Descobrindo V, o líder revolucionário em V de Vingança

A quem pertence a máscara que vemos como símbolo do inconformismo? V é o protagonista de "V de Vingança", o líder revolucionário que nos convida a vencer nossos medos. Venha descobri-lo conosco.
Descobrindo V, o líder revolucionário em V de Vingança
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 05 novembro, 2022

V é o emblemático protagonista da história em quadrinhos V de Vingança, de Alan Moore e David Lloyd. No entanto, provavelmente é mais reconhecido por sua obra cinematográfica homônima de 2005. A história em quadrinhos começou a ser publicada durante a década de 1980 na revista britânica Warrior e, posteriormente, foi distribuída pela famosa editoria norte-americana D.C.

Esta mudança na distribuição e a posterior adaptação para o cinema fizeram com que a obra atingisse um público de massas, apesar de, em sua origem, não ter sido uma obra mainstream, e sim outsider, ou seja, “não era para qualquer um”. A passagem para as mãos de um dos gigantes de Hollywood, Warner Bros, fez com que a obra fosse adaptada, suavizada e que ficasse mais “digerível”. Isso irritou muito Alan Moore, que pediu que seu nome fosse retirado dos créditos.

V de Vingança se passa no momento em que o Reino Unido está sob o governo de Margaret Thatcher, cujas ideias e políticas conservadoras contrastam profundamente com os ideais anarquistas de Alan Moore e o anticonformismo de David Lloyd. Ambos os autores foram fortemente influenciados por sua própria realidade contemporânea, pelos problemas sociais e políticos de seu país. Como seria o mundo se os governos mais totalitários triunfassem?

O futuro distópico de V de Vingança

V de Vingança apresenta um futuro distópico em que o fascismo mais dominante e conservador chegou ao poder. Após uma guerra, o medo se expandiu pela sociedade britânica, fazendo com que os cidadãos apoiassem o líder Susan. Em troca de proteção e estabilidade, as pessoas cederam toda a cultura e liberdade.

Desapareceram obras de arte, livros… todos os traços da história passada foram eliminados junto com aqueles que morreram nos campos de realojamento. Porque um povo que não tem história não tem referências e, consequentemente, pode ser manipulado.

Isso nos faz lembrar de obras como Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, ou 1984, de George OrwellFuturos sem liberdade, futuros sem história nos quais a população parece estar adormecida, apesar de ter perdido os direitos mais fundamentais. Diante de toda essa opressão, V é exaltado como o herói/vilão que liderará o Reino Unido rumo ao despertar.

Cena do filme V de Vingança

As semelhanças com a nossa sociedade não são poucas: controle e manipulação dos meios de comunicação de massas, conformismo, medo de mudança, riquezas e privilégios acumulados por parte do poder, etc. Para que lutar por nossos direitos se podemos comprar um carro? Essa é a sociedade que se mostra em V de Vingança, uma sociedade que já não se lembra de seu passado, que perdeu os ideais e desconhece a igualdade.

V é um personagem cujo passado não conhecemos, não sabemos quem ele era antes de ter estado no campo de Larkhill. No entanto, sabemos que ele sobreviveu a todas as experiências que fizeram com ele e que, ao contrário do resto da população, ele ainda se lembra de seus ideais, história, arte… Ele veio para salvar as pessoas, para fazer com que elas reajam, que deixem o medo de lado e lutem pelo que é justo.

“O medo é a arma mais poderosa do governo”.
-V de Vingança-

V por trás da máscara

É impossível “desmascarar” V sem dar algum spoiler da trama, tanto da história em quadrinhos quanto do filme, mas iremos nos centrar na primeira, por se tratar da obra original. Moore costuma desmitificar heróis e vilões, assim como ocorre com o Coringa em Batman: A Piada Mortal.  V é visto como um terrorista, como um vilão no início da obra, ele mesmo se define como “a ovelha negra”. Mas será que V é realmente um vilão?

Ele é um vilão para o governo, para a falsa segurança e para todos aqueles que veem como a base de seu poder é abalada; é o que acontece com o bispo ou com o próprio líder Susan. A mídia, totalmente ao serviço do poder, vai difundir o medo entre a população, o mesmo medo que levou os fascistas a conquistar o Reino Unido.

