Grease: revendo um clássico

Grease é um daqueles filmes imortais cujas músicas continuamos curtindo e cantando por muito tempo. No entanto, a partir do ponto de vista atual, pode ser difícil de digerir. O longa se tornou desatualizado?
Grease: revendo um clássico
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 05 novembro, 2022

Muito tem se falado nos últimos meses sobre músicas, filmes ou livros do passado que, a partir do ponto de vista atual, não superariam o filtro do que é correto. Grease – Nos Tempos da Brilhantina é um exemplo. O que fazer nesses casos? Deixamos de ouvir as músicas que nos acompanharam a vida toda? Boicotamos o nosso filme favorito? Nesse sentido, poucos filmes escapariam de ser classificados como machistas, homofóbicos ou racistas. Mas se os ignorarmos, estaremos perdendo uma parte da nossa história e cultura.

Grease criou tendências: os seus ‘looks’ foram imitados e as suas músicas são cantadas até hoje. Todo grande sucesso comercial tem uma consequência, por pior que ele seja. Não há muitos filmes que possam se orgulhar de tais conquistas e tenham uma trilha sonora absolutamente imortal.

Depois de vê-lo novamente, fiquei surpreso ao perceber que, apesar dos anos, ainda me lembrava de alguns diálogos e das letras das músicas. Mas também fiquei surpreso ao perceber que essa história de amor não era mais atrativa ou convincente. Talvez, tudo o que temos a fazer é nos colocarmos no contexto do momento e do lugar para desfrutarmos novamente.

O cinema, como as artes em geral, está sujeito a padrões que não são, de modo algum, estáticos. Grease foi um sucesso comercial retumbante em sua época e sua marca sobreviveu por um longo tempo. Certamente, se hoje um filme como Grease fosse lançado, não geraria o mesmo impacto e não escaparia da polêmica.

Neste artigo, me propus a lhe dar uma segunda chance; analisar Grease a partir da perspectiva atual para ver como os gostos, os filmes e os costumes evoluíram.

Grease é a hora, é o lugar, é o movimento. Grease é a forma como estamos nos sentindo…

Grease: gosto versus qualidade

Eu não via o filme há muitos anos e, apesar de me lembrar de praticamente tudo, não me lembrava de que era tão “pobre”. Os sets e os figurinos têm aquele ar nostálgico que apaixona. Grease já era vintage na sua época. Mas se falarmos sobre o seu roteiro, os seus personagens e, em geral, sua qualidade, a verdade é que o longa deixa muito a desejar.

A história não poderia ser mais simples: dois adolescentes se apaixonam no verão. Ambos sabem que quando as férias acabarem, as suas vidas serão separadas para sempre. Mas o Cupido parece ter feito bem o seu trabalho e, por causa do destino, eles se reencontram na escola.

O seu primeiro encontro acontece após o verão e Danny mostra o seu lado mais sombrio, Sandy se decepciona e o resto é história. Acho que não há necessidade de insistir muito mais em seu roteiro. Do meu ponto de vista, a comoção é respirada desde o começo e é mantida durante todo o filme.

A maioria dos atores tinha mais de 20 anos e a verossimilhança é notável por sua ausência. As garotas vestem rosa e os garotos usam preto, coincidência? Não acredito. A diferença de gênero é perfeitamente definida; você só precisa ouvir a música Summer Nights para perceber as intenções: as meninas são românticas e materialistas, enquanto os garotos só pensam em sexo.

Grease pretendia ser um filme inocente, não queria ofender ninguém, se encaixa perfeitamente em modelos que deram bons resultados na sua época. O que em um momento é bem aceito, em outro pode se tornar ofensivo ou controverso, e Grease não é uma exceção. Em seu tempo não podíamos falar de personagens profundos e, atualmente, ainda menos. Os modelos ficaram desatualizados, embora, verdade seja dita, a diversão continue.

Uma trilha sonora eterna

Um dos pontos fortes de Grease é, sem dúvida, a sua trilha sonora. Canções inesquecíveis que, ao longo dos anos, encheram pistas de dança em discotecas ou em festas de todo mundo. Quem não imitou o Grease Lightning de John Travolta e os T-Birds?

Eu ouso dizer que, se não fosse pela sua trilha sonora, Grease não teria obtido tamanho sucesso. Devemos também adicionar o trabalho do elenco, a química dos seus protagonistas e um John Travolta que já havia demonstrado as suas habilidades na pista com Os Embalos de Sábado a Noite (1977). Uma música cativante e dançante, decoração colorida, trajes retrô e comédia romântica; o sucesso estava assegurado.

