Escolher um parceiro: desejo ou necessidade?

Não é a mesma coisa escolher um parceiro a partir do desejo, livremente e sem pressa, e fazê-lo a partir da necessidade de não querer ou não conseguir mais ficar sozinho. O psicólogo Marcelo Ceberio fala mais sobre o assunto a seguir.
Escolher um parceiro: desejo ou necessidade?

Última atualização: 16 fevereiro, 2022

Na hora de escolher um parceiro, é necessário estar aberto a “procurar para encontrar”. Apesar de isso parecer uma obviedade, muitas pessoas fazem o contrário. Medo, imaturidade, dificuldade de assumir compromissos e outros tantos motivos operam como fatores de boicote na hora da escolha.

Dessa forma, é importante escolher um parceiro a partir do desejo, e não a partir da necessidade extrema de ter um relacionamento, já que essa última surge de uma dificuldade de estar bem consigo e com a solidão. Por isso há essa busca desesperada e indiscriminada por outra pessoa, para preencher uma falta.

O fim do amor

A solidão pessoal

A solidão pessoal parece ser o prólogo do momento de escolher um parceiro, mas na verdade não é um bom ponto de partida se estiver associada a uma série de concepções negativas.

Estar sozinho pode estar associado a uma desvalorização pessoal, a não se sentir querido, segregado, não aceito, marginalizado, abandonado. É algo parecido com a tristeza, a angústia e a depressão.

Essa forma de pensar pode ser observada ao longo de toda a história, desde as histórias da Bíblia que diziam que “não é bom que o homem esteja sozinho” até em estrofes de canções icônicas como a que diz que “estou muito sozinho e triste aqui nesse mundo, abandonado…”. A solidão é muitas vezes mal vista, não só para aquele que a sente mas também na sociedade como um todo.

Se a solidão tem tantas atribuições negativas, quem pode desejar estar nessa situação? Não obstante, não há solidão absoluta.

A solidão nos relacionamentos

Uma das solidões mais difíceis de enfrentar é a solidão nos relacionamentos. Esse tipo de solidão gera e nos faz reviver várias carências infantis.

A essa situação temos que somar a influência do ambiente. À medida que passam os anos, o ambiente se encarrega de nos lembrar que a pessoa que não está dentro de um relacionamento ou não se casou, que não tem uma família ou filhos ou uma grande quantidade de outras exigências sociais, não está onde deveria estar. Mas nada disso pode fazer uma pessoa se sentir menos válida e impotente. A questão é ainda pior quando a maior parte do grupo de amigos se casou, ou as amigas estão grávidas, já que muitas vezes vemos os amigos como espelhos do que queremos ser ou ter.

A toda essa situação se acrescenta a imagem trágica da solidão e, por isso, nossa autoestima é afetada. Ficamos cara a cara com a falta, com o que não temos, com uma dúvida pendente… Tanto é assim que muitas vezes vemos a situação como desesperadora e insustentável, e no final tentamos sair da solidão com urgência.

O que ocorre é que essa fuga da solidão em relação aos relacionamentos amorosos, muitas vezes, nos faz escolher qualquer pessoa para preencher a carência, a solidão. E essa falta de discriminação faz com que nos relacionemos com fantasmas, produtos de projeções e idealizações onde o outro não é o outro, mas sim uma grande tela onde são projetadas todas as nossas necessidades.

Por isso, a necessidade mostra carência. Agora, não ter um relacionamento não implica necessariamente ser carente. Em geral, as pessoas com carências estabelecem relações dependentes porque não conseguem viver consigo mesmas e buscam no relacionamento mecanismos de retroalimentação. Além disso, fugindo dos sentimentos de solidão em relação a relacionamentos amorosos, buscam preencher a sua desvalorização de si mesmo com o reconhecimento de outras pessoas.

É importante ter em mente que a necessidade gera ansiedade, e isso se traduz em ações impulsivas. O resultado geralmente leva a escolhas por medo da solidão, da falta de reconhecimento e da desvalorização. Escolha de um parceiro que está bem longe das verdadeiras possibilidades positivas de uma relação.

