Matrix: questionando a realidade

Matrix: questionando a realidade
Leah Padalino

Escrito e verificado por Crítica de Cinema Leah Padalino.

Última atualização: 18 maio, 2023

O que é Matrix? Essa é a pergunta que circula pela cabeça do protagonista, Neo, e do espectador que vê o filme pela primeira vez. Hoje em dia a trilogia das irmãs Wachowski é uma grande conhecida do público, pois já foram feitas muitas análises sobre os filmes e, em algumas ocasiões, eles são utilizados para complementar algumas aulas de Filosofia.

Não vou comentar a trilogia completa, e sim o primeiro filme, porque ele costuma ser o mais significativo e aquele que causa mais questionamentos. É difícil resumir em um só artigo todos os pontos dignos de análise que aparecem no longa, então vou me concentrar em fazer uma análise global de algumas das sensações que o espectador tem depois de assistir ao filme, sem me deter muito em nenhuma questão em particular.

Como podemos saber se estamos acordados? O que é real? Com certeza, muitas pessoas que viram o filme fizeram estas perguntas. Muitos de nós já tivemos a impressão de não agir com total liberdade, muitos já pensamos que nossos atos estão predeterminados (ou bastante influenciados), ou que vivemos em um eterno retorno constante, bem característico de Nietzche; inclusive, que nós estamos sendo manipulados e controlados, e que estamos dentro de um sonho.

Matrix responde a todas essas perguntas; é uma espécie de mito contemporâneo, uma solução para alguns dilemas da humanidade.

Os avanços tecnológicos que nasceram para facilitar a nossa vida terminaram nos escravizando. As máquinas cada vez mais inteligentes foram ganhando vontade própria, alcançando e superando a própria inteligência humana. No entanto, as energias vão se esgotando, os recursos são escassos e as máquinas precisam se alimentar; desse modo, depois de uma guerra, as máquinas escravizaram os humanos, transformando-os na sua fonte de alimentação.

Os humanos foram, então, forçados a viver em um sonho, a dormir durante toda a sua vida conectados a máquinas que, agora, se alimentam deles.

Um futuro infeliz e tenebroso que, no entanto, parece cada vez menos insensato. Alguns humanos conseguiram resistir e vivem na única cidade livre, Sion, de onde acessam a Matrix com a intenção de libertar mais humanos e empreender uma luta para sair da escravidão.

Um enredo de ficção científica, porém carregado de crítica, cheio de poder e capaz de fazer com que repensemos a nossa própria realidade. Como saber se não estou vivendo um sonho? Eu sou dono das minhas decisões?

O que é Matrix?

Primeiramente tentarei responder à pergunta com a qual começamos o artigo: o que é Matrix? O próprio Morfeu responde a isso dizendo: “é o mundo que foi colocado diante dos seus olhos para ocultar a verdade”, ou seja, Matrix é uma mentira, um engano para os sentidos; não é real, mas o percebemos como tal. Isso, sem dúvida, nos remete ao mito platônico da caverna.

Platão dizia que os sentidos são enganosos, que não são fiáveis. Para quem não lembra, o mito da caverna nos apresenta a humanos que vivem com os pés e as mãos presos, observando o fundo de uma caverna. Atrás deles existe uma fogueira acesa, que projeta sombras nesse fundo que eles contemplam. Para estes humanos, esse fundo é a realidade, pois é a única coisa que eles conhecem, a única coisa à qual eles têm acesso e que percebem a partir dos sentidos.

Se um desses humanos conseguir escapar, terá acesso ao mundo real, ao conhecimento. No começo, essa luz cegará os seus olhos, ele sentirá dor e terá que se adaptar. Ao voltar à caverna, provavelmente os seus companheiros pensarão que ele mente e desejarão matá-lo. Esses companheiros só conhecem uma realidade e, como consequência, a protegerão, pois ela é a sua realidade e não querem que a mesma corra perigo.

