A criança troféu: os efeitos do favoritismo entre irmãos

A criança troféu: os efeitos do favoritismo entre irmãos
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

A criança troféu é um boneco de porcelana sorrindo diante da câmera fotográfica. É, além do mais, o favorito entre todos os irmãos e quem é obrigado a ser a extensão de um pai ou mãe que anseia que seu filho perfeito satisfaça suas necessidades emocionais, suas fantasias ou desejos não cumpridos. Infelizmente, este favoritismo entre irmãos deixa sequelas.

Em nossa sociedade, nós gostamos de pensar que todas as famílias que têm mais de um filho valorizam e amam as suas crianças de igual maneira e sem preferências. No entanto, são vários os estudos que demostram que isso não é assim. O tratamento preferencial na criação existe. Quase 70% dos pais e das mães admitiram que, em algum momento, demostraram um tratamento diferente para um determinado filho.

“O melhor presente que nossos pais podem nos dar é um só: acreditar em nós”.
– Jim Valvano –

Fazer isso, em um dado momento, seja em razão da idade ou pelas necessidades particulares de um filho, não é algo reprovável. Agora, o problema chega quando essa parcialidade é desmedida e constante. Deste modo, quando os progenitores começam a dar um tratamento diferente a uma das crianças, elogiando, ressaltando e dirigindo a ela toda a atenção, estamos diante de um claro favoritismo entre irmãos.

O favoritismo entre irmãos

O favoritismo entre irmãos e as famílias narcisistas

O filho favorito nem sempre é o mais velho, nem o caçula. Assim, algo que muitos especialistas em Psicologia Infantil e em dinâmicas familiares dizem é que as relações entre pais e filhos não são estáveis, elas costumam mudar devido à interação, pela idade dos filhos e por um ou outro acontecimento.

A razão pela qual ocorre esse tratamento preferencial nem sempre está clara. Os pais podem se ver refletidos em um dos seus filhos e não em outros. Também podem escolher um deles pelas suas características físicas ou pelas suas habilidades ou, simplesmente, perceber que uma das crianças é mais submissa. Seja como for, algo que devemos ter bem claro é que essa situação de favoritismo também não é fácil para a criança-troféu.

Essa criança entenderá desde muito cedo que, para conseguir a consideração positiva de seu progenitor, deve reprimir os seus próprios desejos e necessidades para se encaixar neste brilhante ideal, nesse alto nível às vezes desmesurado estabelecido pelos seus pais. Assim, é comum que eles orientem a criança-troféu para uma série de objetivos: praticar um esporte, tocar um instrumento, ser modelo, etc.

Criança sozinha

Por outro lado, algo que costuma ocorrer com especial frequência é que, por trás de uma criança-troféu, existe um pai ou uma mãe narcisista. São pessoas que fazem dessa criação preferencial seu maior prazer e sua obsessão. Estes filhos são o seu abastecimento emocional cotidiano, um modo de cumprir desejos frustrados e metas não cumpridas do passado, que a criança é obrigada a conseguir para eles no presente.

Deste modo, o pai ou a mãe narcisista não será capaz de reconhecer que esse filho tem as suas próprias necessidades, suas próprias preferências, nem ao menos que o resto dos irmãos ficou em segundo plano. Uma situação complexa que, sem dúvida, nenhuma criança merece experimentar.

A criança troféu e seus irmãos, crianças igualmente descuidadas

Quando uma criança tem dois anos, começa a ter um senso de identidade e de pertencimento. É então que aparecem as primeiras comparações, quando surge o “você tem isso e eu não tenho”, “você pode fazer isso e eu não”… Os ciúmes marcam os territórios de combate entre irmãos, e as coisas se intensificam muito mais quando eles notam que existe um tratamento preferencial por parte dos pais.

Tudo isso deixa marcas a partir de uma idade muito precoce. Quando um pai escolhe o seu filho favorito e o enche de privilégios emocionais e materiais, fará com que o resto dos irmãos comece a desenvolver problemas de autoestima e segurança. No entanto, eles serão capazes, à medida que crescem, de controlar o rancor, as emoções contraditórias e a má qualidade do vínculo afetivo com os pais. Assim, a criança desprotegida poderá se tornar um adulto seguro de si.

Agora, cabe destacar, uma vez mais, que a posição da criança-troféu também não é fácil. Esse tratamento preferencial onde ele é o beneficiário tem um alto custo: a negociação de seu próprio projeto vital em muitos casos. É comum que ela desenvolva uma personalidade imatura, uma baixa autoestima e pouca tolerância à frustração.

Irmãos brincando

Para concluir, algo que temos claro é que esta situação não é fácil nem para a criança supervalorizada e nem para a criança desprotegida. Ambas as situações são o resultado de uma criação ineficiente, imatura e, em alguns casos, narcisista. A criação e a educação devem ser equitativas em todos os casos, devem ser coerentes, respeitosas e atentas para evitar que nenhum de nossos filhos se sinta deslocado ou menosprezado.

Devemos lembrar que a nossa identidade se constrói a partir da consideração positiva, do olhar onde nos vemos refletidos e reforçados através do carinho e do afeto sem fissuras, nem preferências.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.