Entrevista com Jenny Moix: "O perigo das autoexigências é a sua rigidez"

Jenny Moix, psicóloga e autora de livros como "Minha Mente Sem Mim", nos explica como as autoexigências podem vetar a nossa felicidade e capacidade de realização pessoal.
Entrevista com Jenny Moix: "O perigo das autoexigências é a sua rigidez"

Última atualização: 29 abril, 2021

Em nossa entrevista com Jenny Moix, descobriremos uma dimensão que nos ajudará a ser um pouco mais felizes: a flexibilidade. Ser flexível significa questionar muitas das coisas que fazemos e dizemos a nós mesmos. Significa, por exemplo, tomar consciência de como nossas autoexigências corroem a nossa capacidade de crescimento e bem-estar.

O psicoterapeuta Albert Ellis dizia que os nossos pensamentos e esquemas autodestrutivos estão instalados em nossa mente pelo hábito e pela prática; na verdade, às vezes até os herdamos de nossos pais e da nossa própria educação. Com eles, esses mandatos inflexíveis carregados de culpa e medo, cortamos a nossa criatividade e o impulso vital para sermos mais livres, mais seguros para criar a realidade que queremos.

Entrevista com Jenny Moix

Jenny Moix (Sabadell, Barcelona) carrega a paixão pela psicologia em cada fragmento de seu ser desde a mais tenra idade. É professora titular de Psicologia da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e membro do Grupo de Pesquisa em Estresse e Saúde. Ela é especialista em dor crônica, consciência e mindfulness.

É bastante conhecida por suas publicações e livros como Manual da Dor (2006), Cara a Cara com a sua Dor, (2011), Felicidade Flexível (2011) e Minha Mente Sem Mim (2018). Escreveu vários artigos científicos, colabora há anos com o El País Semanal, bem como em diversos meios de comunicação, como a Catalunya Ràdio.

Jenny Moix também é uma grande comunicadora. Ela dá palestras sobre diferentes áreas da psicologia e do crescimento pessoal. Falar com ela é um prazer pela sua qualidade humana, entusiasmo e notável capacidade de nos fazer pensar, descobrir e compreender muito melhor como somos e o que poderíamos fazer para sermos mais felizes.

Mulher pensativa

P. O que é a autoexigência?

É uma ordem ou mandato que damos a nós mesmos. Geralmente tem uma forma de pensamento mais ou menos inconsciente que começa com “Eu tenho que …”.

P. Quando tendemos a ser mais exigentes?

Temos a tendência de ser mais exigentes em situações em que valores e crenças profundamente arraigados entram em jogo.

Por exemplo, o pensamento “somente as pessoas com excelente aproveitamento escolar são bem-sucedidas” leva você a ser autoexigente com as notas, ou “somente as pessoas magras podem atrair os outros” leva-o à autoexigência com o peso.

P. A autoexigência tem algum benefício? Podemos tirar algo dela a nosso favor?

A autoexigência em si não é ruim. O que a torna perigosa é a sua rigidez. Para simplificar, se classificarmos as autoexigências em rígidas e flexíveis, as rígidas seriam as ruins e as flexíveis as boas.

Aa autoexigências flexíveis permitem que você saia da rotina, da programação do dia, deixe a louça suja na pia e até permite que você abandone algumas coisas ao perceber que elas não fazem sentido. As rígidas o fazem sentir uma tremenda culpa pelo menor desvio e, além disso, o paralisam.

Na vida, precisamos ter um sentido, um “para onde vou”. Sem isso, ficaríamos desorientados, não saberíamos o que fazer. Os nossos valores e crenças nos dão esse sentido, essa orientação. Deles derivam certos objetivos e exigências que nos impulsionam a alcançá-los.

É o jogo da vida. Nós mesmos fazemos as regras e as seguimos. Estamos jogando. Porém, às vezes esses objetivos, essas regras do jogo são muito rígidas, e em vez de servirem para nos guiar, só nos causam dor: se as seguirmos sofreremos porque são muito duras e, se não as seguirmos, sentiremos culpa. Isso acontece quando esquecemos que, na realidade, essas crenças, valores, objetivos ou regras do jogo são relativos; mas nós acreditamos firmemente que eles são quase sagrados.

