Franco Basaglia, um psicólogo que alterou modelos

Franco Basaglia, um psicólogo que alterou modelos
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 08 janeiro, 2019

Franco Basaglia é um desses personagens à frente de sua época. Este psiquiatra italiano propôs e colocou em prática uma nova abordagem na atenção psiquiátrica que representou uma grande revolução. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) toma a experiência iniciada por Basaglia como uma das referências mais relevantes para entender a psiquiatria atual.

Junto com Ronald D. Laing e David G. Cooper, Franco Basaglia é conhecido como um dos pais da “antipsiquiatria”. Muitas de suas obras são verdadeiros clássicos: foram traduzidas para vários idiomas e lidas por muitas gerações.

Franco Basaglia não foi apenas um cientista rigoroso, mas também um humanista e um ativista. Ele se opôs à psiquiatria tradicional, não apenas pela ineficiência de muitos dos seus métodos, mas também por profundas convicções éticas. Seu legado segue dando frutos.

“Por trás de qualquer doença psiquiátrica há um conflito social”.
-Franco Basaglia-

Os primeiros anos de Franco Basaglia

Franco Basaglia nasceu em Veneza (na Itália) em 1924. Pertencia a uma família abastada e teve uma infância tranquila. Aos 19 anos, começou a estudar na faculdade de medicina da Universidade de Pádua, na Itália.

Envolveu-se com o movimento antifascista de seu país e, por isso, esteve preso entre 1944 e 1945. Sua passagem pela prisão marcou definitivamente sua postura em relação à reclusão obrigatória.

Em 1950, Franco Basaglia obteve seu diploma como psiquiatra. Oito anos depois, tornou-se professor na Universidade de Pádua. Apenas três anos mais tarde deixou a academia e se mudou para Gorizia, onde foi responsável pela direção do hospital psiquiátrico local.

Foi lá que descobriu que os internos do hospital recebiam um tratamento similar ao dos presidiários nas prisões.

Nessa altura, Basaglia já tinha sua própria concepção sobre as doenças mentais. Não aceitava que se tratasse de doenças físicas, pelo contrário, as interpretava como uma consequência da marginalização e de ambientes disfuncionais.

Seu primeiro discurso no hospital ainda é lembrado hoje em dia. Suas palavras foram uma declaração de intenções: “Uma pessoa com uma doença mental entra no manicômio como ‘pessoa’ para ali se transformar em uma ‘coisa’. O paciente, em primeiro lugar, é uma ‘pessoa’ e como tal deve ser considerado e atendido (…) Nós estamos aqui para esquecer que somos psiquiatras e para lembrar que somos pessoas”.

Franco Basaglia

A experiência em Trieste

Em agosto de 1971, Franco Basaglia assumiu a direção do hospital psiquiátrico de Trieste, também na Itália. Quando chegou, havia 1.182 pessoas internadas.

Para a comunidade, o local era uma espécie de lixeira isolada na qual acabavam todos os indivíduos que não se adaptavam à sociedade e que, por isso, “incomodavam”.

Nessas circunstâncias, Basaglia empreendeu um processo de transformação, tanto dentro quanto fora do hospital. Suas ideias receberam o apoio de profissionais, governos e instituições do mundo todo que entenderam a necessidade da revolução que Basaglia defendia.

Em relação ao seu trabalho dentro das instituições, para ele foi muito importante o desenvolvimento de oficinas de arte com os pacientes. Também se preocupou em gerar oportunidades para que os internos criassem e assumissem iniciativas.

A questão era fazer com que deixassem de ser pessoas passivas, fazer com que o meio em que estavam deixasse para trás a ideia de que tinham pouco ou nada a oferecer. O objetivo das ideias de Basaglia era voltar a atenção ao que eram capazes de fazer, compensando com isso as suas limitações.

Franco Basaglia com seus pacientes

O mais importante de tudo foi que ele criou um sistema de hospital aberto. Os pacientes do hospital podiam sair às ruas, voltar à sociedade. Ao mesmo tempo, muitos puderam voltar às suas casas.

Além disso, Basaglia organizava assembleias dentro do hospital para conhecer a opinião dos pacientes e buscar alternativas de soluções entre todos.

Uma questão era que os manicômios deixassem de ser locais isolados e marginalizados da dinâmica social. A outra questão era buscar o apoio da própria sociedade para que os internos pudessem se reintegrar.

Toda essa experiência animou Franco Basaglia a começar um movimento que acabasse com todos os manicômios e as ideias que indiretamente representavam. Para isso, teve que enfrentar uma parte significativa da psiquiatria de sua época: aquela que defendia a intervenção em ambientes isolados e totalmente controlados. A mesma que considerava que todos os internos estavam ali porque não eram, nem seriam, capazes de viver em sociedade.

Apesar de não ter sido fácil, suas ideias triunfaram. Assim, acabou instalando o modelo da “psiquiatria democrática”, conseguindo que na Itália fosse aprovada a Lei 180, que proibiu para sempre a internação obrigatória das pessoas com algum tipo de disfunção mental.

Um trabalho com projeção

Em 1980, o hospital de Trieste já não se parecia nada com o que havia sido. Os antigos serviços e procedimentos haviam sido substituídos por outros mais baratos, humanos e eficientes.

O antigo manicômio foi substituído por 40 serviços diferentes. A ideia do confinamento ou da reclusão tinha sido abandonada. Acontecia exatamente o oposto. A nova abordagem utilizava novos recursos e ferramentas, como os cuidados em domicílio.

Os casos graves eram tratados em locais nos quais havia reuniões de pequenos grupos. A ideia defendida passou a ser a da reabilitação psicossocial.

Franco Basaglia morreu em 1980, deixando ideias que mudaram o panorama da psiquiatria em muitas sociedades. Podemos relacionar sua revolução à de Copérnico quando se deu conta de que a Terra e, consequentemente, o homem, não eram o centro do universo.

Paradoxalmente, Basaglia veio nos mostrar que embora não fôssemos o centro do universo, nenhuma pessoa merecia ser menosprezada e afastada da sociedade. Ele resgatou o valor da vida e, portanto, o valor de seu sentido.


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  • Basaglia, F., & Ongaro, F. B. (1973). La mayoría marginada: la ideología del control social (Vol. 16). Laia.


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