Fantasia, pornografia e feminismo

Fantasia, pornografia e feminismo

Última atualização: 21 setembro, 2018

A fantasia é um elemento insubstituível nas nossas vidas. Desde crianças fantasiamos sobre como serão nossas vidas, companheiros ou trabalho, e no fim das contas a fantasia faz parte de nós e reflete nossos desejos. A sexualidade é um âmbito a mais onde se manifestam nossas fantasias, sendo a pornografia o lugar onde vemos muitos desses desejos representados.

As mulheres em geral, mas principalmente as feministas, têm vários problemas com a pornografia. O principal é que a parte que diz respeito aos direitos sexuais, a ter um prazer autônomo que nos situa como o sujeito da nossa própria sexualidade, mesmo que isso seja complicado em uma cultura patriarcal.

É complicado porque a masculinidade se constrói sobre a sexualidade. Isto é, é mais homem aquele que tem mais relacionamentos sexuais e com um maior número de mulheres. Ao contrário, não é mais mulher aquela que tem mais relações com diferentes homens, mas sim a que é mais capaz de despertar o desejo masculino.

O homem é sempre posto como sujeito, o que dá prazer, e a mulher como objeto, porque desperta a excitação do homem, sendo a pornografia o maior expoente deste ponto de vista. Mesmo assim, as mulheres, feministas ou não, consomem pornografia e se excitam com ela. Como isto é possível? Se não queremos ser tratadas como objetos, por que consumimos uma pornografia onde somos objetificadas?

“A pornografia é a representação explícita do sexo, que pode ser filmada, escrita, desenhada ou dramatizada, e tem o objetivo de excitar sexualmente. Se não excita, não pode ser chamada de pornografia. Assim, o material pornográfico não é a realidade, mas sim a fantasia sexual, porque o que propõe é excitar, e não representar.”
-Beatriz Gimeno-

A pornografia é fantasia

A pornografia é fantasia sexual, não é a realidade. A fantasia está feita de desejos, e portanto não pode ser julgada. Não pode ser julgada porque todos já fantasiamos que o chefe teve um acidente para podermos nos livrar dele, ou que o nosso professor adoecia gravemente para não ter que fazer uma prova. Mas isso não significava que na nossa realidade estivéssemos lhes desejando essa maldade.

A fantasia, portanto, não precisa ser nem moral, nem sem moral, nem ética, nem feminista. A fantasia está feita de desejos, esse desejo que você usa para se excitar sexualmente e que não tem precisa ter nenhum tipo de condicionante ético.

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Por isso você pode fantasiar com ser violentada, consumir pornografia na qual se façam estas práticas, sem necessariamente gostar de ser violentada na realidade. Você também pode fantasiar violentar, tanto sendo homem quanto mulher, sem que você venha a fazê-lo na sua vida cotidiana. Você simplesmente se excita com uma ideia, uma coisa intangível, inexequível mas prazeroso, nesse mundo diferente, o da fantasia.

Não é necessário culpar, nem se culpar diante dos próprios desejos, porque são apenas uma forma de conseguir excitação, não a realidade sexual. Pela mesma razão, a pornografia não precisa ter limites, assim como a nossa cabeça não tem, apenas o consentimento e a legalidade. Não existem desejos bons ou ruins, apenas desejos que não precisam corresponder à realidade.

A realização da fantasia em casal

Na vida a dois é possível dar um passo além e começar a tornar realidade essas fantasias sexuais. Mas é uma realidade fingida, isto é, as situações sexuais são dramatizadas. As violações e o domínio são fingidos porque na verdade é um jogo, uma violação consentida com seus limites, na qual os membros do casal interpretam seguindo seus desejos. Eles se excitam diante do jogo e se respeitam, já que os limites são dados por eles mesmos.

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Na terapia sexual considera-se que tudo que um casal quiser realizar de comum acordo, isto é, quando há consentimento, é bom para a vida sexual do casal. Enquanto não existir sentimento de culpa em nenhum dos membros que participam da relação sexual e os limites forem respeitados entre eles, será uma vida sexual saudável.

Por vivermos em uma sociedade patriarcal na qual o homem é a figura de poder em si mesmo, é normal que isto afete e se veja refletido em nossos desejos. Isto torna comum que em nossas fantasias estejam os papéis de poder, e que na maioria das vezes o poder seja exercido pelo homem sobre a mulher. Encarar com normalidade as situações e explicá-las com base no contexto cultura no qual vivemos, sejamos feministas ou não, faria com que a fantasia, o desejo e a sexualidade fossem vividos de forma menos estigmatizada e mais natural.

A educação na pornografia

Os meninos, meninas e adolescentes estão sendo educados pela pornografia em “stream”, isto é, a pornografia gratuita que está acessível facilmente pela internet. Essa é a educação sexual que recebem. É ridículo que não se fale de educação sexual e de pornografia com os filhos, quando sabemos que é tão acessível. Então, a pornografia se transforma na sua única educação sexual.

“É preciso tratar a sexualidade como uma coisa natural, sem estigmas. Eu tinha vergonha de olhar cenas sexuais na televisão quando era menor porque via que a minha mãe ficava nervosa e mudava de canal, isso é perceptível e marca. Seria melhor que nessa hora explicassem o que você está vendo na tela.”
-Amarna Miller-

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Este tipo de pornografia é, sem dúvida, machista, apenas reflete as fantasias masculinas e não permite ver a realidade das mulheres como sujeito. E tanto meninos quanto meninas enxergam isso. O problema seria solucionado com contrapesos educacionais, sendo capaz de explicar criticamente que esta não é a realidade, que são fantasias sexuais, que a fantasia não é, em si mesma, uma realidade.

A pornografia é cinema, e assim como quando a gente vê o Super-Homem voando e sabe que é uma ficção, a própria pornografia é uma ficção. Assim como em Nárnia os personagens que entram no armário partem para outro mundo e podemos explicar a nossos filhos que isso não irá acontecer no seu armário, seria bom explicar a eles que a sua vida sexual não será como nos filmes pornográficos.

Explicar que desejar realizar uma fantasia não implica forçar a outra pessoa a realizar atos sexuais que não queiram porque a pessoa se sente excitada. Explicar que quando alguém diz “não”, é “não”, por mais que os filmes mostrem o contrário. E que na pornografia, quando o “não” quer dizer “sim”, significa que é uma dramatização, que são atores e que isto está escrito em um roteiro.

No fim das contas, não se trata apenas de educar os filhos na sexualidade segura, mas também na sexualidade responsável. Uma sexualidade onde entendam que as fantasias são saudáveis, seja como forem, mas sempre com base em um requisito: são apenas realizáveis se a outra pessoa ou pessoas envolvidas na relação sexual estiverem de acordo.

E você, o que acha?


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