Consequências de escolher um parceiro por necessidade

Quando escolhemos a partir de uma necessidade, a consequência é uma escolha desesperada na qual o protagonista fica em uma posição inferior, porque coloca o outro em um pedestal, além de buscar seu valor nas manifestações positivas do outro em relação a si. Trata-se de uma das piores situações amorosas que se pode ter, que conforme avança e se solidifica cria, o que chamamos de alienação conjugal.

Essas situações de escolhas desesperadas configuram profecias autorrealizadas. O desejo de deixar de ficar sozinho é tão grande que acaba gerando a solidão, já que esse tipo de relação tem um prazo de validade, que depois que acaba gera ainda mais solidão e problemas para a pessoa do que inicialmente.

Escolher um parceiro: desejo ou necessidade?

A outra solidão

Existe, no entanto, outra versão de solidão. Uma solidão não como um termo do qual fugir, mas sim como uma base da autoestima, que permite estar bem e aproveitar o tempo que se passa consigo mesmo.

Assim, uma pessoa com uma boa autoestima se mostra independente, e o fato de não ter um parceiro a torna alguém que deseja compartilhar seu valioso tempo com outra pessoa. A pessoa não está sendo movida pela ansiedade e nem pelo desespero, já que aproveita seu tempo e dá valor a si mesma.

Alcançar esse conceito de um tempo valioso, e dar-se o direito de cuidar desse espaço pessoal, é saber ser sincero consigo mesmo quando se pensa em aceitar um convite, quando se reflete sobre com quem deseja se envolver, com quem deseja compartilhar o tempo pessoal. Porque quando uma pessoa está bem consigo mesma, ela aproveita o tempo sozinha e também o valoriza. Dessa forma, a pessoa acaba se tornando seletiva, já que não quer nada com ninguém que a faça perder tempo. Não se trata de entrar em uma posição defensiva, mas sim de ter um pouco de cautela de forma espontânea.

No fim das contas, o melhor e primeiro parceiro é a solidão, uma condição sine qua non para ter um relacionamento bem-sucedido.

Se você quer escolher um bom parceiro, deve ter uma boa parceira com a solidão. E isso quer dizer ter uma boa parceria com você mesmo.

Escolher um parceiro a partir do desejo

Escolher a partir do desejo – adulto, maduro e com poucos traços neuróticos – nos dá a possibilidade de olhar para o objeto amoroso observando tantos seus aspectos positivos quanto negativos. Eles, reiteramos, não são positivos ou negativos por si só, mas sim para a construção da pessoa que o escolhe, ou seja, são atribuições pessoais e, como tais, subjetivas.

Escolher a partir do desejo implica a aceitação da própria solidão: se estou bem comigo durante o tempo em que estou comigo, terei que fazer uma boa escolha para compartilhar o meu tempo, que é valioso.

Está claro então que a aceitação e o apreço pela própria solidão é um ponto de partida para uma boa escolha de um parceiro. E que traz, além disso, a possibilidade de ser cauteloso na hora de escolher um parceiro durante um certo momento do trajeto de vida.

Agora, a cautela extrema pode levar a uma posição defensiva na qual a pessoa se torna muito seletiva na sua busca. De fato, não é complicado passar da defesa para a fobia de ter uma relação, correndo o risco de buscar sempre cada vez mais solidão (solidão + cautela + defesa + fobia = solidão).

Pode parecer um pouco exagerado ou até um imperativo categórico, mas escolher a partir da necessidade é formar um relacionamento fadado ao fracasso e que se afundará em jogos e em algo que não é amor. Não é o mesmo desejar ter um parceiro e precisar desesperadamente de um parceiro. Não é o mesmo uma pessoa com vontade e uma pessoa necessitada.

Se fizermos uma analogia, a necessidade seria como passar três dias sem comer e sentar-se em um restaurante. O desespero nos leva a comer o que temos na nossa frente: o pão que o garçom acaba de trazer. Não esperamos o cardápio e pedimos a primeira coisa que aparece na nossa mente. Ao contrário, se vamos sair para jantar querendo comer mas sem estar desesperados de fome, vamos ao restaurante, sentamos, pedimos uma bebida e escolhemos aquilo que desejamos após ler o menu com calma e ver o que mais nos agrada.

