De acordo com um estudo, você se lembra do que vê, não do que fotografa
O celular é quase uma extensão da nossa mão; pelo menos para a grande maioria. É também um dispositivo que se encarrega de muitas daquelas tarefas que até pouco tempo atrás o cérebro realizava, como nos guiar por uma cidade sem GPS. Da mesma forma, nossos telefones também são um arquivo portátil de nossas experiências.
Captamos com o telefone tudo o que gostamos, que chama a nossa atenção ou é significativo para nós. As câmeras são como nossas retinas, superfícies ansiosas para ver e registrar cada detalhe. Em seguida, arquivamos em nossas galerias online. No entanto, e aí vem o problema, segundo um estudo recente, lembramos mais o que vemos do que o que fotografamos.
Se perguntássemos àqueles que postam no Instagram todos os dias o que comem no café da manhã, nem todos se lembrariam do que comeram pela manhã. A mesma coisa acontece quando viajamos. Muitas vezes ficamos tão obcecados em conseguir o melhor ângulo para a foto daquela catedral, monumento ou escultura, que esquecemos o mais importante. Apreciar o que está à nossa frente.
Tirar fotos com o celular externaliza nossa memória, a torna menos significativa. Será que estamos perdendo habilidades cognitivas delegando excessivamente tarefas que são nossas à tecnologia? Nós nos aprofundamos nisso.
Somos obcecados em fotografar quase tudo, deixando de lado a agradável experiência de admirar calmamente o que nos rodeia sem mais acessórios do que nossos olhos, nossa mente e emoções.
Você se lembra do que vê, o que você fotografa muitas vezes desaparece da sua memória
Costumamos falar sobre a obsessão em tirar selfies. Esses fenômenos associados à tecnologia moldaram novas realidades clínicas, como a dismorfia da selfie. É aquela condição em que um indivíduo rejeita sua imagem real e fica obcecado com aquela proporcionada pelos filtros de seus aplicativos.
A verdade é que há outro fato não menos marcante, e é a necessidade de tirar fotos de tudo o que nos rodeia, de tudo o que nos acontece. Fotografamos o que comemos, o que vemos através de uma janela, o sol ao entardecer, os livros que lemos, nossos animais de estimação e cada detalhe, aspecto e cenário em que nos encontramos quando estamos de férias.
Em um estudo recente publicado no Psychonomic Bulletin and Review e realizado na State University revela algo interessante. Nossa obsessão em fotografar tudo o que vemos prejudica nossa memória. Em outras palavras, você se lembra do que vê e muito pouco do que captura com seu celular e deixa na galeria de fotos.
Essa necessidade de documentar tudo o que nos cerca e que está diante de nós é, por sua vez, acompanhada de outro fato indubitável. Tiramos fotos para proceder posteriormente a sua publicação nas redes sociais. A motivação se concentra nesse objetivo, mostrar aos outros o que vemos. Enquanto dificilmente prestamos atenção ao que está diante de nossos olhos.
O efeito “deterioração da tomada de fotos”
Na verdade, esse fato já havia sido percebido em 2014. Um estudo da Dra. Linda Henkel já descrevia o que denominou-se de fenômeno “deterioração da tomada de fotos”. O que se mostrou é que tirar várias fotos seguidas nos faz lembrar muito menos do que estamos vendo.
No entanto, se tirarmos apenas uma única foto, a memória não é afetada. Aliás, se pensarmos bem, ao longo do dia é comum tirarmos inúmeras fotos, a maioria delas sem relevância. Esse fato faz com que nossa memória visual perca agilidade porque não prestamos atenção real, significativa e sustentada ao que nos cerca.
Ver o mundo através de uma tela o torna mais volátil, difuso e mutável. Poucas coisas ficam na nossa memória porque a atenção está quase sempre dispersa e pendente de dezenas de estímulos.
O celular, nossa memória externa
Você se lembra do que vê, mas não tanto do que deixa na galeria de fotos do seu celular. Saber disso deve nos permitir tomar consciência de um fato. Os smartphones e as novas tecnologias estão substituindo muitas dessas habilidades que são nossas, tarefas cognitivas que, se não praticadas, ficam enfraquecidas.
Especialistas em neurociência nos alertam que nossa memória espacial está piorando. Deixamos o GPS nos guiar mesmo quando estacionamos o carro em uma área grande e não conseguimos lembrar depois onde ele está. Agora, a memória visual, entendida como a memória de imagens, cores e detalhes do que nos cerca, também está em crise.
É verdade que o ser humano sempre utilizou recursos que pudessem facilitar a vida, inclusive no que diz respeito à aquisição da sabedoria. Tanto que muitos diriam que acumular imagens em nossas galerias de fotos do celular pode ser uma vantagem e não um problema. Entre outras coisas, permite-nos admirar mais tarde e quando quisermos aquelas fotos que tiramos.
No entanto, nós realmente fazemos isso? Nem todo mundo encontra tempo para isso. Uma vez que, como já assinalamos, o propósito de tirar fotografias responde (quase sempre) ao desejo de publicá-las nas redes sociais.
Você se lembra do que vê, não do que fotografa: olhar com calma e nos emocionar, a melhor receita para a lembrança
Já faz anos que tirar fotos é um recurso barato para eternizar certos momentos. No entanto, atualmente, o fluxo de imagens que captamos todos os dias é imenso, quase desproporcional. Além disso, como já sabemos, no momento em que abrimos a câmera e aproximamos o celular do que queremos fotografar, a mente se desconecta do que está olhando.
Estamos mais pendentes de tirar uma boa foto e compartilhá-la do que prestar atenção a esse objeto, pessoa ou ambiente. Portanto, é fácil que acabe sumindo, desaparecendo da nossa galeria “interna” para ficar na galeria “externa” do aparelho. Que isso aconteça não é problemático ou patológico, é claro. Mas faz você pensar.
Delegamos tanto à tecnologia que às vezes perdemos o prazer, por exemplo, de contemplar uma pintura, uma escultura ou uma bela catedral apenas com o olhar. Sem mais acessórios. Porque você se lembra do que vê quando olha por curiosidade, admiração e reflexão. Sem ficar obcecado em compartilhar essa imagem mais tarde.
Aquilo que capta os nossos sentidos a partir do coração e da tranquilidade é a melhor das fotografias. Isso que é sempre lembrado. Obviamente, não vamos subestimar o poder indubitável que as tecnologias nos oferecem. No entanto, vamos tentar tirar o olho de nossos celulares de tempos em tempos. Há coisas que parecem melhores sem uma tela na frente delas.
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- Henkel, L. A. (2014). Point-and-shoot memories: The influence of taking photos on memory for a museum tour. Psychological Science, 25(2), 396–402. https://doi.org/10.1177/0956797613504438
- Soares, J.S., Storm, B.C. Does taking multiple photos lead to a photo-taking-impairment effect?. Psychon Bull Rev (2022). https://doi.org/10.3758/s13423-022-02149-2