Fibromialgia em primeira pessoa (depoimento)
Durante uma conversa com uma pessoa que foi diagnosticada com fibromialgia, entendi a necessidade de abordar essa doença em nível psicológico desde o primeiro momento do diagnóstico. Quais são as perguntas que geralmente surgem depois disso? Como são os primeiros meses de convivência com a doença?
Neste artigo, damos voz às pessoas com fibromialgia para que possam falar, em primeira pessoa, sobre a sua doença. Abordamos as perguntas, a priori sem resposta, aqui respondidas por pessoas com fibromialgia, com a intenção de ajudar outras pessoas a recompor as suas vidas a partir do diagnóstico.
Em 1992, a fibromialgia foi reconhecida pela OMS como uma nova entidade clínica, denominada “síndrome da fibromialgia”, que foi incorporada à classificação internacional de doenças.
A OMS define a entidade clínica como: “a alteração ou interrupção da estrutura ou função de uma parte do corpo, com sintomas e sinais característicos e cuja etiologia, patogênese e prognóstico podem ou não ser conhecidos” (López Espino & Mingote Adán, 2008).
As condições que ocorrem na fibromialgia apresentam sintomas e sinais típicos de uma etiopatogenia multifatorial na qual se combinam fatores genéticos e epigenéticos. Isso condiciona uma alteração persistente do sistema de autorregulação e controle da dor e do estresse no sistema nervoso central (López Espino & Mingote Adán, 2008).
Para o seu tratamento, é essencial uma abordagem multidisciplinar, em contraste com a abordagem biomédica tradicional, tendo em vista a enorme complexidade que estes pacientes geralmente apresentam (Villanueva et al, 2004).
“Para mim, apoiar vai além de pegar as minhas sacolas para eu não carregar peso; é me ajudar a lidar com a doença, é me entender e não apenas concordar comigo, é estar ao meu lado e se adaptar junto comigo à nova situação. “
-Pessoa com fibromialgia-
Depoimento em primeira pessoa: fibromialgia
Os primeiros sintomas
Sempre me sinto cansada, com sono, com frio. As dores de estômago e de cabeça já fazem parte de mim. Sou constantemente acompanhada por dores intensas nos joelhos, nos músculos (músculos travados que nunca se destravam), pontadas, cãibras e inúmeros esquecimentos.
Dor e agravamento dos sintomas:
Não é possível suportar. Você não quer viver assim. Cada dia surge da mesma forma que o anterior. Não vale a pena passar outras 24 horas odiando o próprio corpo porque ele dói de uma forma insuportável, insofrível… embora esta última palavra seja paradoxal.
Não importa que você não tenha se movimentado naquele dia, que não tenha feito nenhum esforço a mais. O simples ato de tirar o corpo da cama já é cansativo, porque ele está rígido e dolorido. Tudo cai das suas mãos, tudo pesa, tudo cansa. Cortar, segurar um prato, secar o cabelo… melhor nem falar de dirigir e trabalhar.
Não importa se você está dormindo, em pé ou sentada. O sofá não é confortável, a cama também não. Todas as roupas são desconfortáveis. Tudo é demais, tudo é difícil. Uma vez que você está morrendo de dor, você não consegue ficar com as pessoas. Tanto faz se for durante pouco ou muito tempo; você analisa tudo (com quantas pessoas vou ter que interagir assim? Onde e como vou estar? Não vou conseguir. É isso o que você pensa). Assim, você deixa de ter a vida social de que sempre gostou.
Você também não quer falar sobre isso com ninguém, pois ninguém entende. Todos os testes que pediram para procurar uma doença autoimune que explique os sintomas deram negativo. E falar, além de tudo, envolve inicialmente reclamar, mas você não é a única pessoa que tem problemas no mundo.
Você não consegue encontrar as palavras para se comunicar. De repente, o glossário das palavras não está mais na sua mente. Ela fica em branco. É difícil comentar algo, intervir em uma conversa, dar uma opinião. Os esquecimentos se tornam mais constantes e têm maiores consequências. Isso te deixa arrasada.
Os sintomas pioram. Não há mais dias bons em que você tem um pouco de energia. Parece que te morderam, cortaram com vidro, que essas sensações nunca mais vão embora, nem as dores, nem a gripe. Às vezes, você tem a esperança de que seja algo que vai passar, mas não passa. Ninguém pode encostar em você.