A autoexigência pode ser norteadora e motivadora, desde que no fundo estejamos muito conscientes de que somos nós que criamos as regras e, da mesma forma, podemos nos livrar delas. Ou seja, são benéficas desde que não nos façam perder a nossa liberdade. Quando dizemos “Não posso dizer não” ou “Não consigo parar…” é porque nos esquecemos de que fomos nós que colocamos essas autoexigências.

P. Como uma pessoa se torna exigente consigo mesma? Que fatores estão envolvidos?

Os nossos pais, familiares, professores, amigos e a sociedade em geral se encarregam de nos programar, embora esta programação nem sempre dê os mesmos resultados. Algumas pessoas, que normalmente classificamos como “bem adaptadas”, têm mais autoexigências do que aquelas que rotulamos como “não adaptadas”.

Numa sociedade que valoriza o dinheiro, o sucesso profissional, um casamento estável, ser magro, ter uma aparência jovem em qualquer idade, uma pessoa bem programada, adaptada a esta sociedade maluca, está cheia de autoexigências.

E, no fundo, até parece bom! As suas autoexigências são recompensadas pela sociedade, por isso algumas pessoas se gabam de ser muito autoexigentes. A sociedade nos programa de maneira tão eficiente que as autoexigências já vêm com um sistema de manutenção incorporado.

Depois, há outros fatores mais atávicos e mais primitivos que estão inscritos em nossos genes. A evolução os gravou em nossos cromossomos. O Homo sapiens não sobreviveu sozinho, somos um grupo que sobreviveu graças à tribo. Foram milhares de anos de evolução marcando esse fato em todas as nossas células.

Por isso, gostamos que os outros compartilhem o nosso ponto de vista, não nos julguem, nos aceitem, nos amem; muitas das nossas exigências vêm daí.

Desde a enorme pressão que sentimos para que o nosso corpo se adapte aos modelos de beleza da época, até a repressão que fazemos dos nossos sentimentos para não criarmos conflitos, as autoexigências estão aí para garantir que fiquemos na tribo. É por isso que às vezes elas são tão rígidas, porque no fundo pensamos (erroneamente) que elas são necessárias para a nossa sobrevivência.

Rapaz decepcionado

P. É possível gerenciar os altos níveis de autoexigência? Como?

A palavra “gerenciar” é outro resultado da nossa sociedade quadrada. A ideia de “administrar” nossas emoções, crenças e sentimentos está na moda, como se tratasse de administrar os negócios de um escritório, como se pudéssemos colocar a nossa subjetividade em uma planilha de Excel e corrigir todos os campos.

Hoje mesmo, um rapaz me disse que quer acabar com as suas autoexigências em dois meses, como se pudesse definir um tempo para autoexigência. Colocamos uma autoexigência em cima da outra; os humanos não têm remédio.

Por trás das autoexigências estão os nossos objetivos e valores, lado a lado com o medo da culpa. O valor-objetivo lhe diz: “Cuide da sua mãe doente em todos os momentos, mesmo que tenha que desistir de tudo” e o medo da culpa: “Se não, você vai sofrer com a culpa até o fim dos seus dias”.

Mais além, está o medo do vazio. Se houvesse alguém que, com uma borracha mágica, pudesse apagar todos os valores para que não tivéssemos autoexigências, o que nos guiaria? Quem seríamos e o que faríamos?

Imagine uma pessoa cuja existência toda gira em torno da autoexigência de cuidar da sua mãe. Ela não faz mais nada e isso lhe causa muito sofrimento; a sua saúde física e mental está muito deteriorada. Por que ela agiu assim? Por que se apegou a esse valor tão intensamente?

Talvez haja medo do vazio, talvez medo do que fazer da própria vida, talvez medo de ser livre. A questão das autoexigências pode atingir essas profundidades.

