Correr uma maratona: um desafio de mentalização

Correr uma maratona: um desafio de mentalização
Sara Clemente

Escrito e verificado por psicóloga e jornalista Sara Clemente.

Última atualização: 29 dezembro, 2022

O esporte, a partir de um certo nível de dedicação e habilidade, torna-se uma disciplina extremamente psicológica, além de física. Correr uma maratona, enfrentar um rival ou entrar para um grupo como parte de uma equipe em qualquer modalidade esportiva requer mentalização, esforço, preparação e treinamento. Sem esses ingredientes, o sucesso pessoal pode se tornar inatingível.

Portanto, para atingirmos os nossos objetivos, seja profissionalmente ou para bater as próprias marcas, é necessário cuidar do aspecto mental. Concentrar-se e “preparar a cabeça” para a corrida é essencial, especialmente se o esporte for encarado como um desafio em que o nosso maior rival somos nós mesmos, com nossos medos e expectativas.

O treinamento mental e psicológico

No atletismo, talvez a maratona seja uma das provas em que o aspecto psicológico tenha um peso maior. A parte física e mental são testadas na preparação, onde os dias estão cheios de quilômetros percorridos e pernas com pequenas ou grandes dores que vão mudando de um tornozelo para o outro. De fato, os bons maratonistas, aqueles que fazem uma preparação planejada da prova, costumam dizer que o mais difícil é a preparação, o que não significa que nesses 42 km não haja momentos ruins.

Dessa forma, o treinamento físico é acompanhado por um treinamento em resiliência. Há momentos em que a tentação de abandonar tudo é muito grande. Instantes em que pensamos: “O que eu estou fazendo aqui, sozinho e sofrendo, quando eu poderia estar tranquilamente em casa lendo um livro ou, no caso de profissionais, fazendo outro tipo de trabalho?”

Pessoa correndo maratona

Outro fator psicológico importante, além de superar a dor e a fadiga, é enfrentar a ansiedade. Aquele nervoso que aparece nos dias anteriores à prova e que contém a pressão de não termos a certeza de como o corpo reagirá ao treinamento realizado. O maratonista sabe que durante esses últimos dias o efeito do treinamento será menor.

O condicionamento físico que ganhou durante o treinamento dos meses anteriores pode ser perdido com uma pequena gripe ou um vírus. Assim, nestes últimos dias, em que a quantidade de quilômetros nos treinos diminui, aumenta a sensibilidade a qualquer tipo de sentimento estranho.

Finalmente, antes de entrar completamente na psicologia dentro da prova, é preciso ressaltar que a decisão de correr uma maratona não deve ser um impulso. Deve ser o fim de um longo processo, no qual tanto o corpo quanto a mente se adaptam pouco a pouco com treinamentos cada vez mais pesados.

Correr esta prova é um enorme impacto a nível orgânico, mesmo para os atletas mais preparados. Por isso, é loucura tentar correr sem levar pelo menos dois anos para assimilar os treinamentos e participar de competições mais curtas. Ou seja, preparando a parte física e mental, antes de fazer uma preparação específica para a maratona (3-4 meses).

Dentro da própria competição, a psicóloga Rocío Parrado ressalta que o maratonista passa por diferentes estados emocionais. Nós já sabemos que o corpo tem um limite físico e mental. É por isso que, mesmo se você treinar, um esporte tão difícil quanto este não pode ser “levado na brincadeira”. Fortalecer a mente é primordial.

