Às vezes a gente precisa esvaziar as gavetas da alma e refazer a arrumação

Às vezes a gente precisa esvaziar as gavetas da alma e refazer a arrumação

Última atualização: 09 agosto, 2017

Às vezes eu sinto vontade de chorar, e lágrimas teimosas fingem que vão inundar meu rosto, mas logo partem. Não consigo sequer fazer isso… “Não vai escrever coisas depressivas”, ouvi. Não vou… Pelo menos eu acho que não. O vazio no peito é tão grande, que não consigo definir o que estou sentindo. Só está… Vazio…

– O que eu estou fazendo da minha vida?
– Toma cuidado para você não ser uma pessoa infeliz e sozinha. É muito ruim ser uma pessoa sozinha.
– Só cuida para você não ficar procurando a felicidade pro resto da vida e nunca encontrar.

Esvaziar as gavetas da alma

O que eu estou fazendo da minha vida?!

Hoje estou sentindo tudo se esvaziar. As promessas e planos que fiz a mim mesma estão ficando distantes. As luzes se apagaram. As cortinas não fecharam, mas o teatro está ficando vazio, só aquelas cadeiras vazias e aquele eco num imenso salão onde há poucos minutos encenava-se sentimentos tão intensos e profundos.

Será que eu menti para mim? Será que criei uma ilusão na minha mente, uma projeção irreal do que poderia ser a minha vida? Será que estou arrastando as pessoas comigo, ferindo sentimentos?

O que eu estou fazendo da minha vida?!

Foi com esses sentimentos conflituosos que eu tomei uma das decisões sóbrias, mais cheia de certezas duvidosas da minha vida. Esvaziei tudo. Às vezes, não dá para retroceder e recomeçar de um determinado ponto.

Às vezes a bagunça é tão grande que a gente precisa esvaziar as gavetas da alma e refazer a arrumação

Plano arriscado… Há peças que não cabem mais em gaveta nenhuma, a gente nem sabe como elas foram parar lá. Outras peças ressurgem na memória, na lembrança, a gente sente vontade de colocá-las novamente em nossa vida. Algumas nos enternecem o coração… Adoramos, mas não servem mais. Não dá para guardar mais um tempinho, enquanto a gente espera para ver se volta a se encaixar. Não seria justo… Mas só dá pra ter essa visão, esvaziando tudo e rearranjando os espaços do coração.

De repente, tudo ficou vazio. Vazio demais. Eu fui esvaziando a alma com uma serenidade que espantou a mim mesma, observando os espaços surgirem em cada movimento meu, tentando entender por que eu tinha essa estranha mania de bagunçar tanto as coisas ao  ponto de me perder nas minhas confusões.

É que eu gosto de abraçar o mundo. Vou guardando nas gavetas tudo o que encontro, vou absorvendo mais do que minha alma é capaz de suportar. Quando fica abarrotada, não consigo mais organizar, vou entuchando tudo lá dentro, na esperança de que minha alma suporte. Mas não suporta… E eu preciso me reorganizar.

É uma tarefa indelegável… Pena… Ninguém pode fazer isso por mim. Pena… Porque sou muito desorganizada e detesto arrumar as coisas. Por isso até hoje eu fui terceirizando esse trabalho, permitindo que quem tem o dom de manter tudo em ordem (ou pelo menos mais em ordem do que eu), arrumasse a minha bagunça. Depois eu não encontrava mais nada dentro de mim, porque não sabia onde estavam minhas coisas… Alguém sempre arrumava para mim.

Descobri que desenvolvi a mais plena incompetência em manter a ordem dentro de mim. Percebi que a vida toda sempre deixei que fizessem isso por mim, de uma maneira ou de outra, mesmo nos momentos em que eu enchia a boca para dizer que eu era dona de mim, havia alguém sorrateiramente ou conscientemente organizando minha bagunça, ganhando o espaço que eu fui permitindo existir, embora fosse tão meu.

Desrespeitei minha necessidade de me olhar e entender como eu funciono. Como eu devo organizar a minha bagunça, de forma que, mesmo deixando tudo meio desarrumado, já que é assim que eu sou, eu consiga me encontrar dentro do meu interior.

Ficar com a alma tranquila

O jeito foi esvaziar tudo… E arrumar tudo novamente, sozinha. “Você não tem que fazer isso sozinha”. Ah, eu tenho sim… Eu preciso. Preciso eu mesma decidir onde colocar cada coisa, sem influências de pessoas e sentimentos. Preciso parar de repetir “O que eu fiz da minha vida?”, e me convencer de que a vida é assim mesmo, essa eterna dança de arrumar a bagunça, e de que sou capaz de organizar a minha própria vida.

Afinal, não dizem que onde está tudo sempre organizadinho, existe ausência de uma vida bem vivida?

Agora ficou tudo vazio… Confesso que às vezes dá medo de lidar com essa bagunça toda, medo do trabalho que vai dar. Vontade de deixar tudo como está e ir administrando. Mas eu não posso mais. Estou perdida dentro de mim…

Agora as luzes se apagaram. Ficou tudo vazio, cinza, quase sombrio. Estou experimentando uma estranha sensação, não sei como descrever. Não consigo chorar, não sinto felicidade, não sinto medo, nem arrependimento.

Tenho certeza de que preciso arrumar a minha alma e conhecer os espaços que há dentro dela. Daquelas certezas que nos chegam imersas em dúvidas. A gente sente medo, mas lá no fundo sabe, sente… Sabe o que deve fazer.

Não era o que eu queria. Queria ter tudo preenchido, arrumadinho, organizado e funcionando perfeitamente em mim. Mas me perdi na minha bagunça e precisei esvaziar tudo para recomeçar.

Se você quer saber… Está ficando tudo vazio… Acho que estou com um pouco de medo dos ecos que vou começar a ouvir enquanto tento arrumar as coisas. Mas eu preciso mesmo conhecer os espaços dentro da minha alma. Parar de bagunçar a minha vida. Parar de deixar as pessoas me arrumarem. Parar de desarrumar os outros enquanto me bagunço.

Confesso que estou com medo desse vazio… E eu nem consigo chorar…


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