Inteligência e tédio: pessoas inteligentes ficam mais ou menos entediadas?

Inteligência e tédio: pessoas inteligentes ficam mais ou menos entediadas?
Sara Clemente

Escrito e verificado por psicóloga e jornalista Sara Clemente.

Última atualização: 29 dezembro, 2022

Pensar que alguém que fica entediado com facilidade não tem capacidade de se entreter ou sofre de falta de criatividade é um erro. O que sabemos hoje é que, segundo confirmam muitas pesquisas, existe uma relação entre inteligência e tédio. Na verdade, níveis intelectuais altos são indicativos de uma melhor capacidade para lidar com o tédio.

Quando falamos das crianças, há certas atitudes nos pais que podem cansá-las, oprimi-las e até saturá-las. Por exemplo, a tendência generalizada que vemos de pensar que quanto mais atividades extracurriculares no horário da criança (aulas de idiomas, atividades esportivas…) mais elas vão aprender e melhores serão suas chances no futuro é um grande erro.

Nesse sentido, o ideal é que a quantidade de estímulo que uma criança recebe não seja inferior a um certo nível. Também é certo que o melhor cenário inclui o cultivo de múltiplas relações afetivas e pessoais. Ter atividades demais, no entanto, pode gerar uma superestimulação que não tem nada de saudável.

Por isso, o esforço que muitos pais fazem para manter seus filhos continuamente ocupados acaba se voltando contra eles mesmos e o interesse que perseguem. Em alguns casos é necessário ouvir as crianças falarem “estou entediada!”, porque é nesse momento que as capacidade criativas e artísticas da mesma são usadas, estimuladas e criadas. Elas devem enfrentar esse vazio do “e agora, o que eu faço?”.

Criança entediada

De onde vem o tédio?

Há tarefas das quais gostamos muito, porque elas nos trazem uma grande satisfação. Por outro lado, quando as completamos ou as repetimos com muita frequência, podemos chegar ao ponto de sentir um vazio por dentro, vontade de mudar e fazer algo diferente.

Se isso é ocasional, essa sensação é um sinal do nosso corpo que nos alerta para uma diminuição da nossa motivação. Por exemplo, pode ser um sinal associado a uma diminuição do nosso interesse pelo trabalho que estamos realizando. Essa sensação, no entanto, não costuma chegar a nos paralisar, pelo contrário. Ela deve nos impulsionar a buscar outras atividades que nos entretenham e que agreguem mais valor.

Alto quociente de inteligência, menos tédio

A relação entre inteligência e tédio foi o objeto de uma pesquisa publicada no Journal of Health Psychology. Seus resultados demonstram que pessoas com um alto quociente de inteligência se entediam com menos facilidade. A causa seria o fato de que passam boa parte do seu tempo concentradas em seus pensamentos. Isso as mantêm motivadas, entretidas e estimuladas.

No caminho contrário, segundo o mesmo estudo, as pessoas que não têm essas mesmas capacidades precisam de um maior número de atividades que, de alguma forma, prendam sua atenção para que possam desse modo “preencher” seus dias e estimular sua mente. Por exemplo, entre elas podemos mencionar as atividades ligadas a esportes. Cuidado, porque isso não quer dizer que as pessoas muito inteligentes não tenham nenhum interesse em sair, em socializar ou em fazer atividades físicas.

Encontramos também outra pesquisa que segue a mesma linha. Nesse caso, ela foi realizada por duas instituições, Singapore Management University e London School of Economics and Political Science. Esse outro estudo concluiu que as pessoas mais inteligentes preferem dedicar suas horas para atingir seus objetivos do que socializar com outras pessoas. Curioso, não?

Mulher correndo na rua

Inteligência e tédio em crianças com altas capacidades

No caso de crianças superdotadas, a situação anterior acontece ao contrário. Os pequenos precoces e com grande capacidade de aprendizagem tendem a se entediar muito se não frequentarem aulas especiais e adaptadas a suas necessidades educativas.

O desenvolvimento cognitivo dessas crianças está acima da média de seus companheiros da mesma idade. Por isso, se o ritmo de ensino das aulas está abaixo do que eles precisam para continuarem sendo estimulados, surge o tédio e a falta de motivação.

É por isso que a atitude dessas crianças na sala de aula é de uma recreação contínua e elas têm uma grande facilidade para se distrair. Não prestam atenção, não fazem os deveres e não têm motivação antes, durante ou depois de estar na escola. Costumam se mostrar muito críticos com seus professores e com frequência mostram um baixo rendimento acadêmico.

Como vemos, inteligência e tédio guardam uma íntima relação. Mas também temos que ter em conta que nem todas as crianças agem da mesma maneira nem sentem tédio do mesmo modo. Claro que existem crianças muito capazes que não costumam se cansar da escola, assim como muitas crianças que estão abaixo do níveis normais de desenvolvimento intelectual se entediam facilmente. Cada criança é uma e, na verdade, a existência de tantas diferenças individuais é incrível.

Saúde, inteligência e tédio

O tédio em crianças com altas capacidades pode gerar repercussões sérias em sua saúde física e psíquica. Inclusive, pode chegar a gerar grandes transtornos sociais, comportamentais e cognitivos. Por exemplo, graves dificuldades de adaptação e integração com o grupo da mesma idade e sentimentos de frustração e desamparo que, passados os anos, provocam sentimentos de incompetência e ansiedade.

Essas alterações podem se agravar se profissionais da infância confundirem o tédio causado pela sua alta inteligência com outros transtornos e patologias. Por exemplo, com TDAH, que também gera a mesma falta de concentração em sala, ou com problemas de aprendizagem ou alterações na personalidade.

Menina entediada na escola

Nos adultos, se o tédio é extremo e acontece com muita frequência, também pode causar problemas graves. Conforme indica James Danckert, um dos maiores experts nesse assunto, se experimentarmos o tédio nesses termos é provável que tenhamos uma maior tendência para desenvolver depressão, ansiedade e comportamentos compulsivos. Além disso, pode ser a causa de um transtorno obsessivo-compulsivo ou de diferentes tipos de somatização, porque tem um poderoso efeito negativo sobre a saúde física e psicológica.

Não obstante, sentir tédio de vez em quando também pode fazer bem para a saúde. Às vezes, quando estamos saturados do ritmo do dia a dia, sentimos falta daqueles momentos de “não fazer nada”. São momentos para nos dedicarmos a nós mesmos, e convenientes para libertar a mente de vez em quando. Assim, temos a chance de prestar atenção a nossos pensamentos internos, que na pior das hipóteses sempre têm algo a nos dizer.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.