Por que o lobo da Chapeuzinho Vermelho não é mau?

É comum rotular as crianças como boazinhas ou não segundo seus comportamentos. As ações de uma pessoa, no entanto, não nos permitem saber tudo sobre ela. O exemplo do lobo mau, do conto da Chapeuzinho Vermelho, pode ajudar a entender o que estamos falando.
Por que o lobo da Chapeuzinho Vermelho não é mau?

Última atualização: 14 maio, 2020

A sociedade muitas vezes nos atropela com seu ritmo insano e acaba tornando praticamente impossível tirar um tempo para refletir sobre o que dizemos para os nossos filhos e sobre como os tratamos. Quantas vezes não ouvimos ou mesmo dissemos a seguinte frase: “Pedrinho! Você é muito mau, não faça isso com a sua irmã!”. Parece algo comum?  Para mim é algo muito familiar. Eu já ouvi essa frase uma infinidade de vezes e, em alguns momentos eu mesma admito tê-la falado. É a ação de dar um rótulo, e fazemos a mesma coisa com o lobo mau da Chapeuzinho Vermelho. Por quê?

Parece que o comportamento do Pedrinho não foi uma escolha muito feliz, mas daí a dizer para ele que ele é uma criança ruim, há uma grande diferença.

Um dos aspectos mais relevantes para conseguir entender o motivo disso é diferenciar um ato em si, o comportamento da criança, da criança como um todo. É muito importante saber diferenciar entre ato e pessoa e ter muito cuidado com qualquer generalização ou estereótipo.

Pai educando filho

O perigo dos rótulos

Estou quase certa de que se o pai do Pedrinho disse isso para o seu filho é porque o que ele fez foi reprovável e seu comportamento não foi nada adequado. Agora, o problema ou o incorreto foi o comportamento do Pedrinho, não ele em si.

Se confundimos constantemente os comportamentos ou ações dos nossos filhos com eles mesmos, muito provavelmente vamos minar sua autoestima pouco a pouco sem nos darmos conta. Não é a mesma coisa dizer “você é muito distraído” (um traço de personalidade) e dizer “você se distraiu” (um comportamento).

Por isso, o fato de as crianças dizerem que o lobo da Chapeuzinho Vermelho é mau foi algo que sempre me chamou bastante a atenção. Atribuímos esse traço de personalidade (ser mau) a ele porque ele queria comer a Chapeuzinho Vermelho.

A conclusão é bem simples: se ele quer comer a Chapeuzinho, só pode ser mau. Só os maus fazem esse tipo de coisa.

E claro, todas as vezes que os lobos aparecem em alguma história ou conto (temos a Chapeuzinho Vermelho, Os três porquinhos, Pedro e o Lobo, etc), nós nos encarregamos de explicar que os lobos são maus porque querem machucar as personagens protagonistas, e assim acabam com o rótulo de malvados. Mas a realidade não é exatamente essa.

É claro que o lobo não é mau. O lobo quer comer a Chapeuzinho porque está com fome, e não porque é mau. Se explicamos isso aos nossos filhos, eles poderão ter expectativas mais realistas, saudáveis e positivas. Pobres lobos… Que má fama eles têm!

Por isso, é importante tentar mudar o comportamento de rotular os outros de forma tão rígida.

A arte de descrever comportamentos

Luis Cencillo, filósofo e psicólogo, costumava utilizar um conceito que, para mim, é muito prático: ressemantização. A ressemantização consiste em trocar uma atribuição por outra mais adaptativa.

Por exemplo, em vez de dizer que uma criança é muito estranha e envergonhada, ressemantizar isso (dar outro rótulo) seria chamar a criança de tímida.

Que difícil é trocar um rótulo depois que ele foi colocado! Não é mesmo? Muito difícil. Como bem disse o psicólogo valenciano Alberto Soler, os rótulos são algo muito fácil de colocar, mas logo no segundo seguinte já se tornam algo muito difícil de tirar.

Para isso, Soler usa a metáfora dos rótulos que vêm nos potes de conserva. Uma vez que colocamos um rótulo em uma criança (nervosa, má, inquieta, mimada, birrenta, etc), depois será muito difícil retirá-lo, ainda que a criança traga evidências que funcionem a seu favor.

Por esse motivo, tenha muito cuidado com os rótulos que você espalha por aí.

O ser humano tem uma tendência a se comportar de acordo com os rótulos ou preconceitos que são emitidos contra ele. Isso mesmo: geralmente nós assumimos aquilo que esperam de nós.

Henry Ford dizia que “tanto se você pensar que pode quanto se você pensar que não pode, você estará correto”.

Mãe educando filho

Uma história clássica que eu costumo usar para explicar as consequências de assumir um rótulo ou um papel é o passeio de Galton. Francis Galton era o primo de Charles Darwin. Uma manhã, ele decidiu entrar em um parque em um momento no qual estava pensando que era a pior pessoa do mundo.

Em nenhum momento ele falou com ninguém, afinal, só pensava em como ele era uma pessoa totalmente digna de desprezo.

O que o próprio Galton observou nas pessoas com as quais ele cruzou durante o seu passeio? A maioria das pessoas que ele encontrou seguiram uma tendência de se afastar dele e olhar para ele com medo. Surpreendente, não é mesmo? Esse é o poder dos rótulos.

Por que o lobo da Chapeuzinho Vermelho não é mau?

Voltando para a explicação que eu estava dando sobre por que o lobo da Chapeuzinho vermelho não é mau, também estou convencida de que não existem crianças más.

Apesar disso, é comum ouvir “O fulano é muito mau”. Isso sempre diante de um mau comportamento, que na verdade deveria ser um motivo para ouvir a entender a criança

Não digo isso para justificar o comportamento nem nada do gênero, mas proponho a tentativa de compreender por que a criança está se comportando de uma determinada maneira, seja de forma habitual ou não.

Para isso, o melhor que podemos fazer, tanto com nossos filhos ou se tivermos alunos, é falar com as crianças sobre seus comportamentos ao invés de qualificá-los em rótulos que muitas vezes se tornam permanentes.

Pense sempre no jeito como você age com seu filho, nos rótulos que você dá e nas consequências de tudo isso. Sua visão das coisas pode gerar consequências muito diferentes, e por isso o ideal é ela ser a mais flexível, saudável e adaptativa possível.


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