Grease precisa de sua trilha sonora para preencher as lacunas do seu roteiro. A música transforma um filme simples em um filme encantador, capaz de atrair legiões de fãs. Agora, o que acontece se ouvirmos atentamente as letras das músicas? A partir de uma perspectiva atual, voltamos ao mesmo, dificilmente passariam pelo filtro do politicamente correto.

Um bom exemplo disso é visto na música Beauty School Dropout: o anjo da guarda de Frenchy lhe dá uma série de conselhos para que ela continue os seus estudos. Somente são mencionadas profissões que, na época, estavam associadas às mulheres: taquigrafia, cabeleireiro… Refere-se a rinoplastia e tarefas domésticas como costura ou limpeza.

A música Grease Lightning, ao contrário, está perfeitamente enquadrada no mundo dos motores, carros e mecânica. Em suma, “coisas de homens”.

Somente se salvaria There are worse things I could do, mas falaremos sobre ela depois. Se pensarmos, por exemplo, em You’re the one that I want e em tudo que a cena ligada à música implica, a única coisa que poderíamos fazer é nos perguntar: quem em sã consciência mudaria tudo por amor? Apesar disso, proponho que nos esqueçamos por alguns momentos do século em que vivemos e desfrutemos da música sem pensar demais.

Grease: um filme inovador?

Sim, apesar de tudo que eu disse antes, Grease tem algo de inovador. É extremamente inocente, extremamente leve… Mas o que você pensaria se eu lhe dissesse que temos um despropósito ainda maior em plena década dos anos 2000. Você se lembra de High School Musical ou de Camp Rock?

Esses filmes, “não adequados para diabéticos”, vieram pelas mãos da Disney e nos venderam um golpe de publicidade. Conquistaram os pré-adolescentes e neles, na melhor das hipóteses, o casal apaixonado dava as mãos.

Isso se justificava por pertencer ao selo da Disney e se concentrar no público infantil, mas mesmo assim, nós não os perdoamos porque até mesmo Branca de Neve teve o seu beijo com o príncipe.

Em Grease, a mais adocicada é Sandy, mas o restante dos personagens se movimenta em um quadro mais comum para os jovens: festas, diversão, sexo, álcool, dúvidas sobre o futuro… Grease, além disso, se atreve a falar sobre contraceptivos e gravidez em adolescentes.

Quando vi o filme na minha infância (ou pré-adolescência), Sandy me parecia cativante e carinhosa. Rizzo, por outro lado, era a antagonista, a garota má e insuportável que só tornava o filme irritante. No entanto, assistindo agora, a minha percepção dos personagens mudou drasticamente. Rizzo me surpreendeu agradavelmente e descobri um personagem muito mais interessante do que pensava.

Grease

Rizzo: uma personagem atual

Rizzo fuma e é a única garota que lidera o grupo; lembre-se de que essas ações, até pouco tempo atrás, eram “coisa de homens”. Ela é uma jovem independente que quer se divertir como os meninos e, por isso, é punida com brincadeiras e rótulos. Na canção There are worse things I could do, Rizzo nos mostra seus medos, suas inseguranças; ela também chora e sofre.

Apesar de fazer as mesmas coisas que os rapazes, ela é criticada pelas suas ações, enquanto eles são heróis. Até os homens a julgam, embora façam o mesmo. Rizzo quebra um pouco o estereótipo do “feminino”, de como uma garota deve ser. Mas infelizmente, a sociedade não estava preparada.

Grease levantou algumas questões muito interessantes e, apesar de suas falhas, o conjunto funcionou e continua a funcionar. No entanto, se quiser ver um musical realmente inovador dos anos 70, minha sugestão é The Rocky Horror Picture Show.

Conclusão

Grease não pretendia quebrar os esquemas para ninguém, só queria nos fazer passar um tempo agradável e isso é algo que não pode ser discutido. Depois de vê-lo novamente, devo dizer que gostei, me diverti e passei momentos muito interessantes.

Finalmente, encontrei o sentido do carro voador no final. Eu sempre pensei que era uma cena absurda, que quebrava a verossimilhança. Mas Grease é uma fantasia, uma história e, portanto, o elemento mágico serve para nos lembrar que o que acabamos de ver não é uma história real.

O fim com We go together é um grito de alegria, de juventude, e um desejo realmente contagiante de viver. Em suma, podemos continuar a desfrutar do cinema do passado e, ao mesmo tempo, aprender de maneira objetiva com como os nossos gostos e valores mudaram.

Grease é a palavra.


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