Você se torna hipersensível à luz, ao ruído e aos comentários das pessoas; é extremo. Você não consegue adormecer porque está com dor, apesar do quanto você se sente cansada. A dor te acorda durante a noite. O sono não é reparador. Nenhum remédio ajuda em nada. E, assim, chega-se ao pico mais alto.
“Eu me considero sortuda porque as escuto todos os dias; tenho pessoas ao meu redor que me entendem perfeitamente, que me apoiam. Algumas delas, embora não entendam muito bem a doença, ainda assim me aceitam e se preocupam.”
-Pessoa com fibromialgia-
Diagnóstico, combate e aceitação da fibromialgia
Você vai até a clínica de dor na esperança de que receitem uma pílula mágica ou que peçam sessões de fisioterapia para o restante da vida. Com o meu histórico de sintomas, o repertório de exames e a confirmação de mais de 18 pontos, suspeitam dessa doença: a fibromialgia. Aquela que comumente se desconhece e que, além de tudo, não tem cura.
O médico internista confirma o diagnóstico. Desta vez, o teste de imunidade mostra os anticorpos. Estou diante do diagnóstico de uma doença crônica. Que palavras mais duras.
Vou a um fisioterapeuta. Ele me aconselha a me tratar em vários níveis, pois essa doença afeta diferentes áreas da pessoa. O profissional me incentiva a parar de ficar no escuro. Ele me pergunta o que influenciou a forma como tenho enfrentado o meu diagnóstico. Com poucas semanas, entendi que a mudança teria que começar por mim.
Os tratamentos devem ser adaptados para cada pessoa. Para que funcionem, devem ser muito personalizados e envolvem primeiramente mudar, modificar ou eliminar pequenas ações ou gestos que realizamos no dia a dia: não pensar no quebra-cabeça completo, mas sim ir peça por peça, reposicionando-as, sem pressa.
Quanto às tarefas, é preciso priorizar, deixar algumas coisas por fazer. É preciso aprender a prevenir e antecipar sem se sobrecarregar, deixando as tarefas planejadas ou concluídas, mas evitando a todo custo a tensão. Isso é algo muito difícil de fazer.
Na esfera pessoal-social, é importante trabalhar a inteligência emocional: tristeza, alegria, medo, angústia… deixar de ter medo se torna um desafio e uma luta contra a doença.
Além da nossa mente, também é preciso colocar o nosso corpo em equilíbrio. Quanto à alimentação, trata-se de algo muito pessoal. Cada um deve se conhecer para saber o que não pode comer, o que é muito pesado e o que pode causar diarreia crônica.
É preciso fazer exercício físico. E aqui estamos diante de algo incoerente por causa do padrão de dor e invalidez que sofremos. Ir a uma academia, a uma aula em grupo ou praticar algum esporte parece comparável a escalar o Everest… como é difícil dar o primeiro passo! Mas é necessário, então é preciso ter perseverança e suportar a dor no início.
No meu caso particular, foi muito útil o qigong ou chi kung, uma série de técnicas geralmente relacionadas à medicina tradicional chinesa, que incluem a mente, a respiração e o exercício físico. Isso me ajudou bastante a me reconciliar com o meu corpo. Afinal, eu estava começando a odiá-lo, já que ele só me trazia dor.
Quando você consegue enfrentar a doença, as atividades diárias começam a ser menos difíceis. Você consegue ficar em qualquer lugar, seja ele desconfortável ou não, e conversar com qualquer pessoa sem ter medo de que tudo se transforme em reclamações. Você pode, aos poucos, recuperar o seu corpo novamente.
“Uma doença crônica como a fibromialgia, como a dor crônica, abala o mundo do paciente e, portanto, o seu entorno; é por isso que não devemos nos esquecer do apoio mútuo.”
-Pessoa com fibromialgia-
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- López, M. y Mingote, J. C. (2008). Fibromialgia. Clínica y Salud, 19(3), 343-358. https://scielo.isciii.es/scielo.php?pid=S1130-52742008000300005&script=sci_abstract#:~:text=La%20OMS%20define%20la%20entidad,pueden%20ser%20conocidos%20o%20no%22.
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