V será chamado de terrorista e, de certa forma, podemos vê-lo como um, tendo em conta que usa a violência para alcançar seu objetivo. O que Moore pretende nos mostrar é que os bonzinhos talvez não sejam tão bons assim.

V de Vingança

Se pensarmos nas revoluções políticas ou sociais, naquelas mudanças que romperam brutalmente com o paradigma do que já era conhecido, como a Revolução Francesa, veremos que, diante da figura do opressor, raramente triunfa uma via revolucionária que seja pacífica. 

V quer a paz, a igualdade, mas precisa da violência para alcançá-la. As leis e a justiça estão a serviço do poder, desta forma, V não tem outra alternativa senão fazer justiça por conta própria e desobedecer.

A.S. Cohan realizou um estudo de teoria política chamado Introdução às Ideias Revolucionárias. Nesta obra, ele reúne uma série de questões que afetam a revolução e nos mostra como, na maioria dos casos, a revolução está necessariamente vinculada à violência.

Apesar disso, outros estudiosos, como Hannah Arendt, apontam que a revolução pode ser um problema na hora de estabelecer um modelo que permita que o ideal revolucionário triunfe. V de Vingança  nos apresenta os passos da revolução, mas não sua conclusão. A ideia é tão perfeita que nunca chega a ser desenhada na história em quadrinhos de Moore e Lloyd.

“Ideias são à prova de balas”.
-V de Vingança-

V, o legado

Quem se esconde por trás da máscara? Ou, melhor ainda, a quem ela pertence? A famosa máscara de V é um retrato do rosto de Guy Fawkes, um personagem histórico que tentou explodir o Parlamento britânico em 1605. Fawkes era católico e, diante da opressão dos protestantes, decidiu, sem sucesso, fazer justiça com as próprias mãos. Moore e Lloyd resgataram esse personagem, seu inconformismo e sua vontade de conquistar a igualdade, dando seu rosto a V.

A máscara de Guy Fawkes se transformou em um mito contemporâneo, um mito criado a partir da própria sociedade de massa, como explicado por Roland Barthes em sua obra Mitologias. Hoje a vemos em manifestações e nas redes sociais, servindo como ferramenta para expressar o inconformismo. Essa máscara nos convida a vencer o medo, a lutar por aquilo que consideramos justo.

Cena do filme V de Vingança

Evey é a outra cara da moeda; Evey é como nós. Ela tem medo, mas V fará com que ela se afaste desse medo e, assim, possa ser livre. O medo é uma das chaves da obra, desse governo que o utilizou para manipular a população. Para manter seu legado vivo, para que a revolução seja de todos e para todos, V se assegura de que Evey supere a barreira do medo e seja ela quem, após a morte dele, liberte a todos.

O próprio nome de Evey tem certas reminiscências bíblicas, nos lembra de Eva, a primeira mulher, a mãe de todos. Ela colocará a máscara após a morte de V e se transformará no novo líder, em V. Evey é o futuro do Reino Unido.

Os meios de comunicação nos fazem fugir da realidade; no entanto, seu impacto é tão grande que, se tirarmos proveito deles, podemos lançar uma mensagem diferente. V assume o controle da televisão para enviar uma mensagem à população. Dessa forma, ele se apodera de um símbolo de poder e opressão, o torna seu e sua mensagem é fortalecida. A versão cinematográfica é uma versão adoçada da história em quadrinhos, mas sua difusão foi tão grande que gerou um impacto na sociedade de massa, criando um mito, um símbolo de despertar.

V de Vingança nos convida a sair da zona de conforto, a não nos deixarmos ser manipulados, a superar as barreiras e a conquistar um mundo mais justo e mais igualitário.

“O povo não tem que temer seu governo, é o governo que tem que temer seu povo”.
-V de Vingança-


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  • Arent, H. (2006): Sobre la revolución. trad. Pedro Bravo. Madrid, Alianza.
  • Barthes, R. (1980): Mitologías. trad. H. Schmucler. Madrid, Siglo Veintiuno.
  • Cohan, A.S. (1997): Introducción a las teorías de la revolución. trad. Víctor Peral Domínguez. Madrid, Espasa-Calpe.

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