As 6 fases mentais ao correr uma maratona

Tomás Vich Rodríguez, em seu livro “O que passa pela cabeça de um maratonista”, assegura que durante a prova acontecem seis etapas ou fases diferentes:

  • Euforia: ocorre antes da corrida começar e durante os primeiros quilômetros. É caracterizado pela ansiedade pré-corrida. Os pensamentos alegres se misturam com outros que refletem as primeiras dúvidas. Em qualquer caso, o corpo deve chegar descansado à prova e a mente ansiosa para percorrer os quilômetros.
  • Conversa: acontece entre os quilômetros 6 a 15, aproximadamente. Muitos dos corredores começam a conversar com os colegas. Há uma tendência a acelerar o ritmo, impulsionado pelo incentivo do público, o que provoca um esgotamento prematuro.
  • Transição: do 16 até o quilômetro 23. É uma etapa psicologicamente neutra. A maioria dos corredores agem como “devem”, concentrados e focados no seu próprio ritmo.
  • Isolamento: entre os quilômetros 24 a 31. É quando a maratona realmente começa. Você começa a sentir o peso da corrida, o sofrimento físico e mental. A angústia começa e a única coisa que você quer é que a maratona termine. O desejo de correr começa a desaparecer e a mentalização fraqueja.
  • Sofrimento: do quilômetro 32 ao 42. A “parede” pode chegar, um dos obstáculos mais temidos da corrida. Isso é o que os especialistas chamam de momento em que o atleta, devido ao esgotamento das reservas de glicogênio, começa a usar a gordura como principal fonte de energia para nutrir os músculos.
  • Celebração do final da corrida: últimos metros. Ocorre quando o atleta adquire a certeza de que alcançará aquele objetivo que algumas centenas de metros antes parecia tão distante.

Mentalização por fases

Se você conseguir reconhecer e controlar as sensações experimentadas durante a maratona, conseguirá fazer uma boa corrida.

  • Euforia: devemos estar cientes de que, após a descarga inicial de adrenalina, a exaustão chega. É preciso utilizar algumas estratégias para que a alegria do primeiro quilômetro se mantenha até o final da maratona.
  • Conversa: temos que detectar as sensações que nos fazem aumentar o ritmo. Por exemplo, o apoio do público. Agir com a cabeça e não se deixar levar pelas emoções é crucial para esse processo de mentalização.
  • Transição: nos sentimos confortáveis ​​nessa fase. O essencial é não relaxar e manter o ritmo.
  • Isolamento: é uma das piores fases. Normalmente prevalecem os pensamentos negativos, então temos que tentar pensar nos aspectos positivos: “Eu esperava que fosse assim”, “É outra fase da corrida”, “Calma, vai passar”. Nesta fase, a experiência anterior conta muito.
  • Sofrimento: o objetivo não é pensar na meta, porque ela parece muito distante e até inatingível. Portanto, vamos colocar nossos objetivos no próximo quilômetro. A nossa motivação é avançar pouco a pouco até a reta final.
  • Celebração do final da corrida: há uma descarga de adrenalina que pode nos devolver, apesar do cansaço, aquele sentimento inicial de euforia.
Mulher alongando a perna

Antecipar as consequências

Para que esses eventos emocionais que ocorrem durante a corrida não o dominem e acabem com a sua maratona, a mentalização é necessária. Este treinamento psicológico prévio deve ser baseado na antecipação.

Durante a preparação, apesar de nunca percorrer a distância total da competição, o atleta experimenta pelo acúmulo de treinos situações mentais semelhantes em sofrimento às da própria maratona. Isto se consegue através do acúmulo de treinamento ou pontos de intensidade muito alta sustentada por um determinado tempo (séries).

Estas séries também nos ajudarão, juntamente com os treinos mais longos, a calcular o ritmo que devemos ter durante a corrida. Esse é precisamente o ritmo que serve de ancoragem para o atleta não correr muito rápido nos primeiros quilômetros. Depois do 30º quilômetro, esse ritmo tende a ser o oposto: correr mais rápido apesar do cansaço.

Por fim, vale a pena destacar a importância do diálogo interno. Muitos atletas fracassam gerando, atendendo e alimentando mensagens autodestrutivas: “Você não conseguirá”. “Tanto tempo treinando e agora você faz papel de bobo”. Essas mensagens nada mais são do que o eco da fadiga na nossa mente. Se o nosso corpo começar a ficar dolorido, também podem aumentar os pensamentos derrotistas ao longo da corrida.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.