A fascinante história do Kingsley Hall, o templo da antipsiquiatria

A fascinante história do Kingsley Hall, o templo da antipsiquiatria
Bernardo Peña Herrera

Escrito e verificado por o psicólogo Bernardo Peña Herrera.

Última atualização: 18 agosto, 2019

A história do Kingsley Hall é, ao mesmo tempo, fascinante e aterrorizante. Trata-se de um edifício no qual foi realizado um dos experimentos mais impressionantes da psiquiatria durante o século XX.

No início, era um centro comunitário dedicado a várias atividades educativas e sociais. Até mesmo Gandhi ficou hospedado nesse local, assim como muitos outros “manifestantes da fome” em 1935.

Ronald Laing era médico e foi residente em várias unidades psiquiátricas durante alguns anos. Ele foi um dos pioneiros do movimento chamado antipsiquiatria.

O próprio Laing pediu permissão, em 1965, para usar o Kingsley Hall como sede para oferecer um tratamento alternativo aos chamados “doentes mentais”. Em particular, aquelas pessoas que haviam sido diagnosticadas como esquizofrênicas.

“Os membros fundadores de Kingsley Hall esperavam comprovar sua ideia original de que as almas perdidas poderiam ser curadas tornando-se loucas entre pessoas que veem a loucura como uma oportunidade de morrer e renascer”.
-R. D. Laing-

A verdadeira história do Kingsley Hall

A partir dos anos 1950, a psiquiatria começou a ter uma grande visibilidade. Também era a época das terapias convulsivas, do eletrochoque e dos primeiros medicamentos químicos “contra a loucura”. Laing se mostrou muito crítico frente a esses métodos.

Ele tinha uma visão sobre a loucura que contradizia a perspectiva da psiquiatria biológica clássica. Por isso, queria colocar à prova uma nova forma de abordar e tratar as pessoas com esquizofrenia.

Foi isso que ele fez em Kingsley Hall durante cinco anos. No fim, as conclusões do experimento foram afetadas por alguns excessos e leviandades.

Ronald Laing e a história do Kingsley Hall

Laing descreveu uma contradição fundamental na psiquiatria. Argumentou que o diagnóstico se baseava na observação do comportamento de uma pessoa. No entanto, não havia (nem há) uma única prova clínica de que a esquizofrenia seja uma doença do cérebro.

Mesmo assim, o tratamento praticado era o biológico. Portanto, ele argumentou que a esquizofrenia não era um fato, mas uma teoria.

Propôs também que a loucura era uma espécie de transe pelo qual algumas pessoas passavam. Uma espécie de viagem a regiões obscuras de si mesmo.

No entanto, é possível retornar dessa viagem, muitas vezes com mais sabedoria do que antes. O que o médico deveria fazer era permitir e acompanhar de fora esse processo, em vez de reprimi-lo.

A experiência do Kingsley Hall

No Kingsley Hall, os pacientes viveram com os psiquiatras. As regras eram decididas pelos moradores do prédio, mas nenhum deles era rigorosamente obrigado a cumpri-las.

Pelo contrário, todos eram incentivados a viver sua loucura como quisessem. Aqueles que estavam melhores ajudavam os que não estavam bem. Era uma comunidade solidária.

Durante os quase cinco anos de experimento, foram observadas conquistas notáveis. Em particular, tornou-se famoso o caso de Mary Barnes, uma mulher diagnosticada com esquizofrenia que havia sido internada em vários hospitais mentais sem apresentar nenhuma melhora.

Em Kingsley Hall, ela foi incentivada a pintar as paredes com as suas próprias fezes, algo que desejava fazer. Com o tempo, tornou-se uma pintora famosa. E também escritora. Foi a autora de um famoso livro chamado Viagem Através da Loucura.

Mary Barnes

Mais de cem pacientes fizeram parte da história do Kingsley Hall. Um dos aspectos polêmicos do experimento foi a utilização de LSD, uma droga psicodélica, para, aparentemente, facilitar certas experiências mentais.

A verdade é que tudo isso acabou atraindo pessoas que tinham problemas com abuso de drogas e que moravam nas ruas. A vizinhança de Kingsley Hall começou a manifestar uma forte rejeição a tudo que acontecia ali.

Algumas conclusões que não chegaram

Em Kingsley Hall os pacientes eram incentivados a enlouquecer tanto quanto fosse possível, isto é, deveriam realizar sua “viagem” sem nenhuma restrição. As pessoas eram livres para sair e entrar como quisessem. Isso, certamente, era algo muito “louco”.

A palavra “ordem” era contrária a uma comunidade assim, uma experiência desse tipo. Isso talvez os tenha levado a cruzar barreiras que acabaram prejudicando-os.

Em todo caso, vários pacientes foram curados em Kingsley Hall. Não houve um registro metódico propriamente dito, mas foram vários os pacientes que passaram por lá e que hoje em dia dão seu testemunho de sanidade.

Contudo, também houve um casal que pulou do teto do edifício. Além disso, houve outros pacientes dos quais nunca mais se ouviu falar uma vez terminada a estadia.

Pássaro em gaiola aberta

Em 1969, Kingsley Hall foi declarado um lugar inabitável. Foi dessa forma que terminou o interessante experimento que incomodou muitos vizinhos e profissionais da psiquiatria. É compreensível.

Os espaços fétidos com pacientes que uivavam a noite toda ou que gritavam pedindo mamadeira não são fáceis de aceitar. No entanto, é uma pena que as conclusões dessa experiência nunca tenham sido formalizadas.


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  • Desviat, Manuel. “La antipsiquiatría: crítica a la razón psiquiátrica.” Norte de salud mental 6.25 (2006): 1.
  • Laing, Ronald. “Metanoia: algunas experiencias en el Kingsley Hall de Londres.” Revista Argentina de Psicología.
  • Laing, D., J. Kornfield, and R. Assagioli. “El poder curativo de la crisis.” España: Kairós (2001).
  • Soto, Carlos Pérez. Una nueva antipsiquiatría: crítica y conocimiento de las técnicas de control psiquiátrico. Lom Ediciones, 2012.

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