Desaprender para seguir em frente

Desaprender para seguir em frente
Gema Sánchez Cuevas

Revisado e aprovado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Escrito por Sonia Budner

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Aprender e desaprender; passamos a vida inteira fazendo isso. Adquirimos conhecimentos, experiências, e também hábitos e costumes. Ao longo da vida desenvolvemos formas de lidar com nossos pensamentos e nossas carências. Aprendemos sobre nossos pais, sobre nosso contexto familiar e social.

Toda essa experiência influencia – e muito! – o que nos tornamos no fim da vida, ou o que acreditamos ser. A diferença entre essas duas coisas é muito importante, já que normalmente trabalhamos com a segunda, e não com a primeira.

Seja qual for o caso, a mudança e a aprendizagem formam um ciclo que seria quebrado e impossível de continuar rodando sem o desaprender. Na verdade, em muitas ocasiões as pessoas também se atualizam, assim como fazem os programas de computador: eliminando os arquivos anteriores para abrir espaço para ao novo.

Há momentos em nossas vidas em que temos a intuição de que algo não está indo bem, ou olhamos para nós e não nos vemos como gostaríamos. Algo não está funcionando, não está encaixado, mas não conseguimos identificar exatamente o motivo.

Acabamos andando em círculos, o que é um grande erro. Repetimos as mesmas estratégias de sempre, esperando que produzam resultados diferentes do que têm produzido até então – resultados que nos colocaram nessa posição de insatisfação. Isso dificilmente vai acontecer.

Ignoramos que não tomamos decisões em função do que vemos ou de que consideramos bom ou ruim. Tomamos decisões através de convicções nem sempre certas e de costumes já adquiridos que levamos conosco e que nunca nos propomos a questionar.

Há um momento em que nos percebemos insatisfeitos e notamos que precisamos fazer alguma mudança, mas não sabemos por onde começar. É aí que devemos nos esforçar para desaprender. 

Desaprender: revisando nossa realidade

Geralmente trabalhamos com modelos rígidos que se estruturam com base no “deveria” ou no “teria que”. São obrigações autoimpostas, derivadas de nossa forma de ver a realidade, que apesar de ser só uma especulação parecem uma verdade absoluta.

O problema é que essas “verdades” nos fazem sofrer muito mais do que as circunstâncias ou situações objetivas ou tangíveis. Uma boa parte desses modelos rígidos costuma ser construído de maneira inconsciente, por meio de um processo que dispensa o pensamento crítico. A construção é feita simplesmente por assimilação.

Nesse sentido, todos nós possuímos uma série de crenças irracionais que parecem absolutamente normais e verdadeiras, mas não são. Temos que olhar novamente para elas, duvidando das nossas crenças mais enraizadas e aparentemente inquestionáveis. 

Nuvem negra de pensamentos

As crenças irracionais de Ellis

Albert Ellis, o criador da terapia racional emotiva – também conhecida pela sigla TRE, identificou onze crenças irracionais nas quais podemos estar presos sem saber. Ellis defende a ideia de que não são os acontecimentos que geram os estados emocionais, mais sim a forma que temos de interpretá-los.

  • “É uma necessidade extrema para o ser humano adulto ser amado e aprovado por praticamente cada pessoa significativa da sociedade”
  • “Para se considerar alguém valioso a pessoa deve se sentir muito competente, suficiente e capaz de conseguir qualquer coisa em todos os aspectos possíveis”.
  • “Alguns tipos de pessoas são cruéis, malvadas e infames, e eles devem ser seriamente culpabilizados e castigados por sua maldade”.
  • “É tremendamente catastrófico que as coisas não sigam o caminho que uma pessoa gostaria que seguissem”.
  • “A desgraça humana é originada por causas externas e as pessoas têm pouca ou nenhuma capacidade de controlar essas perturbações e acontecimentos”.
  • “Se algo é ou pode ser perigoso ou terrível, a pessoa deverá se sentir terrivelmente inquieta por isso e deverá pensar constantemente na possibilidade de isso ocorrer”.
  • “É mais fácil evitar do que enfrentar certas responsabilidades e dificuldades na vida”.
  • “Devemos depender dos demais e é necessário ter alguém mais forte em quem possamos confiar”.
  • “A história passada de uma pessoa é um determinante decisivo no seu comportamento atual, e algo que ocorreu em algum momento e causou grande impacto vai seguir afetando a pessoa indefinidamente”.
  • “Uma pessoa deve se sentir muito preocupada com os problemas e as perturbações dos demais”.
  • “Invariavelmente existe uma solução precisa, correta e perfeita para os problemas humanos, e se não encontramos essa solução perfeita então estamos diante de uma catástrofe”.

