Devaneio excessivo: quando sonhar acordado se torna um problema

Devaneio excessivo: quando sonhar acordado se torna um problema
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

O devaneio excessivo é um transtorno em que as pessoas passam grande parte de suas vidas mergulhadas nas mais complexas e variadas  fantasias. Essa desconexão, esse isolamento absoluto da realidade, interfere por completo na vida dessas pessoas, nas suas responsabilidades, em sua higiene pessoal e até em sua alimentação.

É claro que todos nós sonhamos acordados para escaparmos um pouco das nossas rotinas, das pressões do dia a dia ou mesmo de nossos problemas através desses devaneios momentâneos. Com isso, nos permitimos essas fugas pontuais, porém gratificantes, longe de ser algum comportamento patológico. Na verdade, é um exercício saudável e com certeza necessário para o ser humano.

Nosso cérebro precisa dessas fantasias, desse mundo imaginário que de vez em quando procuramos para aliviar o estresse e encontrar um local agradável para o nosso bem-estar. Nossa mente gosta de divagar e vale a pena lembrar que nós dispomos de várias regiões no cérebro, como o córtex cerebral e o sistema límbico, que nos estimulam a gerenciar melhor nossas emoções e até tomar certas decisões.

Normalmente, a maioria de nós sabe perfeitamente como controlar esses momentos para que não afetem nossas vidas. Contudo, uma pequena parcela da população não tem a capacidade de controlar esse impulso de sonhar, chegando a passar boa parte do dia simplesmente isolados da realidade, mergulhados em seu mundo interior e incapazes de se responsabilizarem por suas próprias vidas. Assim, estamos diante de uma condição clínica que vale a pena conhecermos mais detalhadamente.

Homem sonhando acordado

Devaneios excessivos: presos a fantasias compulsivas

Não existe mal algum em fantasiar, mas quando esse comportamento se converte em algo compulsivo, se torna um problema bastante sério. Quando o devaneio e a fantasia se transformam em uma prática regular, indicam muitas vezes um transtorno subjacente que é preciso tratar. Conviver com esse tipo de condição é difícil, e por isso existem diversos fóruns e grupos de ajuda como o “Wild Minds Network” onde vários destes pacientes compartilham experiências, informação e conselhos.

Por outro lado, é preciso ressaltar que até os dias de hoje o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V) ainda não aborda o transtorno de devaneio excessivo. Contudo, e considerando toda a documentação e os casos descritos, é bem provável que dentro dos próximos anos seja incluído de maneira definitiva. Isso graças principalmente aos esforços de uma pessoa: o psiquiatra Eliezer Somer, da Universidade de Haifa, em Israel.

Este médico psiquiatra vem descrevendo, desde 2002, uma série de casos e sintomas, e testando abordagens terapêuticas com excelentes resultados. Vejamos, portanto, quais são os quadros clínicos que os pacientes com devaneio excessivo costumam apresentar.

  • As pessoas que sofrem de devaneio excessivo criam narrativas internas bastante complexas, até o ponto de dar forma a personagens concretos e bastante definidos em suas fantasias.
  • Essas fantasias são vividas de forma muito intensa. É comum que gesticulem e tenham expressões faciais de acordo com esses devaneios.
  • Grande parte de seu tempo está dedicado a esse fim, a sonhar, a criar um mundo paralelo. Às vezes se descuidam de questões básicas como alimentação e higiene.
  • Como podemos deduzir, os pacientes com devaneio excessivo são totalmente incapazes de se responsabilizar por seus estudos, trabalho, relações sociais etc…
  • Assim, essas fantasias atuam como verdadeiros vícios. Deixar ou mesmo interromper essa fantasia para voltar à realidade e fazer alguma outra tarefa os deixa bastante incomodados e cria uma enorme ansiedade.
Mulher com uma nuvem na cabeça

Qual é o tratamento para o devaneio excessivo?

O psiquiatra Eliazer Somer desenvolveu uma escala com o objetivo de diagnosticar esse tipo de condição clínica. Trata-se do “Maladaptive Daydreaming Scale (MDS)”, que é útil e eficaz para obter um diagnóstico correto. Não devemos esquecer que esse transtorno pode ser confundido com outras condições, como a esquizofrenia ou mesmo a psicose, doenças onde também ocorrem fantasias constantes.

Por outro lado, antes de decidir que tipo de tratamento o paciente com devaneio excessivo necessita, é preciso saber a origem do problema. Geralmente, o devaneio excessivo tem realidades psicológicas bastante complexas que devem ser delimitadas.

  • As pessoas que sofreram algum acontecimento traumático costumam usar o devaneio como uma via de escape.
  • A depressão também aparece nesses casos.
  • As pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) costumam fantasiar.
  • O transtorno obsessivo-compulsivo e o transtorno de personalidade limítrofe também apresentam essa mesma sintomatologia.
Psicólogo com paciente

Uma vez que o profissional de saúde tenha delimitado essa condição, entendendo os motivos desencadeantes e as necessidades individuais de cada paciente, optará por um enfoque farmacológico ou psicoterapêutico, ou ainda ambos. Em geral, têm sido obtidos bons resultados com o antidepressivo  fluvoxamina. No que se refere à resposta psicológica, a terapia cognitivo-comportamental vem trazendo excelentes resultados.

Assim, os pontos que o psicólogo trabalhará com o paciente serão os seguintes:

  • Incentivar a pessoa a ter novos interesses, objetivos motivadores para despertar as expectativas e o contato com a realidade.
  • Estabelecer horários, assinalando o que se espera deles a cada instante, para que com isso aprendam a controlar e gerir o tempo.
  • Identificar se existem gatilhos que acabam por provocar os devaneios.
  • Melhorar a capacidade de concentração.

Concluindo, apesar de este transtorno parecer um pouco estranho, é importante citar que nada pode ser mais debilitante para um ser humano do que viver longe de sua realidade. Não ter condições de participar da vida nos afasta de nós mesmos, e a verdade é que ninguém merece viver dessa maneira.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.