Sentir-se bem consigo mesmo e com a solidão, porém, não é ainda uma indicação perfeita de uma escolha correta. Sugere, ainda assim, que conseguiremos entrar em uma relação a partir de um desejo de maneira livre, sem urgências. É estabelecer uma escolha a partir de uma simetria relacional, a partir de uma paridade, já que a partir de uma atitude desesperada (assimetricamente e por baixo) o caminho para a manipulação está aberto.

Escolher um parceiro: desejo ou necessidade?

Idealização e realidade

Escolher um parceiro supõe a escolha de um só objeto amoroso, a pessoa escolhida, mas nessa escolha há duas possibilidades: ou se idealiza a pessoa, onde somente vemos os pontos positivos (que eu mesmo seleciono ou construo), ou observo a pessoa real, onde posso ver tanto os pontos positivos quanto os considerados negativos para mim.

Não obstante, é conveniente esclarecer que em todo processo de relacionamento amoroso, a idealização do vínculo corresponde ao primeiro período da relação, e a realidade só é possível em um momento seguinte. As vezes ele nem ocorre, já que implica ver o parceiro em sua totalidade, com seus pontos positivos e negativos.

Assim, para passar da idealização para o status de pessoa real, é necessário aceitar e negociar internamente aqueles aspectos do parceiro que não são qualificados como positivos (virtudes + defeitos = pessoa real).

É através da necessidade que a pessoa com carências projeta seus vazios buscando um salvador e construindo um ser idealizado – um outro que não é real, pois só são observadas as qualidades. O que ocorre é que a pessoa que não quer ficar sozinha só se conecta com as partes do outro que coincidem com suas necessidades, para assim poder preenchê-las. Só vê o que quer ver e ignora o resto. Desse modo, nega as partes de que não gosta e fabrica, assim, um conjunto de características que não existem e que acabam se sobrepondo ao real da pessoa. Mas isso rapidamente cai por terra.

Alguém que deseja ter um parceiro é mais objetivo na escolha, dentro do seu subjetivismo. Vê o outro por completo, é mais crítico e tem maior clareza sobre quem é o outro e quem é ele mesmo. E por isso ambos são mais reais.

A pessoa que age com base no desejo tenta escolher vendo o outro em sua totalidade e se mostrando na sua totalidade, enquanto a pessoa que age a partir da necessidade fica fixada em aspectos idealizados.

É óbvio que, para se apaixonar, a balança entre aspectos positivos e negativos deve se inclinar para os primeiros. Isso assegurará algum grau de sucesso ao relacionamento amoroso. Ainda assim, não é incomum que algumas pessoas tentem insistir em relacionamentos fracassados nos quais a balança pesa muito para ao lado negativo, forçando a relação a níveis extremos.

São aquelas pessoas que ficam na expectativa de ideais de resposta, e se frustram quando o que acontece não coincide com o esperado. Nesse momento, descarregam todas as frustrações na outra pessoa. Quem se apaixona por um fantasma construído de acordo com padrões de necessidade pessoal não pode se espantar quando isso acontece.

São pessoas sofredoras, posto que se afundam na utopia de tentar adequar o outro ao próprio desejo, construir alguém sob medida, sem se dar conta de que o outro, na realidade, também é alguém. Um outro que se sente permanentemente desqualificado por aquilo que seu parceiro espera que ele seja, mas não é.

Casal brigando

Como vemos, uma relação de paixão pode se transformar em uma relação de longo prazo. Esse é o rito de passagem do amor ideal, da paixão para um amor real que torna o vínculo mais verdadeiro e a relação mais madura e compreensiva. Os amantes lembram, silenciosamente, do amor que sentem e de quais são os aspectos do outro que os motivam na relação, e quais são aqueles que não gostam tanto, mas sabem que devem ser compreensivos.


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