duas vezes. No entanto, se após várias decepções, ofensas, maus momentos e amarguras, continuarmos depositando nossa confiança nessa pessoa, o erro é nosso.
A experiência é sempre a melhor conselheira. Portanto, ninguém pode recriminar a si mesmo por ter errado uma vez. Viver também é cair, também é tropeçar e deixar nosso coração nas mãos erradas. No entanto, após essas situações é preciso ter um momento de introspecção e tirar disso um bom aprendizado. Tropeçar várias vezes na mesma pedra não é positivo para ninguém.
Quando esquecemos que devemos ser exigentes nas relações
Confiar em excesso implica, por vezes, se expor a sofrer um dano desnecessário. Nunca é demais aplicar um pouco de excelência em matéria de relacionamento e se atrever a ser sofisticado e exigente na hora de escolher amigos e parceiros.
Por isso, é necessário lembrar quais são os três princípios indiscutíveis da confiança. Aqueles que ninguém deve infringir:
- Confiança é saber que somos merecedores de receber apoio e ajuda quando precisamos ou pedimos.
- Confiança é poder fazer confidências sem sermos julgados nem traídos.
- Por fim, confiança é saber que não vamos ser machucados em nenhum sentido por parte da pessoa em quem depositamos nossa confiança.
Para concluir, todos nós precisamos poder confiar em alguém. Sem esse suporte cotidiano, a vida se torna dura e perde impulso… Portanto, devemos procurar ser bons provedores dessa dimensão com os demais, mas também prudentes na hora de escolher em quem depositar esse bem tão precioso.
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- Dunn, J. R., & Schweitzer, M. E. (2005). Feeling and believing: The influence of emotion on trust. Journal of Personality and Social Psychology, 88(5), 736–748. https://doi.org/10.1037/0022-3514.88.5.736
- Rempel, J. K., Holmes, J. G., & Zanna, M. P. (1985). Trust in Close Relationships. Journal of Personality and Social Psychology, 49(1), 95–112. https://doi.org/10.1037/0022-3514.49.1.95