Lavar as mãos não limpa a consciência

Lavar as mãos não limpa a consciência

Última atualização: 26 julho, 2016

Segundo contam os evangelhos, Pôncio Pilatos deixou a sentença que marcaria o destino da vida de Jesus nas mãos do povo. Ao fazer isso, ele teve o objetivo de renunciar a qualquer tipo de responsabilidade sobre o que ocorresse. Lavar as mãos afastava-o das consequências da escolha e de qualquer interesse pela situação. 

Esta expressão, transmitida ao longo dos tempos, faz parte da nossa linguagem do cotidiano e normalmente é usada com um viés negativo: “Eu lavo as minhas mãos” ou, com o mesmo sentido, “nego qualquer responsabilidade perante o que possa acontecer”. Como sabemos, isso é utilizado sobretudo quando alguém tem a consciência de que existe uma grande pressão ao optar por uma alternativa diante das inúmeras outras que existem por trás de uma decisão.

Por isso é uma decisão que incomoda: pois lavar as mãos é um ato de covardia que deixa cair todo o peso de uma situação sobre os ombros dos outros. No entanto, mais cedo ou mais tarde surgirão as consequências: é provável que alivie a carga, mas será apenas um alívio momentâneo, já que a consciência fica pesada e o comportamento, manchado.

É mais fácil evitar as responsabilidades do que as consequências

Todas as decisões precisam de alguém que responda por elas, de outra forma é muito complicado que elas sejam tomadas com responsabilidade e ética. Isso é algo que devemos ter em mente, já que quando nos deparamos com alguma situação complicada, pode existir a tentação de dividir o peso da decisão que não nos agrada.

Mulher diante de uma coruja

Nestes casos, comuns no meio familiar e no trabalho, o que ocorre é que há sempre alguém que foge das decisões, evita procurar soluções ou enfrentar os maus momentos: isso requer menos esforço e é mais simples. No entanto, essa pessoa se esquece de que, por ação ou omissão, está dentro do problema e as consequências acabam por chegar.

Em outras palavras, mostrar desinteresse por algo da sua responsabilidade não o torna livre disso e pode acabar por lhe tirar o sono: a consciência é um juiz valioso que analisa o comportamento e determina as suas próprias sentenças. 

“A minha consciência tem mais peso para mim do que a opinião do mundo inteiro.”
-Cícero-

Um experimento científico

Segundo o diário ABC, estudos revelam que lavar as mãos (literalmente) depois de um momento conflituoso reduz o mal-estar e justifica a forma de agir: a água parece ajudar com o sentimento de culpa e com os remorsos. A Universidade de Michigan realizou um teste para comprovar essa teoria.

O que fizeram foi dar um conjunto de CDs a um grupo de pessoas, pedindo para ordenarem dez com base nas suas preferências. Depois elas foram informadas de que teriam que escolher entre o CD que haviam colocado na quinta ou na sexta posição. Em seguida, metade dos participantes lavou as mãos com sabão e a outra metade apenas examinou um recipiente de sabão. Quando terminaram, os grupos tiveram que reordenar os CDs.

Os que haviam passado as mãos por água mantiveram a sua ordem inicial dos CDs, enquanto os que não o fizeram colocaram o CD que tinham escolhido entre os primeiros e o que tinham descartado entre os últimos.

Os pesquisadores entenderam que aquelas pessoas que lavaram as mãos não sentiram a necessidade de justificar a decisão que tinham tomado em relação aos CDs, no entanto, as que não as lavaram reordenaram os CDs, pois sentiram a necessidade de justificar sua decisão. Elas colocaram aquele que tinham escolhido numa posição muito superior ao que tinham descartado.

Lavar a mãos não é tê-las limpas

No mesmo sentido do experimento, é possível encontrar o uso da água em ambientes religiosos: um símbolo de purificação da alma que ajuda a se redimir dos pecados. Então é provável que a expressão de Pôncio Pilatos não se refira apenas à ação de fugir das responsabilidades, mas também de diminuir os remorsos.

Mulher lavando as mãos

No entanto, na prática, lavar as mãos nem sempre as limpa: todos nós já cometemos o erro de querer nos distanciar de algo, inclusive pela simples razão de que estava acabando conosco. O certo é que, depois, essa decisão nos acompanhou como um problema com o qual tivemos que lutar.

Na verdade, ter uma consciência pesada é como ter um mau amigo do qual não nos conseguimos livrar. A moral ética nos faz perceber que não agimos da melhor forma e não nos deixa descansar até recuperarmos a nossa paz interior. A consciência, quando pesa, nos ensina a crescer com os erros, a sermos mais solidários e a renovar os nossos próprios valores. 

 Ilustração principal de Valeri Tsenov

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