P. Ser perfeccionista é o mesmo que ser autoexigente?

São dois conceitos intimamente ligados. Podemos exigir que a casa esteja perfeitamente limpa, a camisa bem passada, o cabelo perfeitamente cortado, tudo perfeitamente arrumado.

Como já dissemos, a autoexigência pode ter graus, algumas são mais flexíveis e, portanto, saudáveis. Outras são mais rígidas e nos fazem sofrer. Buscar a perfeição desesperadamente é falar sobre rigidez, o desejo de que a realidade se ajuste a um ideal mental. Nesse caso, sofremos muito porque a realidade e os ideais nunca estão ajustados.

P. Autoestima e autoexigência estão relacionadas de alguma forma?

Sim, elas estão relacionadas. Muitas autoexigências surgem da necessidade de demonstrar algo para o mundo, para si mesmo ou para “ser melhor” para que os outros nos aceitem. Portanto, quanto menor a autoestima, mais necessidades desse tipo.

Da mesma forma, as pessoas querem ser melhores para se amar, mas o amor por nós mesmos deve ser incondicional, como o amor que as mães sentem pelos filhos. O amor verdadeiro é amar e aceitar a nós mesmos como somos.

Uma criança amada e aceita é mais feliz e transforma a sua vida em algo muito mais bonito. O mesmo acontece conosco. Aceitar a nossa singularidade seria mais fácil sem a presença constante de ideais sociais. Estar ciente da pressão desses ideais é a única maneira de ser menos influenciado por eles.

P. A felicidade e a autoexigência são compatíveis?

A palavra “autoexigência” soa feia para mim. “Exigir” é algo muito duro e direto. A frase “meu chefe exige que eu…” dá a entender que, se você não fizer, ele vai demiti-lo, diminuir o seu salário ou criar algum tipo de repercussão. Se tivéssemos que escolher o nosso chefe, escolheríamos o exigente ou o motivador?

Acho que a maioria de nós prefere o motivador. Ou seja, aquele que reconhece as nossas qualidades e as fortalece, aquele que nos aplaude quando fazemos tudo certo e nos perdoa quando erramos, aquele que nos ensina.

Ficaríamos mais felizes com esse tipo de chefe “externo”, porque o mesmo acontece com o chefe “interno”. O motivador é muito melhor do que o exigente.

Entrevista com Jenny Moix

P. Finalmente, você poderia nos dar algumas diretrizes ou chaves a serem levadas em consideração em relação à autoexigência?

Acho que, para começar, devemos nos aceitar com as nossas autoexigências. “Eu sou eu e as minhas autoexigências”. Seria o lema de partida. É normal tê-las, alguns mais, outros menos. Estamos programados. Lutar contra isso seria como exigir eliminá-las: mais uma exigência.

Que tal apenas observá-las? Observe-as como a mãe observa o seu filho ou quando observamos um gato ou cachorro fazendo uma travessura. Observe-as sem julgá-las.

Para as observar temos que reconhecê-las e, muitas vezes, elas vêm disfarçadas. Muitas delas se disfarçam de exigências externas. Sentimo-nos obrigados pela nossa família, pelos nossos colegas, pelo nosso parceiro a fazer algo. E vivemos isso como uma exigência que vem de fora, externa. Mas, na realidade, é interna! Ninguém está nos apontando uma arma.

Temos que remover o disfarce dessa suposta exigência que vem dos outros até enxergarmos a nossa autoexigência.

Se perguntássemos a um grupo de pessoas como eles acabaram com algumas das suas autoexigências, provavelmente encontraríamos uma resposta como “um dia percebi que… não fazia sentido”. E o que os fez perceber? A letra de uma música, um filme, um livro, uma conversa com um amigo, um lápis que caiu no chão, um pássaro que cruzou o seu jardim…

Como podemos ver, há muito o que refletir em torno do universo das autoexigências. Sem dúvida, depois dessa entrevista com Jenny Moix, temos que pensar em como elas nos influenciam no dia a dia e no que podemos fazer para eliminar o peso que elas têm em nossas vidas. O que você acha?


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.