A maldade do homem: a terceira ideia irracional de Ellis

As ideias irracionais de Ellis, e a explicação da sua irracionalidade, foram amplamente utilizadas na terapia para desarticular um tipo de pensamento tóxico e contraproducente. Neste artigo, vamos nos centrar na terceira ideia, aquela relacionada com a maldade do ser humano e o castigo que merece.
A maldade do homem: a terceira ideia irracional de Ellis

Última atualização: 09 fevereiro, 2020

Existem certas ideias irracionais que se encontram na base do funcionamento da sociedade e, como consequência, do homem; Albert Ellis as chama de “aberrações”. De fato, muitas destas ideias irracionais estão na base dos pensamentos irracionais que obscurecem o nosso humor, freiam os nossos comportamentos e nublam a nossa capacidade de cognição. A terceira ideia irracional de Ellis, sobre a qual falaremos neste artigo, também desempenha esse papel.

As ideias irracionais são propostas por Ellis como aceitações pouco racionais de como o mundo e as pessoas que o habitam devem ser.

Muitas dessas ideias são herança do processo histórico de cada cultura e, no nosso caso, muitas delas provêm da tradição e da moral da religião, que até pouco tempo estavam presentes em todos os cantos da nossa sociedade.

Assim, neste artigo vamos nos centrar na terceira ideia irracional de Ellis. Embora seja considerada irracional, muitos ainda continuam acreditando e baseando suas cognições e ações nela.

A terceira ideia irracional de Ellis

As pessoas são más?

A terceira ideia irracional proposta por Ellis diz o seguinte:

A ideia de que existe um tipo de gente vil, malvada e infame que deve ser seriamente culpabilizada e castigada pela sua maldade.

Muitos podem argumentar e estar de acordo com esta ideia. Existe uma tendência a rotular as pessoas como “boas” ou “más” em função das ações que realizam.

Se uma pessoa escolhe uma opção que entendemos como reprovável, costumamos dar a ela o rótulo de má. E não é só isso: as pessoas más também têm que sofrer por causa da sua natureza ou das suas ações. Elas precisam ser castigadas.

Embora, a priori, e novamente a partir do marco contextual e da herança sociodemográfica que temos, esta não seja uma ideia descabida, Ellis a vê na base de um pensamento irracional, não baseado em evidências e que abusa dos absolutos. Ou seja, é uma forma de pensar tóxica que não parece nos fazer nenhum bem.

Mas, por que esta ideia não é verdadeira? Por acaso não existem pessoas más que realizam ações ruins? Elas não merecem castigos?

A indemonstrável maldade do homem

Ellis, em sua obra Razão e Emoção na Psicoterapia (1962), tenta explicar por que a maldade não é um fato. Ele argumenta, entre outras coisas, que a ideia de que as pessoas podem ser boas ou más parte da antiga doutrina teológica do livre arbítrio.

Foram muitos os filósofos (Descartes, Hume e até Kant) que falaram sobre o livre arbítrio e, sobretudo, sobre a ética a partir do livre arbítrio.  Se há pessoas boas ou más e há livre arbítrio, isso significa que as pessoas são livres para fazer o “bem” ou o “mal”.

De alguma forma, esta premissa também pode indicar que existe uma verdade absoluta, ditada por um “deus” ou por uma “lei natural”, que determina aquilo que entra dentro do “bem” e aquilo que faz parte do “mal”.

Esta doutrina não tem base científica, e suas palavras-chave (um deus, verdade absoluta, livre arbítrio…) não podem ser provadas nem refutadas. Por isso, afirmar, como base, que existem pessoas boas e más não faz sentido.

Mulher desiludida em sua cama

Uma má ação não faz uma má pessoa

Uma má ação, ou uma ação errada, não define como “má” a pessoa que a realiza. Na verdade, embora costumemos inferir que estes impulsos provêm de uma natureza claramente malvada, na maior parte das ocasiões eles ocorrem por uma simples ignorância, por desconhecimento ou por algum tipo de condição de saúde.