Esta história nos remete muito a tempos passados, como por exemplo na recepção das descobertas de Galileu e Copérnico. Em Matrix, Neo tem uma suspeita, uma ideia que ronda a sua cabeça. Assim como em Alice no País das Maravilhas, Neo vai seguir um coelho que o levará a cair dentro de um buraco, mas nesse caso ele não chegará a um lugar fantástico e irreal, e sim ao mundo real, ao mundo das ideias que sugeria Platão.

As pílulas de Matrix

O interessante de Matrix é que, além disso, o filme oferece a sua resposta para a “realidade”, fazendo referência a coisas tão cotidianas como um déjà vu, dando-lhe sentido, moldando-o ao sistema proposto. Matrix é uma espécie de realidade virtual na qual todos nós estamos dormindo e vivemos como se fosse real.

Não é verdade que, quando nós colocamos os óculos de realidade virtual, apesar de saber que não é real, nossos sentimentos a interpretam como se ela fosse? Isso é precisamente o que acontece em Matrix: as sensações são percebidas como reais e, como consequência, deixamos de questionar se estamos acordados ou não.

Por outro lado, essas perguntas feitas por Neo sobre a sua realidade nos lembram profundamente Descartes, que foi quem solucionou o problema falando de um gênio maligno que nos manipulava e enganava, assim como fazem as máquinas em Matrix. Descartes duvida de tudo e Matrix faz com que nós também duvidemos dos nossos sentidos.

Tudo isso nos remete, por sua vez, ao filósofo Hilary Putnam, que sugeriu uma coisa similar ao gênio maligno, mas renovado. Como podemos saber se não somos cérebros armazenados em baldes? Como podemos saber que não estamos vivendo um sonho compartilhado? Isso é o que sugeria Putnam e também o que vemos em Matrix, uma simulação compartilhada por todos, sem sermos conscientes da natureza daquilo que estamos vivendo.

Cena de Matrix

Somos livres?

Se vivemos presos em um sonho compartilhado do qual também não somos os donos, devemos nos perguntar se existe o destino e se nossos atos são realmente nossos. Um dos personagens mais interessantes a esse respeito é o Oráculo, pois é ele quem diz a Neo que ele tem a capacidade de decidir, que só ele é o dono de suas decisões, e o curioso é que, precisamente, o Oráculo é o personagem ligado ao destino.

O filme se baseia constantemente em decisões: pílula vermelha ou azul, saber a verdade ou não. Essa liberdade de decidir foi relacionada com o Existencialismo de Sartre.

Se não existe destino, se não há nada predeterminado, então somos nós quem, com nossas decisões, vamos lhe dando forma. Mas o filme nos sugere também a possibilidade de um destino, de algo já pré-estabelecido e, ao mesmo tempo, aparecem argumentos que contradizem isso.

O Oráculo será um dos personagens mais importantes nesse ponto, mas também Morfeu, cuja postura não nega nenhuma das hipóteses anteriores: ele acredita no destino, mas também no poder de decidir.

Personagens de Matrix

Matrix também destaca o problema do conhecimento e a felicidade, onde vemos que o mundo real no qual os personagens chegam ao sair da simulação não tem nada de bom. Ali eles descobrem uma aterradora verdade e se veem submergidos em um mundo de sombras.

Nesse ponto, devemos pensar se todo esse conhecimento é bom, se ele nos leva à felicidade. A felicidade tem sempre sido vista como um bem supremo, o objetivo a ser alcançado ao longo da vida humana.

Cifra é o personagem arrependido do filme: ele quis ter acesso à verdade, mas ao conhecê-la, decide que prefere voltar ao mundo irreal, ao mundo de fantasia e ignorar a realidade. Cifra decide que prefere viver uma vida na ignorância em vez de conhecer a verdade.

A quantidade de questões filosóficas que Matrix propõe é ampla e consegue que, por alguns instantes, nós nos transformemos em juízes, em observadores, e que nos perguntemos coisas sobre as nossas decisões, a felicidade e o mundo que nos rodeia.

Sem dúvida, Matrix é um filme imperdível em aulas de Filosofia, uma obra cinematográfica que pretende dar uma resposta, apagando os preconceitos e abrindo a nossa mente, duvidando de tudo.


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