Vemos como muitas vezes trabalhamos e funcionamos com ideias pré-concebidas sobre nós mesmos, ou também sobre os outros a nossa volta. Adquirir consciência do poder dessa forma de processar a informação é o primeiro passo para desaprender.

Agora, desaprender não é um processo simples e fácil. Pensemos que são filtros que temos muito interiorizados e automáticos em nós e na nossa forma de ser, repetidos ao longo de muitos anos se tornando praticamente intrínsecos a nós.

Como o cérebro aprende

É tão fácil aprender algo positivo quanto aprender algo negativo. A repetição é uma estratégia que funciona com as duas valências de comportamentos.

Além disso, precisamos entender que a plasticidade cerebral é um mecanismo do sistema nervoso que possibilita que o substrato neurológico seja modificado.

Então, essa é uma faca de dois gumes do nosso cérebro. Isso porque o sistema nervoso se modifica por meio da prática de hábitos e da repetição de ideias, e de alguma maneira acabará adaptado a elas, e pode fazer isso para o bem e para o mal.

A boa notícia é que a mudança positiva também pode ser produzida, e ela permanecerá lá depois que retirarmos algum aprendizado “errado” – depois que desaprendermos algo que não nos cabe mais.

Podemos, assim, produzir novos comportamentos, mas não na mesma velocidade que aprendemos os atualmente negativos para nós.

O psiquiatra e psicanalista Norman Doidge fala do paradoxo plástico para se referir a esse exemplo da neuroplasticidade negativa. Uma vez que o cérebro viveu uma mudança determinada, e esta já está bem estabelecida, a inércia pode impedir ou dificultar que outras mudanças ocorram.

Por outro lado, sem ter experimentado outros contextos e ideias é muito difícil tomar consciência da natureza arbitrária das nossas crenças. Podemos mudar de opinião. Podemos mudar de hábitos, mas nosso cérebro odeia mudar seus costumes.

As aprendizagens deixam um rastro em um grupo de neurônios que interagem entre eles, deixando assim uma marca em nosso substrato neural. Ao ficarmos diante de uma série de ideias novas, podemos chegar a questionar até que ponto as nossas ideias anteriores são verdade.

Essa situação pode nos causar uma forte dissonância, porque às vezes, segundo essas novas ideias, talvez percebamos que já cometemos erros anteriormente, e que até então não havíamos considerado como tal. Ou seja, as novas ideias podem chegar a comprometer o nosso autoconceito e a nossa autoestima.

Nesse caso, o cérebro pode inibir uma série de circuitos em zonas ativas do neocórtex cerebral para que a nova informação seja descartada.

É como se nosso cérebro dissesse: é melhor seguir com a ignorância e com nosso autoconceito intacto do que assumir a tarefa de redefinir tudo que já fizemos e o que pensávamos que era certo até então devido a essas novas ideias que se apresentam.

“A mesma plasticidade que nos permite mudar nosso cérebro e produzir comportamentos mais flexíveis constitui também a fonte de nossos comportamentos mais rígidos”.
-Norman Doidge-

Os enigmas do nosso cérebro

Percepção, imaginação e memória

Um dado importante: as pessoas costumam recordar melhor o sentido e o significado de uma experiência do que seus detalhes. Nossas memórias estão distorcidas – adaptadas ao eu. A memória é necessária para lembrar do passado, mas também é importante para imaginar o futuro.

Na verdade, nossa habilidade para imaginar o futuro está muito relacionada com a riqueza de nosso passado. Além disso, muitas das decisões que tomamos são, na verdade, inconscientes.

A consciência nos permite distinguir o passado do presente e do futuro, para assim podermos nos situar no tempo. Mas o inconsciente e a intuição se baseiam na heurística, princípios simples que ignoram grande parte da informação pela demanda de velocidade e rapidez de processamento.

Esses heurísticos são adquiridos através da nossa interação social, nossa cultura e nossas experiências de vida. Eles ficam “programados” em nosso inconsciente e agimos de maneira automática com base neles.

Tomando consciência

O processo de desaprender, como podemos ver, não é simples. Não podemos descartar sem mais nem menos o aprendido assim como fazemos com uma borracha ao apagar algo escrito a lápis. No entanto, podemos ser conscientes desses aprendizados e usá-los de maneira mais inteligente. 

Podemos deixar de nos identificar com eles, e perguntar a nós mesmos se realmente acreditamos na realidade que está ali marcada, ou nos comportamentos que elas geram. Depois de identificá-los, este é o segundo passo.

Desaprender é um processo que requer tempo, paciência e capacidade de análise. Falamos de um investimento que sempre dá frutos: um resultado que nós mesmos vamos aproveitar, juntamente com as pessoas que gostam de nós.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.