Independentemente destas pessoas causarem e serem responsáveis por um dano a terceiros com a sua má ação, isso não significa que elas mereçam um castigo humilhante e letal pela sua ignorância, seu desconhecimento ou por algum tipo de condição de saúde. Em muitas ocasiões, quando impomos castigos a pessoas que cometeram uma má ação, este busca penalizar uma suposta maldade.

Faz sentido castigar estes aspectos? Não faria mais sentido tentar fazer com que, na próxima vez, aquela pessoa não fosse tão ignorante, tão sem conhecimento, ou não tivesse aquela condição de saúde? A ideia de que um homem que faz algo mau é mau foi projetada em muitos sermões de diferentes igrejas: muitas religiões acreditam ser guardiãs da moral.

No entanto, a realidade demonstrou ser mais complexa. Uma pessoa pode dar dinheiro à outra sem teto e chegar em casa à noite e maltratar o seu filho. Uma pessoa pode não deixar um idoso sentar no metrô e trabalhar 14 horas por dia para pagar por um tratamento médico para o seu pai.

Uma “má” ação não determina nada, tanto que a definição de “mau” é subjetiva. Alguns encontram algo bom no mal, e algo mau no bem.

A falibilidade da nossa natureza

Ellis, em sua obra, argumenta que é pouco realista pensar que vamos fazer tudo certo. Na verdade, a falibilidade está na natureza do ser humano; boa parte do seu aprendizado provém da tentativa e erro.

Por isso, dizer que uma pessoa “deveria” fazer algo, “deveria” ter agido de outra forma, é errôneo. A utilização de absolutos e “deverias” está na base de todo pensamento irracional, e a pessoa não “deveria” ter agido daquela forma porque o homem é falível e pode cometer erros.

Homem pensando em seus erros

A utilidade de castigar o mau

O castigo, em muitas ocasiões, tem efeitos pouco favoráveis no processo de aprendizagem. Se uma pessoa comete um erro, ou uma ação “má”, culpá-la de forma vingativa e irritada pode ser contraproducente.

Quando uma pessoa comete um erro pela sua ignorância, o castigo imposto pelas suas ações não vai torná-la menos ignorante. Por isso, se depois do castigo esperamos que a pessoa aja de outra forma, isso não faz muito sentido. Ellis resume esta problemática com um exemplo:

“Esperei que ele fosse um anjo em vez de um ser humano e que não cometesse erros. Agora que demonstrou ser um ser falível, exijo-lhe de uma forma menos realista (com um castigo) que seja um perfeito anjo no futuro”.

Além disso, se uma pessoa comete um erro por causa de uma condição de saúde psicológica, culpá-la pode inclusive “alimentar” essa condição. A culpabilidade, a ira e a hostilidade se encontram na base de muitos transtornos psicológicos.

Diante dessa filosofia de culpabilização, na qual as crianças são imersas desde muito pequenas, é exaltada a culpabilização pelos erros passados, presentes e futuros. Sem essa culpabilização, os sentimentos de ansiedade, culpa ou depressão teriam mais dificuldade para se instaurar em nós.

A terceira ideia irracional de Ellis na educação

Muitos de nós fomos educados sob as premissas que sustentam a terceira ideia irracional de Ellis, fazendo de nós seres que sentem culpa, com medo de cometer erros, com medo de castigos e com ideias vagas sobre o que é mau ou bom. Isso condiciona o nosso humor, o nosso jeito de ser e os nossos comportamentos.

Por isso, antes de julgar a maldade de uma pessoa, é preciso pensar várias vezes. Da mesma forma, se uma pessoa julgar as nossas ações ou as repreender, também devemos pensar na terceira ideia irracional de Ellis e decidir se a nossa culpabilidade é lícita ou não.


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  • Ellis, A. (2009). Razón y Emoción en Psicoterapia. Ed: Desclée de Brouwer.

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