Fique entediado, seu cérebro agradece
A ideia de que o tédio deve ser combatido unicamente por meio de estímulos externos é um erro grave. Lidar com o tédio sozinho e em silêncio também é possível; de fato, ficar entediado é uma arte a ser aprendida e dominada. Acima de tudo, ela aumenta nossa capacidade criativa.
Segundo Guillermo Funes, professor honorário de psicologia da Universidade Carlos III, “Um nível de tédio adequado promove a criatividade, quebra a rotina e pode criar algo diferente”. Apesar da associação que fazemos entre o tédio e o medo, assim como entre o silêncio e a ansiedade, há um efeito positivo: quando estamos entediados, descobrimos coisas. De alguma maneira, o tédio aguça a imaginação e a criatividade. Daí vem o título deste artigo: “Fique entediado, seu cérebro agradece”.
Um estudo feito pela Universidade Central Lancashire (Uclan) afirma que as atividades entediantes mais passivas, como por exemplo participar de reuniões, podem conduzir a uma maior criatividade, enquanto outras atividades como escrever, por exemplo, reduzem seus efeitos. Ainda que muitos acreditem que o tédio no trabalho deve ser eliminado, ao considerar estes resultados talvez não seja uma má ideia lhe dedicar algum tempo em determinados momentos e áreas.
“Fique entediado, esta é a doença das pessoas afortunadas; os desafortunados não ficam entediados, eles têm muito o que fazer”.
-A. Dufresnes-
Se ficar entediado é vantajoso, por que nos sentimos mal quando estamos entediados?
Por que quando começamos a nos sentir entediados imediatamente buscamos algo para fazer? O que a intolerância esconde neste estado? Além do rótulo negativo atribuído pela sociedade, o tédio pode ser interpretado como um indicativo de uma vida vazia ou como algo que nos lembra que não estamos fazendo nada de útil. Ou pelo menos é isso que pensamos.
Numa sociedade hiperconectada e hiperestimulada, o tédio se torna ao mesmo tempo um bem escasso e um mal comum. Ficamos entediados e imediatamente recorremos a recursos externos, como a televisão e a tecnologia, para sair deste estado. Não sabemos como aproveitar o tempo livre, o momento presente e a conexão com o nosso eu interior. Nossa prioridade é a de nos mantermos ocupados.
Não queremos dizer com isto que devamos mergulhar em um estado de inatividade dominado pelo tédio diário, mas sim que ficar entediado nos ajuda de algum modo a escutar a nós mesmos e a descobrir o que tanto tentamos esconder mantendo-nos ativos.
Além disso, o excesso de estímulos da sociedade atual pode fazer com que sintamos um tédio fictício. Talvez atualmente exista um maior índice de tédio porque não sabemos aproveitar as coisas simples. Na maioria das vezes, nos entediamos não porque não temos nada para fazer, mas sim porque os estímulos que recebemos não nos satisfazem.
Para combater o mal-estar causado pelo tédio, precisamos estar conscientes de por que nos entediamos para nos beneficiarmos disso. Fique entediado e observe o que acontece.
“Uma geração que não suporta o tédio será uma geração de pouco valor”.
-Bertrand Russell-
Ficar entediado no momento adequado é um sinal de inteligência
É bom ficar entediado? Como quase todas as coisas, em excesso o tédio faz mal. Como vimos, uma certa dose de tédio estimula a criatividade, já que ao nos sentirmos dessa forma procuramos maneiras de nos entreter. Dito isso, não vamos desenvolver esta criatividade se tivermos à mão as redes sociais e os aparelhos eletrônicos. Se, ao contrário, não os utilizarmos, a imaginação e a criatividade entrarão em cena e criaremos todo um mundo de possibilidades.
Além disso, o tédio excessivo poderia nos levar a consumir mais álcool e tabaco, ou a ter ideias mais extremistas. O fato de que o tédio é uma experiência cotidiana sugere que ele deveria servir para alguma coisa, como diz Heather Lench, professora da Universidade do Texas A&M. Afinal, sentimentos como o medo podem nos ajudar a enfrentar o perigo, enquanto a tristeza evita que cometamos erros no futuro. O que se alcança com o tédio?
Heather Lench suspeita que o tédio está por trás de uma de nossas características mais importantes: a curiosidade. O tédio evita que façamos sempre as mesmas coisas, nos impulsiona a estabelecer novas metas e a explorar novos territórios e ideias.
Fique entediado, seu cérebro agradece.
“O tédio é uma erva daninha, mas é também uma especiaria que possibilita digerir muitas coisas”.
-Goethe-